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PARTE I. INTRODUÇÃO E ENQUADRAMENTO INTRODUCTION AND RESEARCH CONTEXT

Capítulo 1. Ecossistemas Ripícolas e Bacia Hidrográfica do Tejo em Portugal – Síntese e Contextualização.

1.3. Os Conceitos The Concepts

Ao longo do subcapítulo anterior tornou-se óbvio como o estudo da vegetação ripícola envolve diferentes disciplinas científicas, o que, muitas vezes, significa diferentes conceitos e perspetivas de tipificar e analisar o mesmo fenómeno ou processo [Fig. 2]. Neste sentido intenta-se uma sistematização dos diferentes conceitos inerentes as essas perspetivas científicas e discutem-se os principais conceitos-base desta investigação. No Anexo 1 apresenta-se um glossário dos conceitos, considerados mais relevantes, utilizados ao longo desta tese. No Capítulo 2, quando se descrevem as tipologias utilizadas, também são definidos um variado conjunto de conceitos relacionados quer com a caracterização da flora quer com a caracterização ambiental das comunidades vegetais. Ao nível da hidrogeomorfologia chama-se a particular atenção ao Anexo 4 – Ficha de Campo do Inventário Ambiental – cujas notas incluem a definição de várias geoformas relacionadas com os ecossistemas ripícolas. Outros conceitos mais específicos discutiram-se oportunamente quando se considerou importante no desenvolvimento dos capítulos da tese.

Fig. 2. Nuvem de Conceitos. Concept Cloud

Apesar da nuvem de conceitos da Fig. 2 há claramente um núcleo de conceitos-chave que estão na base teórica, conceptual e operacional da nossa investigação – comunidade vegetal (atrás discutido), Vegetação Ripícola Potencial (VRP) e geossérie ripícola ao nível da vegetação; leito maior (ou de cheia) ao nível hidrogeomorfológico e invasão (planta invasora), estado e restauro ao nível ecológico. Deste modo os dois primeiros são conceitos teóricos, os dois intermédios evidenciam a ligação da teoria à prática, e os três finais são sobretudo conceitos operacionais, de importância

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prática no ordenamento e gestão dos ecossistemas (ripícolas). No entanto, dada a encruzilhada de inter-relações entre os conceitos não é fácil discutir apenas os relacionados com a vegetação (e.g. da Fitossociologia ou Ecologia Dulçaquícola) sem abranger os relacionados com o habitat, (da Hidrogeomorfologia ou Ecologia) e vice-versa. Por outro lado as duas perspetivas teóricas por detrás da Ciência da Vegetação (visão organizacional36 fitossociológica vs. visão contínua ecológico- limnológica) promovem a diferenciação teórica de alguns conceitos que na prática estão relacionados, mas cujos limites nem sempre são fáceis de compatibilizar. De resto (Malanson, 1993) referia também que apesar dos ambientes ribeirinhos terem recebido muita atenção, quer de ecólogos quer de geomorfólogos fluviais, tal trabalho não resultou numa estrutura conceptual unificada. Talvez por isso surja cada vez mais na bibliografia sobre ecossistemas ripícolas manuais que tentam facilitar esse entendimento (e.g. o livro de (Gordon et al., 2004) Stream Hydrology: An Introduction for Ecologists). Por outro lado, como refere (Capelo, 2003), os próprios métodos estatísticos utilizados nas ciências da vegetação têm pressupostos epistemológicos antagónicos, discutidos anteriormente. Do ponto de vista epistemológico, o uso de métodos de classificação implicam o reconhecimento tácito de descontinuidades composicionais na vegetação, i.e. a negação do modelo do continuum. Muitos autores, refere (Capelo, 2003), assumiram simplisticamente que, admitindo a hipótese do continuum, a classificação de comunidades era uma operação arbitrária, apenas com um sentido pragmático de constituir tipos mas obviamente artificial (e.g. cartografia de vegetação). Assim a representação realista da vegetação obter-se-ia apenas por métodos de ordenação, já que a classificação implica a tomada de posição a favor do modelo descontínuo de comunidade. Porém tais pressupostos extremados não fazem sentido pois o uso complementar de classificações e ordenações (e outras técnicas estatísticas) sobre o mesmo conjunto de dados, é um dos procedimentos utilizados atualmente nas ciências da vegetação. Segundo refere (Capelo, 2003), no âmbito da Fitossociologia, tal procedimento complementar pode permitir incorporar informação sobre a natureza mais ou menos transicional da fronteira (conceptual) entre sintáxones, sem comprometer a validade do modelo da comunidade, como entidade elementar do coberto vegetal.

