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Enquadramento Teórico-Epistemológico das Ciências da Vegetação e Sua Relação com a Geografia.

PARTE I. INTRODUÇÃO E ENQUADRAMENTO INTRODUCTION AND RESEARCH CONTEXT

Capítulo 1. Ecossistemas Ripícolas e Bacia Hidrográfica do Tejo em Portugal – Síntese e Contextualização.

1.2. Ecossistemas Ripícolas Estado da Arte em Portugal.

1.2.1. Enquadramento Teórico-Epistemológico das Ciências da Vegetação e Sua Relação com a Geografia.

and its Relation with Geography

A Geobotânica, segundo (Rivas-Martínez & coautores, 2007) «é uma ciência ecológica que se dedica ao estudo da relação da vida vegetal e o meio terrestre, tanto na geobiosfera como na hidrobiosfera. Com um significado semelhante têm sido utilizados os termos de Fitogeografia e Ecologia Vegetal». A sua relação com a Geografia é evidente não só no seu nome8 mas sobretudo pela sua obra fundadora, no início do século XIX, ter sido preconizada por um dos nomes incontornáveis da história da Geografia moderna – Alexander von Humboldt (1769-1859) – através do Ensaio sobre a Geografia das Plantas (Humboldt & Bonpland, 1805).

Deste modo, herdeira da Geografia, a Geobotânica é também uma ciência de charneira, entre o pragmatismo científico hipotético-dedutivo das Ciências Naturais e Exatas e indutivismo científico das Ciências Sociais e Humanas. São, por isso, ciências que procuram constante indagação teórica e conceptual de forma a se poderem afirmar no mundo científico. Ambas, Geografia e Geobotânica, procuram especializar-se com base em conceitos, teorias e métodos de outros ramos científicos para fundamentar os seus próprios – a finalidade é a compreensão holística dos fenómenos. Ambas têm por base diferentes disciplinas científicas que acabam por se interligar. Na Fig. 1 9 intentamos demonstrar as ligações entre a Geografia e as Ciências da Vegetação10. Na atualidade essa ligação é sobretudo visível na Biogeografia11, na (Bio)Climatologia, Geomorfologia e Pedologia. Por outro lado a Edafologia (plantas x solo) e Litologia são outras disciplinas onde esse contato é evidente. Geografia e Geobotânica partilharam também, ao longo do século XX, uma crítica em comum – o seu empirismo indutivo-dedutivo – fruto do seu objetivo primordial: a descrição dos padrões da paisagem. É a aqui que inevitavelmente estas duas ciências se divorciam, ainda que partilhem outro princípio fundador – a Geobotânica está para as plantas como a Geografia está para as pessoas, ambas procuram compreender a interação entre o ser vivo e o Meio que os rodeia.

Com base na Fig. 1 considera-se que a Geografia estuda a dimensão social da Humanidade, as relações sociais das diferentes comunidades humanas e o seu habitat cada vez mais urbano, procura também evidenciar como essas relações depauperam os recursos naturais atualmente cada vez mais escassos perante o aumento da população mundial. Deste modo, procura não só a sustentabilidade das comunidades humanas face ao Mundo Natural, mas também estudar a Natureza nos seus vários domínios de forma a permitir um planeamento, ordenamento e gestão do território também eles sustentáveis – a sua ferramenta-síntese é o mapa. Consideramos assim que o objetivo atual da Geografia é compreender as relações humanas e o seu “habitat natural” – o território urbano, nas suas diferentes escalas de urbanidade [Geografia Humana] –, mas também estudar o território natural, nas seus inúmeros domínios, tantos quantos os necessários ao estudo

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Segundo (Capelo, 2003) este termo foi cunhado por Huget del Villar em 1925. 9

A parte do esquema relacionado com a Geografia é uma adaptação da figura retirada de http://geossistema.blogspot.pt/2009_11_01_archive.html

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Obviamente que muitas outras disciplinas científicas se poderiam adicionar, a especialização atual das ciências acaba por não se coadunar com esquemas de hierarquia simples, vertical, dada a transdisciplinaridade do conhecimento científico. No domínio da Ecologia apenas assinalámos aquelas áreas que ao longo da tese serão abordadas. É evidente a falta da outra parte da Ecologia relacionada com a fauna (seta para a direita).

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Segundo (Monteiro-Henriques, 2010) na prática a Biogeografia corresponde a um nível superior a qualquer dos níveis de estudo da Geobotânica e, portanto, a Geobotânica é subsidiária da Biogeografia e não o contrário.

