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Hugo de Brito Machado coloca como questão essencial “saber se admitir a transação na relação tributária implica, ou não, violação ao princípio da legalidade”.45

De início, cabe relembramos que o princípio da legalidade adveio da necessidade de limitar o poder estatal, surgido junto com o Estado de Direito, como uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Consagrado, entre outros, nos arts. 5º, inciso II e 37, caput da Constituição Federal46, significa a prevalência da Lei, fundamento e limite de validade da atividade administrativa, nela incluída, a Administração Tributária. Neste sentido, é a lição de Celso Antônio Bandeira de Melo (2010, p. 99-100):

[...] o princípio da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o direito administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal,

consistente na expedição de comandos complementares à lei.47

Se na esfera das relações particulares, prevalece a autonomia da vontade, no âmbito estatal vigora o contrário, pois à Administração só é permitido

45MACHADO, Hugo de Brito. “Transação e arbitragem no âmbito tributário”, Revista Fórum de

Direito Tributário, n.º 28. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 112.

46 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). (grifo nosso)

(...)

47 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27.ed., São Paulo:

fazer o que a norma autoriza. As leis administrativas são de ordem pública, obrigatórias, de modo que suas determinações não podem ser desacatadas, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários. O Princípio da Legalidade tem por fim submeter a Administração em um quadro normativo sem favoritismos, perseguições ou quaisquer negociações que extrapolem as limitações que sofre o Estado, garantindo-se uma atuação voltada a concretização da harmonia social. Neste sentido, Roque Antônio Carrazza (2008, p. 240) esclarece:

O Estado de Direito limita os poderes públicos, isto é, concretiza-se numa proibição de agir em desfavor das pessoas. Por isso, nele, para a melhor defesa dos direitos individuais, sociais, coletivos e difusos, a Constituição vincula não só o administrador e o juiz, mas o próprio legislador. De fato, tais direitos são protegidos também diante da lei, que deve se ajustar aos preceitos constitucionais. A garantia disso está no controle da constitucionalidade, que, na maioria dos ordenamentos jurídicos, é levado

a efeito pelo Poder Judiciário.48

Como é cediço, a Administração Pública, para alcançar os interesses da coletividade, precisa ter disponibilidade financeira, arrecadando receita, a qual é proveniente, essencialmente, do pagamento de tributos que o particular realiza, entregando somas em dinheiro para o Estado manter em funcionamento seus mecanismos. Essa obrigação tributária é compulsória e nasce por lei (CF, art. 150, I)49. Portanto, o princípio da legalidade é uma proteção ao cidadão contra atos

arbitrários da Administração e um comando para o legislador, que não pode, por exemplo, criar tributos por portarias, decretos ou atos normativos.

Assim, pelos as razões acima expostas, concluímos que a Administração Pública e a Administração Fazendária encontram-se intimamente interligadas, além de estarem submetidas à Reserva Legal, que determina suas ações e estabelece os seus limites, restringindo-se a atuação estatal aos ditames legais a fim de resguardar direitos pessoais e coletivos.

48 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros,

2008, p. 240.

49 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...)

Feitas as devidas explanações, cabe referir que a transação tributária difere da transação aplicada no direito civil justamente no que concerne aos princípios regentes do direito administrativo, contrários à autonomia da vontade e, principalmente, ao princípio da legalidade, expressamente previsto no art. 171 do Código Tributário Nacional. Trata-se de uma decorrência do regime jurídico de Direito Público, em especial, do Direito Tributário. Assim, para a realização da transação no âmbito tributário, as delimitações e condições de atuação da Administração Fiscal devem estar claras e só podem existir em conformidade com o princípio da reserva legal. O Administrador fazendário tem permissão para agir conforme a lei lhe faculte, mas não poderá extrapolar o que não lhe é permitido realizar.

Desse modo, obrigatoriamente, a lei deverá estabelecer os critérios gerais e específicos para que se autorize e se possibilite a realização da transação e orientar a conduta do Administrador Tributário, que não poderá se render à mera declaração de vontade do contribuinte. Outrossim, a lei deverá delimitar sua competência administrativa, além de fixar os instrumentos, procedimentais ou processuais, por meio dos quais a avença será formalizada, gerando, a partir daí, seus efeitos legais.

Neste sentido é o que leciona Hugo de Brito Machado (2012, p. 222), para quem “Só mediante previsão legal a autoridade competente pode autorizar a transação em cada caso [...]. Se o agente do Estado pudesse transigir sem autorização legal estaria destruída a própria estrutura jurídica deste.”.50

Seguinte este mesmo entendimento, é a lição de Bernardo Ribeiro de Moraes (1997, p. 625): “transação exige sempre a existência de lei, sem a qual deixa de existir a causa extintiva do crédito tributário”.51

No entanto, saliente-se que não significa que a lei deva detalhar e minudenciar a conduta do Administrador Tributário a ponto de não lhe deixar esfera discricionária, ou de lhe deixar via tão estreita que torne impraticável a aplicação do

50MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.

222.

instituto, até porque seria impossível indicar, com precisão, os múltiplos casos em que ela poderá se celebrar.

A norma abstrata da transação não pode indicar com precisão o objeto das transigências entre as partes, já que tal conteúdo há de ser preenchido a partir da interação dos elementos circunstanciais com a finalidade a ser alcançada – conforme os interesses de cada sujeito de um litígio, de modo a solucioná-lo com a respectiva extinção do crédito tributário. Para o administrador tributário, o interesse deve ser transfigurado na competência para alcançar a finalidade determinada em lei. Porque impossível a captura generalizante da variabilidade concreta, o exame dos dados fáticos e das opções para a solução da disputa real e material que ultrapassa os limites da regulação legislativa e adentra os atos de execução pra a finalidade determinada em lei sendo, portanto, atribuição do administrador. Por isso, cabe ao legislador fincar os marcos da competência administrativa para a averiguação da oportunidade e conveniência de um ajuste com o sujeito

passivo da relação tributária litigiosa.52

Ainda quanto ao ponto, note-se que o artigo 171 do CTN não obriga os sujeitos da relação jurídica tributária a obrigatoriamente celebrarem transação. O dispositivo é claro ao mencionar que as partes terão a faculdade de fazê-lo, desde que, nos termos da lei, estejam dispostas a fazer concessões mútuas. Assim:

Por essa circunstância, e em qualquer situação, a transação tributária deve ser considerada como instrumento subsidiário, suplementar, e não ordinário ou obrigatório por assim dizer, para fins de composição ou solução de controvérsias dessa natureza. Em outras palavras, o método transacional não deve ser a regra, mas uma opção para solucionar o litígio, desde que observadas as suas condições e pressupostos, colocada à

disposição dos administrados pelo ordenamento jurídico.53 .

Nos termos acima avaliados, entende-se pela inexistência de óbice constitucional ou mesmo normativo para fins de regulamentação e adoção da transação tributária, figurando-se, assim, a legalidade não só como elemento essencial da transação, como também seu pressuposto de validade.