Neste sentido, uma das conclusões a retirar é que há uma maior aproximação conceptual entre as ciências geobotânicas e as ciências geográficas do que entre as duas ciências da vegetação. Geografia e Geobotânica, com a sua origem descritiva, desenvolveram um corpo de conceitos para classificar a Paisagem (no seu sentido mais amplo), enquanto a Ecologia, uma ciência mais recente e cuja origem se baseia no estudo das interações entre organismos e o seu ambiente37, desenvolveu conceitos sobretudo para ordenar os processos na Paisagem s.l.. No entanto, tal como vimos ao nível dos métodos estatísticos, estas duas realidades conceptuais não são antagónicas mas complementares. O que será necessário é uma aproximação entre as diferentes perspetivas da Ciência da Vegetação para que os limites de cada conceito possam ser conjuntamente discutidos e delimitados.

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Em vez de organísmica ou organicista por ventura a melhor maneira de caracterizar a Fitossociologia é o seu cariz organizacional e hirarquizado da sua estrutura conceptual e teórica.

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Segundo (Peroni & Hernández, 2011) ecologia é uma palavra que foi usada pela primeira vez em 1869, por Ernest Haeckel, definindo desta forma esta nova ciência.

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O modelo da paisagem do sistema fluvial apresentado por (Brierley & Fryirs, 2005) [Fig. 3], parece-nos crucial para compreender a complementaridade entre as perspetivas contínua e descontínua de ver o hidroecossistema. Estes autores baseiam-se não só em modelos geomorfológicos clássicos da Geomorfologia Fluvial (e.g. Schumm, 1977; Frissell et al., 1986), mas também discutem vários conceitos-chave relacionados com a perspetiva da gestão dos cursos de água através de abordagens ecossistémicas, enquadradas numa organização espacial das paisagens e nas ligações associadas aos processos biofísicos. Destacam cinco conceitos: 1. River Continuum Concept (Vannote et al., 1980), 2. Serial Discontinuity Concept (Ward & Stanford, 1983), 3. Nutrient Spirally Model (Newbold, 1992), 4. Flood Pulse Concept (Junk et al., 1989) e 5. Hyporheic Corridor Concept (Stanford & Ward, 1993).38 Estes conceitos, em grande medida originários da perspetiva da Ecologia Animal (e.g. peixes) do que da Ecologia Vegetal, veem a conetividade ecológica e a resposta biótica como uma função da estrutura física do curso de água a diferentes escalas espaciais e temporais (Brierley & Fryirs, 2005). Com este enquadramento conceptual as ligações são várias e apreciadas a diferentes dimensões: longitudinal (montante-jusante, rede hidrográfica), lateral

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(Aguiar, 2004) que também a aborda estes e outros conceitos semelhantes fez as seguintes traduções: 1. Contínuo Lótico, 2. Descontinuidade Serial, 4. Pulso de Cheia e 5. Corredor Hiporreico.

Fig. 3. Modelo das Dimensões Espaciais da Conetividade da Paisagem Extraído de (Brierley & Fryirs, 2005). Spatial Dimensions Model of Landscape Connectivity by Brierley & Fryirs

Nota: em português os três setores teóricos de uma bacia hidrográfica designam-se, entre outros de: Montante (Alto, Cabeceiras), Médio e Jusante (Baixo) ligado ao modelo clássico de Erosão > Transporte > Acumulação dos sedimentos numa bacia hidrográfica de (Schumm, 1977), que se baseia nas categorias de maturidade um rio de (Davis, 1899).

