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1.7. Em buscas de definições: dificuldades epistemológicas e conceitos básicos

1.7.2. Conceitos Básicos

Para que possamos utilizar uma terminologia razoavelmente unívoca, permitindo a discussão das idéias a serem debatidas nos capítulos seguintes com clareza suficiente, é útil a exposição, ainda que breve, do que se entende por sexo e comportamento sexual.

Vez que o presente trabalho tem cunho eminentemente jurídico, tais explicações serão limitadas a conceitos elementares e às informações consideradas essenciais aos nossos objetivos, recorrendo, para tanto, às lições dos maiores especialistas nesta área, motivo pelo qual as informações constantes neste item (a não ser quando houver remissão expressa à outra fonte) refletem aquelas constantes no curso sobre sexualidade disponibilizado na Internet pela Universidade Alemã de Humboldt, em Berlim, que constitui um dos mais importantes e respeitados arquivos públicos existentes sobre sexo no mundo,103 criado pelo Dr. Erwin J. Haeberle. Vale ressaltar que, a par das dificuldades epistemológicas anteriormente referidas, as posições aqui expostas (que não necessariamente refletem as nossas) são atualmente majoritárias entre os especialistas.

Inicialmente, cumpre esclarecer que os seres humanos são seres sexuais em virtude de evolutivamente terem adotado a reprodução sexuada, a única capaz de responder, com eficácia e rapidez, às mudanças violentas ou à modificação do meio, vez que:

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MAGNUS HIRSCHFIELD ARCHIVE FOR SEXOLOGY. Disponível em: http://www2.hu- berlin.de/sexology/index.htm. Acesso em 10.09.2011.

“(...) recoloca em questão as combinações genéticas já existentes. Essa “redistribuição de cartas” é a condição sine qua non da evolução. Permite que cada geração escolha novas combinações mais aptas para explorar o meio. Esse modo de reprodução, que mantém de forma incessante uma grande variedade nos patrimônios genéticos dos indivíduos, é viabilizado pela sexualidade. Aqui, cada sujeito é fruto de uma mistura: a metade do patrimônio vem do pai, a outra metade da mãe. É um mestiço oriundo de seus pais. Em consequência, jamais se assemelha rigorosamente a eles: não será idêntico a nenhum dos dois, será outro”.104

Em verdade, se a partir de certo nível de organização biológica a natureza impôs a morte de um modo universal é porque, apesar das aparências, esse fenômeno inclui uma vantagem evolutiva, vez que a reprodução sexuada cria, sem cessar, novos seres com patrimônio genético original. Contudo, estas novas combinações (sobretudo as melhor adaptadas), só podem vir a existir se os antigos lhes cederem o lugar, de forma que a sexualidade e a morte são duas faces da mesma moeda, qual seja, o ciclo vital que forma, ao longo das gerações, uma longa cadeia cuja origem se perde na noite dos tempos.105

Por estas razões, a palavra sexo, do latim secare (i.e., cortar ou dividir), originalmente se refere à divisão dos dois grupos necessários para a reprodução sexuada: macho e fêmea (ou homem e mulher, no caso dos humanos). Somos, portanto, sem dúvida, seres sexuados, sendo inegável que, no atual estágio de avanço tecnológico, o casal heterossexual é a unidade biológica da qual depende necessariamente a reprodução da espécie.106

Tal diferença sexual entre os sexos está inflexivelmente ligada a nossa anatomia, de forma que a nossa primeira e mais imediata identidade tem a ver precisamente com a

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RUFFIÉ, Jacques; O Sexo e a Morte. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988, p. 20.

105

Ibid., p. 23.

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MORENO, Hortência. Relaciones Sexuales In: BLANCK-CEREIJIDO, Fanny. (Coord.) Sexualidad y Dere-

exclamação do parteiro “É um menino! (ou menina)”,107

muito embora hoje em dia, com os avanços tecnológicos, a regra é que já se saiba de antemão o sexo do bebê, que pode ser revelado por uma série de exames (isso quando a escolha do sexo não pré-data a próprio ser, por meio da seleção de embriões com base no sexo!).

Essa dicotomia existente entre os dois sexos parece ser tão óbvia e natural, um dado tão evidente e indiscutível da realidade, que ninguém normalmente se questiona sobre isso. Entretanto, contrariamente a percepção comum e talvez, para a surpresa de muitos, as coisas estão longe de ser assim tão simples.