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dos diferentes recursos e riscos naturais [Geografia Física]. Neste sentido a Geobotânica, que estuda os recursos florísticos, é uma das ferramentas científicas de que a Geografia se pode servir para ordenar o Território.

A Geobotânica estuda também uma dimensão social, a das plantas, através da Fitossociologia – comparativamente poder-se-ia dizer que a Fitossociologia é a "geografia humana das plantas". A Fitossociologia12 é a parte de Geobotânica que estuda as comunidades vegetais e suas relações com o meio (Rivas-Martínez & coautores, 2007). É a ciência dos sintáxones, sendo a associação a sua unidade fundamental e estuda as biocenoses a partir de uma perspetiva botânica, i.e. ocupa-se das comunidades vegetais, das suas relações com o meio, dos processos temporais que as modificam e da sua função. Com toda esta informação, através de um método indutivo e estatístico baseado no inventário de vegetação (também designado florístico ou fitossociológico – relevé) procura criar uma tipologia hierárquica universal em que a associação é a unidade básica do sistema – o sistema sintaxonómico. É assim que (Rivas-Martínez & coautores, 2007) definem a Fitossociologia, acrescentando que atualmente se distingue para além da Fitossociologia clássica a Fitossociologia dinâmico-catenal, integrada ou paisagística cujas unidades fundamentais são, na parte dinâmica ou sucessional, a série de vegetação e permassérie, na catenal a geossérie e a geopermassérie.

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Denominada também de Sociologia Vegetal, Fitocenologia e Sinecologia Vegetal (Rivas-Martínez & coautores, 2007).

G eo te cn o lo gi as GEOGRAFIA CARTOGRAFIA Geografia Regional Geografia Urbana Geografia Económica Geografia Sociocultural Geografia Política GEOGRAFIA HUMANA Geomorfologia Hidrologia Climatologia Biogeografia Pedologia GEOGRAFIA FÍSICA Cartografia Digital Geoprocessamento SIG DR GPS Fitossociologia s.str. Sinfitossociologia Geoinfitossociologia ECOLOGIA BIOLOGIA

Ecologia das Invasões Ecologia Dulçaquícola Ecologia do Restauro Ecologia Funcional GEOBOTÂNICA (Ecologia Vegetal) Taxonomia Vegetal Autoecologia Fitossociologia Integrada Disciplinas de Geografia Física Ecológica

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Concluindo que «conceptualmente a Fitossociologia não é outra coisa senão uma disciplina holística da Ecologia» (Rivas-Martínez & coautores, 2007).

No entanto (Capelo, 2003) defende, com base (Aguiar, 2000), que não se deve confundir Fitossociologia Integrada (FI) com a Fitossociologia Paisagística. Assim no objeto da FI (ou Fitossociologia s.l.) distinguem-se 3 níveis de complexidade crescente de organização espacial – correspondem a 3 sistemas conceptuais e metodológicos distintos, mas análogos e complementares (Capelo, 2003). (Monteiro-Henriques, 2010) seguindo genericamente esta interpretação faz uma síntese destes níveis salientando que a hierarquia organizacional atual da FI assenta na relação de escala entre plantas, comunidades, séries e geosséries de vegetação [Quadro 1]13. Os níveis de análise da FI surgem da necessidade de: 1.º conhecer a vegetação de forma a se descrever a ordenação temporal (sucessão) das comunidades vegetais; 2.º conhecer as séries de vegetação para se descrever a disposição topográfica nos gradientes ambientais (zonação), em geosséries de vegetação (Monteiro-Henriques, 2010).

Fitossociologia Integrada

(Fitossociologia s.l., F. Dinâmico-Catenal, ou Fitotopografia, etc.)

Uma componente das ciências geobotânicas que se dedica ao estudo das comunidades vegetais e suas relações com o meio, incluindo as dinâmicas temporais e os aspetos espaciais, com vista a uma compreensão alargada e uma sistematização útil da paisagem vegetal. Níveis de Complexidade Fitossociológica Objeto (realidade concreta) Unidade fundamental ou abstrata (modelo conceptual) Modelo ecológico-taxonómico

(tipo de informação) Objetivo

Fitossociologia s.str. (Fitossociologia clássica, sigmatista,

ou braunblanquetiana)

Fitocenose Associação (associatio)

- Comunidade vegetal (biológica: florística, fisionómica,...) - Cenótopo (corológica) - Sin-habitat (ecológica) Estudo da vegetação em geral, particularmente das fitocenoses Fi to ss o ci o lo gi a Di n âmi co -Ca te n al Sinfitossociologia (Sinfitossociologia s.str., Fitossociologia dinâmica ou sucessional) Série de vegetação Sigmassociação (sigmetum)

- Complexo de vegetação (biológica:

florística, fitossociológica, ...) - Tessela (corológica) - Sigma-habitat (ecológica) Estudo a sucessão (temporal) das fitocenoses (séries de vegetação) Geosinfitossociologia (Fitossociologia catenal ou da paisagem, ou paisagista s.str.) Geossérie de vegetação Geosigmassociação (geosigmetum) - Geocomplexo de vegetação (biológica: florística, fitossociológica, sinfitossociológica, ...)