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(talude-canal, canal-planície aluvial), vertical (superficial, subsuperficial e níveis [leitos] de inundação) e dimensões temporais. Os conceitos 1. e 2. ligam a estrutura duma comunidade como função da conectividade longitudinal à escala da bacia e do segmento fluvial. A diferença entre ambos é que enquanto para o 1. a metaestrutura do segmento fluvial forma um contínuo, o 2. foca-se nas transições abruptas entre segmentos adjacentes. Os conceitos 4. e 5. ligam a função do ecossistema lótico a escalas mais finas (do segmento ao habitat) e focam-se na conectividade lateral e vertical como motores da estrutura e dinâmicas duma comunidade. (Brierley & Fryirs, 2005) acrescentam que ao nível da gestão fluvial tais ligações são sobretudo importantes de analisar e integrar ao nível da bacia – nesta escala os segmentos estão ecologicamente conectados na dimensão longitudinal. No entanto o seu arranjo dentro de cada bacia é único e dinâmico, pelo que padrões e/ou fases de descontinuidade podem ser evidentes ao longo do tempo. Do mesmo modo que a configuração espacial de uma bacia reflete o caráter e a distribuição das unidades de paisagem, enquadrada no contexto mais amplo da sua definição ao nível tectónico, climático e ecoregional (Brierley & Fryirs, 2005). Ou seja, as interações num sistema lótico têm uma natureza hierárquica, pelo que, concluem os autores, reconhecendo que a efetividade das ligações biofísicas podem variar significativamente tanto no tempo como no espaço, uma perspetiva emergente na Ecologia e Geomorfologia está a focar a sua análise nos controlos da desconectividade e descontinuidade em vários processos. Os autores dão exemplos geomorfológicos de compartimentos da paisagem – tampões, barreiras e mantos que podem perturbar processos de transferência de sedimentos e do funcionamento de fluxos biofísicos associados. Neste sentido parece-nos que a Fitossociologia Integrada, associada à tradição botânica e fitossociológica, com um desenvolvimento conceptual paralelo à Ecologia da Paisagem (Capelo, 2003), é uma mais-valia na interpretação ecossistémica da paisagem fluvial. O seu desenvolvimento, fortemente associado aos métodos de estudo da vegetação, não tem qualquer carácter conflituante em termos de princípios e conceitos com a Ecologia da Paisagem (Capelo, 2003). Com conhecimentos mais detalhados da vegetação e dotada de um maior alcance metodológico que conduz a modelos mais consistentes das paisagens, esta ciência fitossociológica e paisagística mais recente soube aproveitar conceitos das duas perspetivas da Ciência da Vegetação.

Domínios Científicos Hidrogeomorfologia Fitossociologia Integrada Sintaxonomia (Fitossociologia s.str.) Biogeografia Ecologia Dulçaquícola Níveis ou Escalas de Análise e Conceitos Ecológicos Ecoregião Geosséries Principais

Tipos de Vegetação Região/Província

Contínuo Lótico; Corredor Fluvial, Corredor Ripícola, Bandas Ripícolas, Galeria Ripícola, Lótico, Lêntico, Reófilo ... Bacia Hidrográfica Subtipo de Vegetação, Classe Ordem, Aliança Província/Setor

Sub-bacia Hidrográfica Setor/Distrito

Setor Hidrográfico Distrito/ Comarca

Segmento Fluvial Geossérie Principal Elemento da Paisagem

Troço Fluvial (Série) Geossérie Ripícola Aliança Pluritessela Habitat Comunidade (Série) Associação (Subassociação, Variante, Fácies) Tessela

Micro-Habitat Sinúsia Sinúsia -

Quadro 4. Possíveis Relações entre os Níveis de Análise de Diferentes Domínios Científicos na Dimensão Longitudinal (e Transversal) dos Cursos de Água. Possible Relations between Different Levels of Analysis in Scientific Domains in the

Longitudinal (and Lateral) Dimension of Watercourses39

Assim, para o estudo dos bosques e galerias ripícolas, quer numa perspetiva puramente ecológica, quer numa perspetiva geográfica, consideramos que é essencial compreender a

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Hidrogeomorfologia: adaptado sobretudo de (Frissell et al., 1986; Brierley & Fryirs, 2005); Fitossociologia s.l. e Biogeografia adaptado de (Rivas-Martínez & coautores, 2007).

