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Os Estudos da Vegetação Ripícola em Portugal – Fitossociologia e Ecologia Dulçaquícola.

PARTE I. INTRODUÇÃO E ENQUADRAMENTO INTRODUCTION AND RESEARCH CONTEXT

Capítulo 1. Ecossistemas Ripícolas e Bacia Hidrográfica do Tejo em Portugal – Síntese e Contextualização.

1.2. Ecossistemas Ripícolas Estado da Arte em Portugal.

1.2.2. Os Estudos da Vegetação Ripícola em Portugal – Fitossociologia e Ecologia Dulçaquícola.

Freshwater Ecology

Os trabalhos sobre cursos de água portugueses, tendo como base a relação entre a estrutura e composição florística dos seus bosques, as características físicas dos biótopos (clima, solos, litologia, hidrologia, geomorfologia) e a ação do Homem (plantas exóticas invasoras, intervenção nos cursos de água) não são ainda muito comuns. Em regra, a maioria dos estudos fazem-no de forma parcial, analisando apenas as questões da qualidade da água (e.g. Duarte & Henriques, 1991; Duarte

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et al., 1998, 2001; Monteiro, 2005) ou aspetos geomorfológicos e hidrológicos (e.g. Azevedo et al., 2004; Ramos et al., 2006), ou aspetos botânicos/fitossociológicos (e.g. Costa et al., 1996, 1998a; Espírito-Santo et al., 1999; Moreira et al., 1999b; Neto et al., 2005), ou relativos à importância da conservação e gestão (e.g. Lousã et al., 1998; Cortes, 2004; Oliveira, 2006), ou sobre as espécies invasoras e infestantes (e.g. Ferreira & Moreira, 1995; Aguiar, 1996), entre outros.

Como foi discutido no subcap. anterior é possível estudar a vegetação segundo duas perspetivas. A que se utilizou nesta investigação é da escola fitossociológica, embora interrelacionada com metodologias usadas pela Limnologia (Ecologia Dulçaquícola). A escola da

ecologia dulçaquícola, com um cariz mais ou menos limnológico, em Portugal, está em grande parte

representada num grupo de trabalho integrado no DEF-ISA16. O designado Water Lobby Freshwater Ecology Management será aquele que mais estudos produz sobre a ecologia de ambientes dulçaquícolas, que, para além do estudo da flora e vegetação aquática e ribeirinha ('macrófitos aquáticos'), inclui o estudo da fauna, invasões biológicas, química da água, avaliação e gestão de ecossistemas, através da estruturação de índices de qualidade do ecossistema ripícola e procura de tipologias de cursos de água, de forma a constituir uma ferramenta para a gestão e ordenamento. No entanto, apesar destas várias valências e da lista de publicações que apresenta no seu sítio da Internet17, os estudos integrados apenas têm um maior incremento na última década. Para tal muito terão contribuído quer os estudos mais específicos entretanto realizados, quer a elaboração dos diferentes PBH que obrigou a equipas pluridisciplinares.

Em Portugal, até inícios dos anos 1990, salientava (Ferreira, 1992), não tinham sido realizados verdadeiros estudos de Limnologia sobre as fitocenoses lóticas. De resto, também a nível internacional estes eram relativamente escassos quando comparados com as fitocenoses terrestres (Pokorny et al., 1987; Symoens, 1988; cit. in Ferreira, 1992). (Ferreira & Aguiar, 2006), numa revisão sobre estes estudos no W da Península Ibérica, assinalam que no início dos anos 80 a botânica limnológica ibérica "começava a aprender a andar". Neste trabalho as autoras sintetizam os resultados de 20 anos de investigação sobre a ecologia da vegetação ripícola e aquática em Portugal. (Ferreira, 1992) indica o trabalho (Vasconcellos, 1970) como o pioneiro na identificação de plantas aquáticas e ribeirinhas de Portugal, salientando que os trabalhos seguintes foram sobretudo de carácter (sin)taxonómico e descritivo, e nomeadamente de ambientes lênticos (Lousã et al., 1980; Lousã & Espírito-Santo, 1984; Martins & Gabriel, 1987). Na altura, estes estudos sobre flora aquática e ribeirinha, dada a falta de trabalhos específicos, eram uma necessidade. Necessidade essa que ainda hoje se faz sentir, como comprova o recente trabalho de (Duarte et al., 2004)18. Posteriormente, e sobretudo ao longo da segunda metade da década de 1980, começaram a surgir trabalhos sobre as plantas em ambientes lóticos (e.g. Duarte et al., 1984; Ferreira & Lousã, 1986, 1988; Ferreira & Monteiro, 1988; Ferreira & Moreira, 1988, 1989; Ferreira & Smeding, 1990; Ferreira, 1993).