- Pluritessela (corológica) - Geo-habitat (ecológica)

Estudo a zonação das séries de vegetação ao longo de gradientes ecológicos (geosséries de vegetação)

Quadro 1. Níveis de Complexidade da Fitossociologia Integrada [Adaptado de (Aguiar, 2000; Monteiro-Henriques, 2010). Levels of Complexity Integrated Phytosociology [Adapted from...]

Como refere (Capelo, 2003) a formulação de hipóteses acerca da Natureza é sobretudo um processo decorrente da imaginação científica e sobretudo da observação indutiva dos fenómenos. É, acrescenta o autor, através da observação repetida que se estabelecem factos e leis por abstração das qualidades gerais dos fenómenos. Ainda que do ponto de vista epistemológico este processo não conduza ao estabelecimento de bases para a verificação e eventual falsificação de uma regra geral ou de uma hipótese, só alcançável pelo raciocínio dedutivo (Monteiro-Henriques, 2010), as dificuldades de manipulação experimental controlada de objetos naturais como os ecossistemas têm conduzido a programas de investigação indutivo-dedutivos, assim como à utilização de hipóteses múltiplas de trabalho (Capelo, 2003). Deste modo é prática corrente das ciências da vegetação a associação de processos empíricos indutivos a hipóteses parcimoniosas conducentes a explicações prováveis [princípio de Occam]. Assim, genericamente, as observações nos padrões recorrentes de composição

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Os 2 últimos conceitos são interpretados pelo autor de forma mais lata que em (Rivas-Martínez & coautores, 2007) [vide dicussão no subcap. 1.3]

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florística e fatores ambientais, e a sua correlação, conduzem a modelos da vegetação eminentemente empíricos, que posteriormente podem servir de base a verificações experimentais, no âmbito da Ecologia experimental (Capelo, 2003). O autor destaca ainda que como numa grande parte dos ecossistemas não é possível discernir hipóteses explicativas imediatamente, devido à ausência de descrições suficientes dos mesmos, programas de tipo hipotético-dedutivo mostram-se inadequados, em favor de modelos descritivos empíricos. Como resultado, a maior parte da investigação nas ciências da vegetação decorre, de facto, de uma aproximação indutiva. No entanto, refere também (Capelo, 2003), as proposições geradas a partir da indução constituem sempre hipóteses falsificáveis e suscetíveis de verificação.

Dado que a abordagem dedutiva (ou falsificacionista) nas ciências da vegetação, como noutras, apresenta inúmeras limitações devido à sua inflexibilidade (devido ao seu enquadramento filosófico geral no positivismo lógico) os programas estritamente falsificacionistas têm sido modernamente abandonados como forma exclusiva de gerar conhecimento científico (Capelo, 2003). A estes sucederam-lhe as atitudes científicas ditas relativistas que abriram as portas a programas de investigação indutivo-dedutivos. Como refere (Monteiro-Henriques, 2010) apesar das críticas possíveis aos diferentes tipos de raciocínio parece inevitável e desejável que todos eles sejam usados nos complexos raciocínios humanos.

Na Ciência em geral, e na Biologia em particular, ao longo do século XIX e boa parte do XX imperou uma filosofia reducionista – é possível reduzir a vida e a ação orgânica a unidades e processos elementares, i.e. pode-se explicar fenómenos complexos com o somatório dessas unidades e processos elementares (Loidi, 2002). No entanto mais recentemente surgiu uma nova conceção particularmente na Biologia – organísmica14 – o comportamento do sistema não pode ser descrito mediante uma simples soma das condutas das suas partes investigadas separadamente, i.e. um sistema biológico é uma totalidade, onde as partes e processos individuais dependem de todas as outras partes e processos (Loidi, 2002). Esta nova esfera científica é denominada Teoria Geral dos Sistemas, que constitui um novo paradigma, em oposição a conceções individualistas do passado, que se harmoniza com o holismo filosófico e que, relacionada com o pensamento aristotélico de que «o todo é mais que a soma das partes», e que se está a impor em numerosas áreas do conhecimento humano, incluindo ciências sociais (Loidi, 2002).