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hierarquização dos conceitos utilizados na nossa investigação. Na Fig. 4 apresenta-se os níveis de análise das ciências ecológicas adotados em cada um dos capítulos da tese. Como vimos o estudo dos ecossistemas ripícolas a natureza hierárquica mais ou menos contínua dos conceitos é feita tanto à escala espacial e temporal. Dado que a nossa análise foi sobretudo à escala espacial, ainda que com uma inerente componente temporal assumida, destacam-se os conceitos sobretudo nas dimensões longitudinal e lateral (ou transversal) dos cursos de água.

Na dimensão longitudinal (sobretudo, mas também transversal) o Quadro 4 pretende demonstrar as possíveis relações nos níveis de análise (conceitos) de diferentes domínios científicos que intervêm no estudo dos ecossistemas ripícolas, alguns deles já referidos na análise do modelo de (Brierley & Fryirs, 2005). Assim, no Quadro 4, destacam-se os conceitos da Ecologia que transmitem uma continuidade, um processo, e a possibilidade de correspondência entre diferentes conceitos de diferentes abordagens científicas interligadas. Os conceitos da Fitossociologia Integrada discutem-se posteriormente.

Tendo em conta que o nosso objeto de estudo são bosques e galerias ripícolas desde logo se destacam, tanto no Quadro 4, como sobretudo na Fig. 2, um conjunto de conceitos relacionados com o termo ripícola. Como refere (Aguiar, 2004), que discute uma boa parte dos conceitos assinalados na Fig. 2, sobretudo os relacionados com a Ecologia, sinónimos de ripícola são ripário e também ribeirinho, e todos eles são utilizados para adjetivar flora, espécies (táxones), populações, comunidades, vegetação, ecossistemas, etc. que marginam os cursos de água superficiais. Como a nível internacional é muitas vezes usado o termo 'riparian' há quem utilize mais ripário – curiosamente parece surgir mais vezes ligado a estudos de Ecologia Dulçaquícola (do latim riparius, que habita nas margens dos rios), enquanto ripícola (ou ribeirinho) [que deriva de ripa = margem (de um rio em geral, mas também costa ou litoral) + colere (que tem significados variados entre cultivar e habitar (Gomes Ferreira, 1995)] é mais usado na bibliografia fitossociológica portuguesa. Para

Cap. 8. Ordenamento

e Gestão dos Ecossistemas

Ripícolas

Fig. 4. Níveis de Análise da Ecologia Adotados na nossa Investigação [Adapt. de (Peroni & Hernández, 2011)]. Ecology Levels Adopted in our Research [Adapted from...]

Cap. 6. Caracterização

Ambiental e Tipologia da VRP

Cap. 5. Classificação

da Vegetação (VRP)

Cap. 4. Flora Nativa e

Exótica

Cap. 3. Taxonomia do

Género Salix

Cap. 7. Tipologia das

Geosséries Ripícolas e Estado Ecológico

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designar as comunidades dominadas por táxones arbóreos ou arbustivos, refere (Aguiar, 2004), a expressão galeria ripícola/ribeirinha ('riparian gallery') é a mais adequada para designar as formações vegetais arbóreas e arbustivas altas que habitam as margens de cursos de água de cariz mediterrânico, dada a sua disposição preferencialmente longitudinal e paralela ao longo do fundo do vale. Ainda que as galerias possam ser um bosque, o termo bosque ripícola ('riparian wood') deverá assim ser utilizado preferencialmente para classificar formações com uma disposição mais alargada na paisagem do fundo de vale (Aguiar, 2004), e.g. comunidades arbóreas em grandes planícies aluviais. No caso das comunidades dominadas por elementos arbustivos arborescentes utilizámos as expressões galeria arborescente ou matagal arborescente, e.g. um tamargal, para as distinguir das galerias arbóreas, e.g. um amial ripícola s.str.. Por sua vez um amial palustre, como se espraia na planície aluvial40 (associado a baixas de inundação ou pauis) já não faz sentido utilizar o termo galeria.