(Ferreira et al., 2004) volta a reforçar, apesar dos avanços na década de 1990, que em Portugal poucos são os trabalhos de ecologia fluvial que realizam abordagens «verdadeiramente

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Departamento de Engenharia Florestal do Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa. 17

http://www.isa.utl.pt/def/waterlobby/publication.htm [Acess. 13 Outubro 2008 – atual e infelizmente fora de serviço]. 18

De resto ainda hoje não é fácil definir o número de táxones higrófilos s.l. presentes em Portugal Continental, apesar das várias listas existentes. (Vasconcellos, 1970) descrevia ca. 423 táxones. Mais recentemente surgem a “lista RAMSAR” de (Costa et al., 2000b) com 601 táxones, dos quais alguns são briófitos; “lista PNA” de (Duarte et al., 2002) com 846 táxones, separando os nativos em 470 hidro-higrófilos e 286 sub-higrófilos sendo que ca. 140 são exóticos; a atualização desta surge em (Duarte et al., 2004) com 722 táxones, 583 nativos e 139 exóticos. A última listagem publicada é a “lista D-QA” de (INAG, 2008b) mais sucinta com 401 táxones, dos quais 30 exóticos.

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limnológicas» – o estudo quantitativo das interações de variáveis bióticas e abióticas em ecossistemas aquáticos dulçaquícolas. A Ecologia Aquática é uma ciência recente no nosso país, «sendo ainda pouco compreendida ou utilizada enquanto instrumento de gestão ambiental» (Ferreira et al., 2004). Os estudos limnológicos realizados em Portugal sobre as plantas associadas ao corredor fluvial (“macrófitos lóticos”) são, segundo (Ferreira et al., 2004) ainda restritos a algumas bacias hidrográficas do sul do país, como a do Tejo [e.g. Erra – (Ferreira & Smeding, 1990); Sorraia – (Ferreira, 1992, 1993; Ferreira & Moreira, 1995, 1999); Divor – (Ferreira, 1994a); Tejo – (Ferreira & Carreiro, 1996; Aguiar et al., 2000), a do Guadiana (Ferreira et al., 1998b, 2001, 2002) e a do Sado (Ferreira et al., 2004), entre outros. No entanto, em meados da década de 1980 foram realizados alguns estudos limnológicos pioneiros em Portugal, onde se relacionaram macrófitos lóticos e parâmetros químicos da água, em cursos de água de áreas montanhosas na Bacia Hidrográfica do Douro (e.g. Cortes et al., 1986; Ferreira & Cortes, 1986). Mais recentemente foi realizado um estudo alargado para as bacias do NW português, com exceção do Rio Minho (Cortes et al., 2002b). Apesar de se reportar a meios lênticos, importa salientar o recente trabalho (Rodríguez-González et al., 2008), dada a metodologia utilizada ser semelhante. Apesar do seu cariz mais silvícola, do que limnológico, o estudo sobre a estrutura da ‘mata ripária’ de (Ferreira & Cortes, 1997) da parte norte da Bacia do Tejo é também importante.

Ao nível de teses, na escola ecológica/limnológica, referentes a macrófitos lóticos/vegetação ripícola, a de (Ferreira, 1992) surge como pioneira em Portugal, a que se seguiram outras como, e.g. (Aguiar, 1996, 2004; Rodríguez-González, 2000, 2008).