Deste modo, na história das ciências da vegetação há essencialmente duas correntes teóricas que têm regido as perspetivas de investigação. Segundo (Capelo, 2003) no primeiro quartel do século XX assiste-se à formulação de diversas teorias gerais da vegetação e ao desenvolvimento de métodos sistemáticos de recolha e análise de dados fitossociológicos. Nesta fase, dois botânicos americanos, F. E. Clements e H. A. Gleason, e dois europeus, J. Braun-Blanquet e E. Du Rietz destacaram-se como os fundadores das teorias gerais da vegetação. (Capelo, 2003) considera que todos estes botânicos apontavam as respostas das espécies ao habitat como a influência dominante na estruturação da vegetação. Contudo, esta sintonia rapidamente se alterava relativamente aos fatores que, em segunda ordem, influenciam a estrutura da vegetação, pelo que cedo se definiram diferentes perspetivas teóricas.

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Tradução direta do castelhano. Como referem (Capelo, 2003; Monteiro-Henriques, 2010) foi a metáfora quasi- organísmica (ou organicista) do conceito de 'comunidade vegetal' de Clements (que discutimos posteriormente) uma das principais causas que levaram a que alguns dos seus opositores formulassem objeções baseadas numa imagem de superestrutura demasiado literal.

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Por um lado (Clements, 1904, 1905, 1916; cit. in Capelo, 2003), considerava o conceito de ‘comunidade vegetal’15 como uma entidade autónoma, com características estruturais e funcionais próprias. A coocorrência de espécies num dado habitat daria origem à emergência de propriedades coletivas percetíveis ao nível da comunidade, que não resultam apenas dos comportamentos autoecológicos das espécies, mas sobretudo da interação entre as mesmas. Assim, para Clements, a segunda ordem de fatores mais importantes na estruturação da comunidade, e nos processos de sucessão ecológica, são as interações positivas entre as espécies dessa comunidade. O modelo de comunidade vegetal, sucessão e clímax que se desenvolve posteriormente (e que é também a base da nossa investigação), baseia-se precisamente neste pressuposto.

Por sua vez, (Gleason, 1917, 1926; cit. in Capelo, 2003) formula um conceito individualista da vegetação, já que nega a importância das interações positivas entre as espécies. Considera antes um conceito de ‘continuum vegetal’, em que as combinações de espécies são resultado da resposta individual das mesmas aos fatores ambientais.

Esta divergência teórica na América do Norte deu origem a duas correntes de estudo da vegetação que, segundo vários autores (Curtis & McIntosh, 1951; Whittaker, 1962; Austin & Smith, 1989; cit. in Capelo, 2003), se mantêm opostas até à atualidade: hipótese do continuum vs. hipótese da comunidade. Contudo, na Europa esta divergência não se fez sentir, pois quer Braun-Blanquet, quer Du Rietz reconheceram o modelo de Clements (Capelo, 2003). Mais recentemente surgiram novos modelos teóricos da natureza da vegetação que se inserem entre as duas perspetivas clássicas apresentadas. O modelo do continuum da escola gleasoniana é criticado sobretudo pelo facto de ser evidente a importância da competição e facilitação dentro da comunidade, negada por esta corrente em favor da resposta individual das espécies ao habitat. (Capelo, 2003), como exemplo, salienta a visão moderna da hipótese do continuum vegetal de (Austin & Smith, 1989), que resolve a sua incompatibilidade com o modelo de comunidade de Clements. Ou seja, pode-se descrever a vegetação de forma contínua ou descontínua consoante o sistema de referência usado: continuum vs. comunidade.

Em suma, e mais uma vez pegando nas palavras de (Capelo, 2003), a oposição atual entre a chamada escola ‘individualista gleasoniana’ (continuum) e a escola ‘organísmica clementsiana’ (comunidade vegetal) têm por base os postulados de dois ecologistas norte-americanos do início do século passado: Clements e Gleason. O primeiro acabou por dar origem ao pensamento ecológico afeto as escolas europeias continentais (a Fitossociologia), por oposição ao paradigma anglo- saxónico que se revê no segundo (a Ecologia Vegetal). Contudo, atualmente muita da incompreensão mútua tem sido ultrapassada (Loidi, 2002) (ainda que exista alguma discussão (Rivas-Martínez & coautores, 2007; Monteiro-Henriques, 2010) e as práticas metodológicas já têm um certo grau de compatibilidade. Nomeadamente no uso, já generalizado, dos métodos quantitativos. As técnicas estatísticas utilizadas são as mesmas, embora, e esta é uma consideração nossa, não com a mesma finalidade por ambas as perspetivas da Ciência da Vegetação. Apesar de críticos, acrescenta (Rivas- Martínez, 1996a), é prática dos ecólogos botânicos terrestres sistematizar as biogeocenoses com base nas comunidades vegetais, como nos seus fatores mesológicos e distribuição geográfica, ou seja, reconhecem a forma de trabalhar dos fitossociólogos.