Nos seres humanos, em particular, a sexualidade é um fenômeno complexo, resultante da interação de aspectos biológicos, psicológicos e sociais, três dos quais são considerados básicos: o sexo, o gênero e a orientação sexual. No entanto, ainda que consideremos apenas os aspectos físicos, existem ao menos cinco fatores biológicos (referentes tanto ao genótipo como ao fenótipo dos indivíduos) que devem ser considerados para se determinar o sexo, sendo que cada um deles pode apresentar exceções atípicas. Consequentemente, em alguns casos, é extremamente difícil, quando não impossível, determinar se um indivíduo é do sexo masculino ou feminino.

O primeiro dos fatores determinantes do sexo biológico de um indivíduo é sua configuração cromossômica. Cada célula humana contém 23 pares de cromossomos, sendo que as células de um corpo feminino contêm dois cromossomos X (XX) e as de um corpo masculino, um cromossomo X e outro Y (XY). Aqui, contudo, nos deparamos com as primeiras exceções: em alguns casos, existem indivíduos com combinações como XXY, XYY ou mesmo XXX, os quais, por nascerem com combinações genéticas excepcionais, desenvolvem vários problemas físicos e/ou são estéreis, não se encaixando perfeitamente no conceito genético de masculino ou de feminino.

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MORENO, Hortência. Relaciones Sexuales In: BLANCK-CEREIJIDO, Fanny. (Coord.) Sexualidad y Dere-

O segundo fator determinante é o sexo gonadal, sendo que as mulheres têm ovários e os homens, testículos. Contudo, em alguns casos raros, tecidos de testículos e ovários podem ser encontrados na mesma pessoa.

O terceiro fator é o sexo hormonal. Vez que as gônadas são responsáveis pela produção de hormônios (masculinos e femininos) com importante papel no desenvolvimento das características sexuais, em especial antes do nascimento e durante a puberdade, os hormônios por elas produzidos afetam diretamente o sexo hormonal. Novamente, em casos excepcionais, o excesso ou falta de hormônios pode ter uma influência decisiva no funcionamento do corpo, levando inclusive a uma aparência física singular, vez que o desequilíbrio hormonal pré-natal pode levar a formação de órgãos sexuais atípicos, nos quais existem estruturas masculinas e femininas.

O quarto fator são as estruturas sexuais internas (ou reprodutivas acessórias), tais como o útero e a vagina nas mulheres e os dutos seminais e a próstata nos homens, que também podem apresentar condições atípicas, sendo ausentes ou com o desenvolvimento incompleto.

O quinto fator são os órgãos sexuais externos (i.e. pênis e saco escrotal para os homens e clitóris e lábios vaginais para as mulheres). Também nesses casos, existem exceções, caracterizadas por sua ausência ou desenvolvimento incompleto.

Assim sendo, mesmo que consideremos apenas as questões de ordem biológica, existem pessoas com constituição física ambígua, que não são propriamente nem do sexo masculino, nem do sexo feminino, embora isso possa parecer surpreendente para algumas pessoas. São os denominados intersexuais.

Outro aspecto básico para a determinação sexual (não biológica) é o gênero (ou “identidade de gênero”), característica de natureza psicossocial, que diz respeito aos papéis psicológicos e sociais que os indivíduos do sexo masculino e feminino exercem na sociedade e que abrangem dois outros critérios usados na identificação sexual, quais sejam: o sexo

designado (i.e. aquele no qual o indivíduo foi criado), que se refere ao papel do gênero visto externamente, e ao sexo de autoidentificação (i.e. aquele pelo qual a pessoa se autoidentifica), experimentado subjetivamente.

Ordinariamente, quando as pessoas nascem, têm um sexo designado, normalmente em conformidade com sua aparência física. Uma criança com o corpo feminino será criada como uma menina (e vice-versa). Contudo, devido as dificuldade de se determinar o sexo de um indivíduo, em casos atípicos, é possível, embora raro, que uma criança do sexo feminino seja criada como menino (e vice-versa). No tocante à autoidentificação sexual, normalmente as crianças com corpo feminino, criadas como meninas, consideram-se do sexo feminino. Da mesma forma, as crianças com corpo masculino, criadas como meninos, consideram-se do sexo masculino. Contudo, excepcionalmente, existem indivíduos que são do sexo feminino, foram criadas como meninas, mas que se consideram como sendo do sexo masculino (e vice- versa).