No século XXI os estudos da Ecologia Dulçaquícola sobre a flora e vegetação ripícola em Portugal centraram-se sobretudo na procura e definição das condições de referência (exigida pela Diretiva-Quadro da Água – D-QA) por forma a se definir uma tipologia da vegetação. Deste modo a maioria dos trabalhos realizados enquadram-se no estudo da perturbação humana na vegetação (Duarte et al., 2007) – centrando-se na questão do uso do solo & variáveis ambientais vs. vegetação (Aguiar & Ferreira, 2005; Ferreira et al., 2005a; Aguiar et al., 2009) e no problema das exóticas (vide subcap. 1.2.3) – , na procura de índices que permitam a avaliação do estado ecológico (vide subcap. 1.2.4) e em trabalhos de síntese (Ferreira, 2000; Ferreira & Aguiar, 2006). No fundo aprofundando o trabalho que tinha vindo a fazer na década anterior e culminando nos trabalhos mais recentes que visam uma estratégia de recuperação e restauro da vegetação ripícola também exigida pela D-QA, de que o livro-manual de (Camprodon et al., 2012) é um excelente exemplo.

No que respeita à escola fitossociológica das ciências da vegetação, contrariamente à anterior, não há um grupo organizado que se dedique em exclusivo ao estudo fitossociológico da vegetação ripícola portuguesa. Uma vez que, ao contrário da Ecologia, a Fitossociologia utiliza uma metodologia idêntica para todos os tipos de vegetação, o estudo da vegetação ripícola é integrado na análise da vegetação em geral. Ainda assim, encontram-se trabalhos dedicados em exclusivo ao ecossistema ribeirinho. Segundo a informação apurada, os primeiros trabalhos no nosso país que aplicam aproximações da metodologia fitossociológica, especificamente sobre a vegetação ripícola, surgem em meados da década de 1980: (Duarte et al., 1984; Lousã & Espírito-Santo, 1984; Ferreira & Lousã, 1986, 1988). No entanto, no início dessa década (Lousã et al., 1980) apresentaram aquele que terá sido o trabalho pioneiro em Portugal, dentro da perspetiva fitossociológica, exclusivamente sobre vegetação de ecossistemas higrófilos, embora sem avançar com sintaxonomia e sendo a área de estudo (o Paul de Boquilobo) um meio sobretudo palustre. No entanto o estudo da vegetação ripícola, integrado com o da vegetação em geral, é bem mais antigo (e.g. Braun-Blanquet et al.,

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1956). Durante a década de 90, para além dos acima referenciados (Costa et al., 1996, 1998a; Espírito-Santo et al., 1999; Moreira et al., 1999b) surgem os trabalhos de (Lousã et al., 1993) (embora também trate de vegetação terrestre), (Costa et al., 1994; Aguiar et al., 1995, 1999; Neto, 1997 (meios palustres, sobretudo); Lousã et al., 1998, 1999; e Almeida et al., 1999).

Na última década (s.l.) multiplicaram-se os estudos da vegetação ripícola, quer integrados na análise da vegetação em geral (e.g. Honrado et al., 2002a, 2007; Neto et al., 2005; Pinto-Gomes et al., 2008; Costa & Moreira, 2012; Costa et al., 2012), quer em análises específicas da vegetação ribeirinha (García Fuentes et al., 1998; Costa et al., 2000a, 2004, 2011; Espírito-Santo et al., 2002; Honrado et al., 2003; Aguiar et al., 2004; Castro Antunes, 2004; Cunha et al., 2004; Honrado, 2004; Monteiro-Henriques et al., 2006; Pereira & Neto, 2008; Portela-Pereira et al., 2010; Moreira et al., 2012). Estes trabalhos abordam desde a descrição e classificação de novas comunidades, sua caracterização ambiental, recorrendo por vezes a métodos numéricos, conservação e restauro ecológico e também na síntese da flora e vegetação ripícola (ou higrófila s.l.) (Alves, 2001; Honrado & Aguiar, 2001; Moreira & Duarte, 2002).