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(Rivas-Martínez & coautores, 2007) define atualmente comunidade vegetal como o «conjunto de plantas pertencentes a distintos táxones, que ocupam determinados cenótopos ou habitats homogéneos. (...) Não se trata apenas de uma justaposição de populações de plantas mas uma nova realidade que se individualiza, já que as espécies que a constituem para além de terem de se acoplar e competir entre si têm que se harmonizar com os fatores ambientais; deste modo, dada a limitação de recursos tróficos e espaciais as plantas que coexistem na comunidade estabelecem estratégias e interações recíprocas».

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Como vimos, e tal como salienta (Capelo, 2003), a Fitossociologia, que elabora a descrição e modelização das fitocenoses, incluindo as comunidades, o seu habitat e aspetos dinâmicos, situa-se, relativamente ao método científico, numa perspetiva essencialmente observacional e descritiva de tipo indutivo, ou seja, conduz a modelos essencialmente empíricos. Neste sentido devido ao seu empirismo, à ideia antiga e enganadora de que a sintaxonomia implica a aceitação de um conceito organicista de comunidade vegetal (Monteiro-Henriques, 2010) e à própria hegemonia científica do mundo anglo-saxónico, a Fitossociologia foi, e é ainda atualmente, alvo de críticas que colocam em causa a sua metodologia e até mesmo a sua existência como ciência (Monteiro-Henriques, 2010). No entanto, como refere (Monteiro-Henriques, 2010), atualmente assunções semelhantes à da Fitossociologia, que assume como verdadeira a possibilidade de realizar uma classificação útil da vegetação de base eminentemente florística e não tanto a existência de comunidades vegetais, estão na base de recentes propostas de classificação da vegetação em países onde imperou a abordagem do continuum (e.g. EUA). De certa forma, conclui (Monteiro-Henriques, 2010), reconhece-se que tal abordagem, por si só, não conseguiu um sistema de classificação útil e universal, sendo tais propostas recentes inspiradas profundamente nas abordagens fitossociológicas clássicas (vide Jennings et al., 2008; cit. in Monteiro-Henriques, 2010).

A abordagem de Gleason, acrescenta (Monteiro-Henriques, 2010), não é direcionada para a classificação da vegetação já que a imposição de uma conceptualização matemática contínua torna arbitrária qualquer classificação. No entanto, salienta o mesmo autor, tal abordagem reveste-se de uma importância extrema para o estudo da autoecologia das espécies e na verificação de grande parte das hipóteses e outra informação ecológica produzida ao longo de vários anos, empiricamente, por botânicos e geobotânicos (Monteiro-Henriques, 2010). Assim a tendência futura será a convergência entre a classificação descritiva da vegetação e os recentes campos que têm emergido no âmbito da Ecologia Funcional (Loidi, 2002). O futuro da Fitossociologia, considera (Loidi, 2002), passará por completar a sintaxonomia (que, tendo em conta a própria natureza do sistema, será finita –n.º finito de tipos de comunidades vegetais) em territórios ainda menos conhecidos, que deverá incluir a caracterização ambiental, (bio)geográfica e dinâmica das comunidades de forma a ser um suporte idóneo para os estudos funcionais das comunidades, mas também um elemento de documentação e diagnóstico fundamental para: i. a inventariação de recursos naturais; ii. a análise paisagística e sua eventual reconstrução; iii. o ordenamento do território; e iv. a conservação da diversidade e qualidade ambiental (Loidi, 2002). Para tal é crucial a cartografia da vegetação (séries e geosséries de vegetação), a inventariação de habitats e a avaliação ecológica das comunidades vegetais. (Loidi, 2002) conclui que Fitossociologia, como ciência global da vegetação, tem também de dar resposta à necessidade atual de compreensão do funcionamento dos ecossistemas e diversificar as linhas de investigação no sentido dos estudos funcionais para permitir uma planificação da gestão do território tendo em conta as respostas dos ecossistemas às ações humanas.

1.2.2. Os Estudos da Vegetação Ripícola em Portugal – Fitossociologia e Ecologia