Existe ainda um terceiro aspecto básico a ser considerado quando se fala em sexo, que é a orientação sexual, que se refere à atração que um indivíduo tem por outros do sexo feminino ou masculino, ou ambos.

Por fim, considerando que os três aspectos básicos da sexualidade humana (sexo biológico, gênero e orientação sexual) se referem a diferenças de grau, podemos constatar que:

(i) o sexo biológico pode ser definido com base nos cinco fatores a que se refere o sexo físico. A grande maioria das pessoas atende aos critérios de masculinidade ou feminilidade em todos os fatores determinantes do sexo físico, embora existam pessoas com o sexo físico ambíguo, denominados intersexuais;

(ii) o gênero, definido como a feminilidade ou masculinidade de um indivíduo, é baseado em certas qualidades psicossociais que são incentivadas em um sexo e desencorajadas no outro. Novamente, a grande maioria das pessoas apresenta características de feminilidade ou masculinidade que claramente estão em

conformidade com seu sexo físico. Contudo, uma minoria assume um gênero que contradiz seu sexo físico (travestismo) ou apresenta uma alteração completa (transexualismo);

(iii) a orientação sexual pode ser definida como a heterossexualidade ou a homossexualidade do indivíduo, determinada com base na preferência de parceiros sexuais, qual seja, o grau no qual eles se sentem eroticamente atraídos por parceiros do mesmo sexo ou do sexo oposto. A maior parte dos indivíduos desenvolve uma clara preferência por parceiros do sexo oposto. Contudo, uma minoria sente atração pelos dois (bissexualidade) ou pelo seu próprio sexo (homossexualidade).

Nesse sentido, importante a lição de HERDT, que acrescenta ter o sexo três dimensões: uma subjetiva ou intrapsíquica, que se refere ao que acontece dentro das pessoas, outra intersubjetiva ou interpessoal íntima, que se refere às interações com outras pessoas na esfera íntima como namoro, casamento, e uma terceira, intersubjetiva de caráter cultural que se refere às regras específicas sobre gênero em uma cultura sexual em particular.108

Ao analisarmos os aspectos básicos da sexualidade humana, podemos notar que o espectro de variações possíveis, em termos percentuais, varia muito entre os três. O número de exceções é pequeno no que tange ao sexo biológico, vez que existem, proporcionalmente, poucos intersexuais. Elas já são em maior número no tocante ao gênero, porque existe um número relativamente maior de travestis e transexuais. Ademais, este número é ainda maior no tocante à orientação sexual, vez que existem ainda mais bissexuais e homossexuais.

Outro ponto é especialmente importante: os três aspectos básicos do sexo, em sua forma típica ou em sua forma atípica, são independentes entre si, de forma que eles podem aparecer em qualquer combinação concebível. Assim, por exemplo, existem mulheres, femininas e heterossexuais (as denominadas mulheres típicas), mas também existem mulheres, femininas e homossexuais, bem como mulheres masculinas e heterossexuais e mulheres

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masculinas e homossexuais. De forma similar, existem homens masculinos e heterossexuais (os chamados homens típicos) e homens masculinos e homossexuais (etc.).

Vamos exemplificar: a cantora Cher, uma das mulheres mais famosas do mundo, além de ser fisicamente do sexo feminino, adota o gênero feminino e tem orientação heterossexual, estando em conformidade com a imagem que temos de uma mulher típica. Já sua filha, Chastity Bono, também internacionalmente conhecida por sua participação em

reality shows, se submeteu a uma operação de transgenitalização (mudando seu nome para

Chaz), tem um perfil sexual diferente. Biologicamente Chaz nasceu do sexo feminino, tendo sido esse também o seu sexo designado. Contudo, seu sexo de autoidentificação sempre foi o masculino, tendo ela adotado, igualmente o gênero masculino. Quanto a sua orientação sexual, Chaz sente atração por mulheres.

Esta grande variabilidade a que nos referimos (inclusive de grau), no tocante a determinantes sexuais, é típica da sexualidade humana, de forma que cada um de nós pode ser considerado um ser sexualmente único.