Deste modo não parece existir um termo em português que diferencie claramente as formações lenhosas que habitam as zonas mais próximas do canal fluvial (o leito menor) daquelas que habitam a planície aluvial (leito maior) [vide Fig. 5]. No inglês os termos 'streamside' ou 'riverine woods' para as primeiras, não se confundem facilmente com 'wetland/floodplain woods' (bosques de vega em castelhano) nas segundas. Já o termo 'riparian' é, como em português, um termo mais abrangente pelo que internacionalmente surge frequentemente não só para designar vegetação que habita as margens s.l. de um curso de água, mas também de lagos ou outros ecossistemas lênticos (Aguiar, 2004). No entanto, como discute (Rodríguez-González, 2008) nos ecossistemas húmidos41 não lóticos há vários termos que podem ser utilizados que são mais específicos que ripícola – e.g. palustre/paludoso, pantanoso, mas também lacustre no caso de lagos. Por exemplo (Malanson, 1993) define ripícola ('riparian') no sentido ecológico lato da palavra e não no sentido mais restrito dentro dos taludes ('banks') atuais do curso de água. No sentido lato ripícola inclui o ecossistema adjacente ao curso de água. A tentativa de utilizar como sinónimo a expressão de planície aluvial ('Floodplain'), refere o autor, será enganador pois a zona ripícola ('riparian zone') inclui estreitas faixas ('strips') ao longo de cursos de água em erosão (downcutting rivers – processo de entalhamento dos rios), ilhas, e geoformas do canal ('landforms of the channel') assim como extensas planícies aluviais (Malanson, 1993). No nosso trabalho acabámos assim por distinguir também estes dois sentidos de ripícola: ripícola s.str. restrito às comunidades do leito menor e ripícola s.l. que inclui toda a vegetação influenciada mais ou menos constantemente pela dinâmica fluvial.

Nesta discussão do termo ripícola acabámos assim por incluir conceitos que já se enquadram mais na dimensão transversal de um curso de água. Nesta dimensão consideramos que a confusão conceptual entre os diferentes domínios científicos é maior devido às diferentes perspetivas de estudar o ecossistema. Deste modo, o modelo teórico do fundo de vale apresentado na Fig. 5 pretende evidenciar diferentes perspetivas de o analisar, tendo por base as formas de relevo (perspetiva geomorfológica) e os diferentes tipos de leitos fluviais (perspetiva hidrogeomorfo- lógica)42. Neste particular consideramos que os conceitos de génese ecológica e fitossociológica que diferenciam as dimensões laterais do fundo de vale não têm muitas vezes em conta tais perspetivas de base abiótica, pelo que os seus limites são algo difíceis de discernir [Quadro 5].

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Para simplificar, recorremos por vezes ao termo várzea utilizando-o como sinónimo de planície aluvial. 41

Num único termo, como 'wetlands' ou 'humedal', poder-se-ia utilizar higroecossistema ou higrossistema. 42

Utilizámos nestas perspetivas o trabalho de síntese de (Ramos, 2009) que considera a perspetiva hidrogeomorfológica de analisar o fundo de vale como resultado da correspondência entre a perspetiva geomorfológica + a perspetiva hidrológica (i.e. de acordo com os limites dos caudais [Vide Anexo 1]). As mesoformas do fundo do vale baseiam-se sobretudo em (RHS Team, 2003; Brierley & Fryirs, 2005).

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Fig. 5. Fundo de Vale Teórico – Geoformas e Tipos de Leitos Fluviais. Theoretical Valley Bottom – Geoforms and Fluvial Types Zones

|< ... Geossérie Ripícola ... >| |< ... Corredor/Zona Ripícola ...>|

|< ... Corredor Fluvial ... >|

Leito Maior, de Cheia ou de Inundação (em planície)

Leito Menor, Aparente, Ordinário (Normal)

Leito de Estiagem

Talvegue, e.g. um fundão

(que se pode transformar num pego no caso de um curso de água sazonal)

Barra

(neste caso erodida por 1 braço de atalho)

Berma

Talude Fluvial

com Dique Natural

('Levee')

Planície aluvial (com A. corredor de cheia, B. alverca e C. baixa de

inundação) A. B. C.