No que se refere a teses desenvolvidas nos últimos anos, na perspetiva fitossociológica da vegetação, grande parte apresenta a vegetação ripícola, e especificamente os bosques/galerias, como dois subcapítulos integrados no estudo da vegetação de uma determinada área. Esta disposição será mais visível com o evoluir da mais recente extensão da escola de Fitossociologia de Zurique-Montpellier – a Fitossociologia da Paisagem (Aguiar, 2000), pois ao nível das geosséries, a vegetação ripícola assume-se como uma das mais importantes na paisagem. Normalmente os estudos de Fitossociologia Integrada destacam os bosques ripícolas em dois momentos: primeiro, no âmbito da Fitossociologia Clássica, descrevendo as comunidades de bosques e galerias ripícolas presentes, ou seja, nas classes SALICETEA PURPUREAE-POPULETEA NIGRAE19 e NERIO-TAMARICETEA; segundo, no estudo das séries e geosséries ripícolas, no âmbito da Fitossociologia Dinâmico-Catenal. Vários autores seguiram esta metodologia, entre outros: (Pinto-Gomes, 1998) na tese sobre Barrocal Algarvio; (Neto, 1999), Litoral de Troia a Sines; (Aguiar, 2000), Serra da Nogueira e Parque Natural de Montesinho; (Lopes, 2001), Terras de Sicó; (Honrado, 2003), Parque Nacional da Peneda-Gerês e (Pereira, 2009), Serra de Monfurado e mais recentemente (Meireles, 2010; Monteiro-Henriques, 2010; Arsénio, 2011) na Serra da Estrela, na Sub-bacia do Paiva e pequenas bacias do Douro envolventes e no SW Alentejano, respetivamente.

Em suma, no nosso país são ainda raras as teses dedicadas exclusivamente à vegetação ripícola dentro da perspetiva fitossociológica. Neste ponto de vista, a tese desenvolvida por (Gaspar, 2003) apresenta-se como uma das primeiras com um estudo alargado sobre vegetação ribeirinha. No entanto, não se trata de uma tese exclusivamente sobre vegetação ribeirinha, mas sobre uma área onde esta domina na paisagem – o Ribatejo –, pelo que inclui também o estudo da vegetação edafoclimatófila envolvente. Na mesma perspetiva está o trabalho de (Luís, 2001), o qual se reporta a uma área sobretudo paludosa – Paul de Boquilobo. Pelo contrário, (Peixoto, 2008) apresentou mais recentemente a sua tese de mestrado dedicada em exclusivo à vegetação ribeirinha da parte sul da Bacia do Tejo e Bacia do Sado (Ribeira de Alcáçovas). Também relacionado com a vegetação higrófila,

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Após 2002, os bosques ripícolas (presentes em Portugal Continental) ficaram agrupados numa só classe, sejam estes mediterrânicos ou eurossiberianos,SALICI PURPUREAE-POPULETEA NIGRAE (Rivas-Martínez & Cantó ex Rivas-Martínez, Báscones, T.E. Díaz, Fernández-González & Loidi) Rivas-Martínez & Cantó 2002. Esta “nova classe” é constituída pela antiga classe SALICETEA PURPUREAE, que foi remetida a ordem (Salicetalia purpurea Moor 1958), e pela antiga ordem da QUERCO-FAGETEA Br.-Bl. & Vlieger in Vlieger 1937, Populetalia albae Br.-Bl. ex Tchou 1948, que passou para esta nova classe de «Bosques caducifólios, húmidos, ripícolas, edafo-hidrófilos, eurossiberianos e mediterrânicos» (Costa et al., 2011).

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ainda que não obrigatoriamente ripícola, merecem destaque as teses de (Silva, 2009; Pinto-Cruz, 2010) que estudam charcos e rios temporários. De destacar que estas 4 últimas dissertações já trabalham com metodologia estatística multivariada.

Deste modo, com o desenvolvimento da nossa investigação procuramos contribuir, entre outras, para integrar vários conhecimentos, que atualmente se encontram dispersos, sobre a perspetiva fitossociológica da vegetação ribeirinha.

1.2.3. A Problemática das Plantas Exóticas Invasoras em Portugal Continental. The