Sendo o homem um animal biopsicossocial e, considerando o espectro amplo e multidimensional da sexualidade humana, podemos perceber que é extremamente difícil, se não impossível, fazer distinções precisas entre as características herdadas (sexo biológico) e os hábitos adquiridos (sexo psicológico). Em outras palavras, é extremamente difícil encontrar as bases biológicas sob a superestrutura cultural. Certamente, tanto a natureza como a criação tem uma participação, mas é difícil determinar o montante exato de cada uma. Por evidente, a complexidade da interação entre biologia e cultura é imensa, motivo pelo qual afirma TAYLOR que:

“A interação entre a biologia e a cultura é inimaginavelmente complexa em todos os aspectos da vida. A genética, o ambiente hormonal intrauterino, as primeiras experiências e, mais tarde, os fatores pessoais e políticos são partes significativas de como o indivíduo desenvolve sua identidade e preferências sexuais. Mesmo num nível aparentemente básico, a biologia não existe independentemente da

cultura: o sexo biológico como uma idéia distinta é na verdade parte de um sistema ocidental moderno de gênero, um sistema que inclui conhecimentos científicos que surgiram e se desenvolveram ao lado de preconceitos e presunções inconscientes”.109

Durante os vários estágios da vida de uma pessoa, podemos distinguir as características sexuais primárias (i.e. órgãos sexuais presentes no nascimento); as características sexuais secundárias (i.e. aquelas que se desenvolvem na puberdade e acentuam as diferenças entre homens e mulheres) e as características sexuais terciárias (i.e. aquelas características psicológicas ou sociais que são estimuladas em um sexo e desencorajadas em outro, como, por exemplo, o charme nas mulheres e a agressividade nos homens). As características sexuais primárias e secundárias são determinadas biologicamente e constituem o fato de uma pessoa ser do sexo masculino ou feminino. Por sua vez, as características terciárias são determinadas culturalmente, e constituem a masculinidade ou a feminilidade da pessoa.

No entanto, as diferenças físicas entre os sexos não são tão grandes quanto parecem, pois os órgãos sexuais do homem e da mulher são estruturalmente similares. Com efeito, nas primeiras semanas de seu desenvolvimento eles sequer podem ser distinguidos. É apenas com o seu desenvolvimento subsequente, antes do nascimento e, posteriormente, na puberdade, que os mesmos se tornam diferenciados e complementares para o propósito da procriação. Mas mesmo então, ainda existem, em ambos, estruturas análogas, originadas nas mesmas massas celulares.

Os sexos se desenvolvem de maneira diferente pela estimulação dos genes na produção das gônadas e, consequentemente, de hormônios, o que equivale a dizer que, se um óvulo fertilizado contêm dois cromossomos X, ele desenvolverá um embrião que irá formar ovários. No entanto, se ele tem um cromossomo X e um Y, estimulará as massas celulares gonadais a desenvolver testículos que, por sua vez, produzirão o hormônio testosterona que irá ajudar o embrião a se tornar do sexo masculino. Sem a produção de testosterona, o

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desenvolvimento embrionário automaticamente é feito no sentido de formar uma pessoa do sexo feminino. Em outras palavras, o sexo feminino é o sexo básico ou primário e, do ponto de vista da biologia evolucionária, também o sexo mais antigo. O sexo masculino, portanto, pode se desenvolver apenas se alguma coisa é adicionada, qual seja, a produção de hormônios.

Assim como o sexo físico de uma pessoa se desenvolve por muitos anos (i.e. do embrião ao estágio adulto totalmente diferenciado), também o gênero da pessoa é construído em um longo período de tempo. Tão logo as pessoas nascem, a elas é determinado um sexo, de acordo com suas características sexuais primárias mais óbvias. Estas, então, determinam como o bebê será tratado pela família, amigos, vizinhos etc.

Se essa determinação do sexo vai permanecer (i.e. se a criança vai aceitá-la), é uma outra questão. Sabemos que a autoidenficação como sendo do sexo feminino ou masculino torna-se permanente nos primeiros anos de vida. Ainda assim, a criança pode demonstrar em suas ações visíveis o gênero que lhe foi designado, embora internamente ressinta isso. Em outras palavras, uma menina pode secretamente se autoidentificar como um menino (ou vice-versa). Trata-se, porém, de parcela minoritária da população. Para a maioria, gênero e autoidentificação sexual são duas faces da mesma moeda e, com o passar dos anos, a masculinidade ou feminilidade biológica aumenta, conjuntamente com as dimensões psicossociais de sua masculinidade ou feminilidade. Tal desenvolvimento, que se inicia no nascimento, é bastante reforçado na puberdade, quando existe a expectativa de que os adolescentes se tornem homens e mulheres adultos, desenvolvendo as características sexuais terciárias.