Terraço Fluvial

Topo (Banktop)

Pormenor de Talude Fluvial com Topo Evidente

Limite superior do Leito Menor no sopé da vertente (linha de lavagem) – limite do caudal de plena margem ('Bankfull Discharge') 1E. Leito Maior no sopé da vertente do vale

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logia

Hidrogeo-

morfologia Fitossociologia Dinâmico-Catenal

Ecologia Dulçaquícola e/ou da Paisagem

Canal Fluvial

Leito Menor

Séries Fluvio-alveares Interna e Externa + Higrogeopermasséries (= Higrofractogeossérie)

Galerias Ripícolas (inclui grande parte do Corredor

Ripícola) Planície Aluvial Leito Maior Geossérie Ripícola

[Com base hidrogeomorfológica – Higrogeopermasséries > Séries: Fluvio-alveares e Fluvio-aluviais]

[Com base higrofílica – Séries s.l.: Aquáticas > Higrófilas > Sub-Higrófilas > Tempori-higrófilas]

Inclui a totalidade do Corredor, Zona e Banda

Ripícola e do Ecótono Fluvial. O Corredor Fluvial

extravasa a planície aluvial

Quadro 5. Relações entre Conceitos Aplicados à Dimensão Transversal dos Cursos de Água. Relations between Concepts Applied to Watercourses Lateral Dimension

Ao nível da diferenciação entre os leitos menor e maior encontrámos diferentes definições nos autores consultados (sobretudo bibliografia nacional e ibérica). Segundo (Ramos, 2009), que se baseia na tipologia clássica de Tricart, o leito menor corresponde ao canal fluvial cujo topo é definido pelo caudal de plena margem, a partir do qual se considera que um curso de água entra em situação de cheia43. Simplificando o leito de cheia (ou maior) corresponde à planície aluvial (quando esta existe) [Fig. 5]. Encontrámos semelhante definição em (Durlo & Sutili, 2005; Rivas-Martínez & coautores, 2007)44 e definições relativamente semelhantes, ainda que levantem algumas dúvidas, no leito menor, em (Ferreira, 1992; Aguiar, 2004), no entanto nestas últimas é menosprezada a dimensão do leito maior. Por outro lado, encontrámos diferentes interpretações em (Moreira et al., 1999b), onde se confunde leito de cheia (ou maior) com leito menor, e em (Loidi et al., 2009) que apresenta um conceito alargado de leito maior. Para estes autores o leito maior inclui uma parte do leito menor, na acessão de (Ramos, 2009), que provavelmente corresponderá a bermas estabilizadas, já que são assinalados como comuns nesse leito maior (que não inclui a planície aluvial) amiais, salgueirais e choupais. Mais elevado que esse leito maior está a planície de inundação (e parte alta do leito maior).

Do ponto de vista da Ecologia Dulçaquícola é mais difícil definir o limite dos conceitos dadas as diferentes definições assumidas pelos ecólogos na bibliografia e sua natureza essencialmente mais ordenadora do que classificativa. No entanto, no que respeita às inter-relações entre os leitos menor e maior destaca-se a conceito Pulso de Cheia antes referido. Por sua vez, do ponto de vista da Fitossociologia Dinâmico-Catenal, há um conjunto de conceitos recentemente (re)definidos que importa discutir. Não só devido à sua importância na nossa investigação, como também para evidenciar a sua útil aplicação a ecossistemas que em Portugal têm sido mais estudados por ecólogos dulçaquícolas.

Vegetação Ripícola Potencial (VRP) corresponde à etapa clímax de uma série (s.l.) de vegetação edafo-higrófila ripícola. É assim um tipo particular (edafo-higrófilo) de Vegetação Natural Potencial (VNP), um conceito com grande utilidade para o planeamento e ordenamento do território, pois indica aos gestores do território a evolução máxima teórica da vegetação de um dado local e por um dado período de tempo, se nela não houvesse qualquer influência humana [vide discussão em (Capelo, 2003; Neto et al., 2008)]. Em concreto a VRP de um dado trecho de um curso de água, apesar de seguir os mesmos princípios do conceito de VNP, acaba por ter de ser encarada de modo

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Há vários critérios para a definição deste importante caudal de plena margem (ou margens plenas), nomeadamente quando não existem dados hidrométricos. [Vide (Ramos, 2009)].

44

No entanto em (Rivas-Martínez & coautores, 2007) é utilizado o termo "terrazas fluviales" mas aparentemente com sentido de planície aluvial e não de terraço fluvial como definido em (Brierley & Fryirs, 2005; Ramos, 2009) – antigas