Por sua vez, a definição de comportamento sexual é igualmente problemática, pois seu conceito moderno reflete uma visão científica do mundo e das atividades humanas inexistente nos períodos históricos antecedentes. Não que as pessoas não soubessem o que era abraçar, beijar, felar ou fazer sexo, como comprovado por vasta literatura. O que ocorria é que não existia, nesta época, um termo que englobasse, de forma sumária, descritiva e moralmente neutra, todos estes comportamentos.

Os órgãos sexuais eram entendidos, restritivamente, apenas como os órgãos genitais ou reprodutivos. Posteriormente, passaram a ser compreendidos como aqueles que podem servir para a gratificação sexual, disso resultando que qualquer comportamento envolvendo a estimulação destes órgãos poderia ser descrito também como sexual. Logo, se o comportamento sexual pode abarcar algo mais amplo, como a estimulação de outros órgãos que não os genitais, vários outros comportamentos como, por exemplo, a felação, podem ser considerados sexuais, muito embora não haja no ato qualquer possibilidade de reprodução. Se formos mais fundo neste raciocínio, o sexo poderá envolver inclusive atividades entre pessoas do mesmo sexo, ou mesmo a masturbação, dentre outros comportamentos (e.g. alguns paraplégicos, por exemplo, conseguem chegar ao orgasmo por meio do contato físico de seus ombros e, talvez para eles, este contato físico possa ser considerado uma atividade sexual).110

Essa visão foi, posteriormente, ainda mais ampliada pela psicanálise, tornando o conceito de comportamento sexual ainda mais inclusivo, para abranger o impulso vital das pessoas, denominado libido, sendo esta posição aquela normalmente aceita pelas pessoas, motivo pelo qual, voltando ao exemplo a que nos referimos anteriormente, se confere às peripécias de Clinton com a estagiária, um cunho claramente sexual.

Tal compreensão inclusiva do sexo, embora nos pareça correta, expressa em si uma visão predominante no mundo atual e é bastante subjetiva. De fato, só o homem moderno consegue detectar sinais sexuais em praticamente tudo. Perceba-se que uma opção mais restritiva, que considere sexo apenas a atividade que leva a reprodução, como já dito, excluindo qualquer outro comportamento, em princípio, também pode ser sustentada (a consequência lógica seria que muitos comportamentos, como a masturbação, o sexo oral e a homossexualidade, por exemplo, sequer poderiam ser classificados como sexuais). Com efeito, alguns povos primitivos não encontram nenhum elemento sexual em muitas das condutas que são consideradas de cunho claramente sexual por um homem moderno. Por exemplo, o fato objetivo de uma jovem de 18 anos dançar completamente nua perto de vários homens tem uma interpretação e inspira reações completamente diferentes se ocorrer na Avenida Paulista ou no Xingu. O fato observável, contudo, é exatamente o mesmo, o que nos

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leva crer que a moderna visão ocidental do sexo e do comportamento sexual também não é imune a críticas. Talvez, no futuro, existam novas mudanças de paradigmas, como característico da evolução científica, que alterem muito das nossas visões de hoje, o que comprova que os próprios limites do sexual, por serem histórica e socialmente definidos, são movediços.111

Nesse sentido, voltando ao nosso exemplo presidencial, a interpretação de Clinton, muito embora tenha sido criada como solução para uma questão política (e provavelmente seja considerada ridícula pela maior parte das pessoas), não seria totalmente sem sentido, se adotássemos uma conceituação radicalmente restritiva do sexo. Com efeito, é possível se defender, com alguma racionalidade, considerando a natureza potencialmente reprodutiva do ato sexual como seu elemento caracterizador, que o mesmo, em sentido estrito, é apenas aquele que leva potencialmente à fertilização e, portanto, à reprodução sexuada. Em verdade, embora possa ter havido prazer para ambos, aparentemente nunca ocorreu entre eles um ato sexual que pudesse levar à reprodução.

Recordemos, igualmente, que esta interpretação restritiva, longe de ser absurda, já foi implicitamente adotada por nosso sistema normativo, pois antes do advento da Lei 12.015/09, o Código Penal, em seu artigo 213, previa penalidade específica para o crime de