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1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA-METODOLÓGICA DA PESQUISA

1.2 Conceitos fundamentais gramscianos

Gramsci viveu entre o final do século XIX e o início XX, e participou de dois momentos históricos marcantes: a Revolução de 1917, na Rússia, e a ascensão do fascismo, na Itália, momentos marcantes da história da Europa, que são sintomas do legado da Revolução Francesa e da Revolução de 1848. Os eventos também se referem a um período da história da filosofia, expresso no debate de duas grandes correntes, o hegelianismo e o marxismo. Gramsci buscou “[...] fundamentar sua prática ético-política em uma análise bastante rigorosa das transformações que estavam processando no mundo por ele vivido” (MARTINS, 2008a, p. 170- 171).

Os escritos gramscianos fundamentais são os Cadernos do Cárcere, publicação do período de maturidade do pensamento do autor. Esses cadernos são textos que o autor tinha por objetivo sistematizar posteriormente. Embora as duras condições da prisão não tenham

27 Sustentada na concepção médico-pedagógica, que se centra “[...] nas causas físicas, neurológicas, mentais da deficiência, procurando também respostas em teorias de aprendizagem sensorialistas [...]” (JANNUZZI, 2004, p. 12).

permitido a síntese metódica do projeto teórico de longo alcance que ele esboçou no cárcere, seus textos guardam uma interna coerência política, ideológica e teórica. O valor teórico de seus escritos propicia análises e aplicações de seu pensamento em diversas áreas, como educação, direito, relações internacionais, ciência política, serviço social e, até mesmo, educação ambiental. (ARNAUT DE TOLEDO; GOMES, 2013).

Para Martins, Gramsci “[...] enfrentou problemas que ainda permanecem presentes e fez isso com instrumentos teórico-práticos ainda bastante frutíferos em sua capacidade heurística” (2008a, p. 187). O pensador italiano articula, em estreita conexão, a teoria e prática, a teoria e a ação política. Essa “[...] unidade que faz política a real filosofia, na medida em que a política – que é ao mesmo tempo teoria e prática – é aquela que não apenas interpreta o mundo, mas que transforma o mundo com a ação [...]” (GRUPPI, 1980, p. 2).

O revolucionário sardenho ajuda-nos a atingir os objetivos da pesquisa e a compreender as propostas educacionais da Fenapaes, por isso, este tópico conceitua e reflete as ideias de dele. Explicito o pensamento gramsciano relacionado aos seguintes termos: homem, concepção de mundo, ideologia, filosofia da práxis, intelectuais orgânicos, hegemonia, Estado, sociedade civil, sociedade política, bloco histórico, reforma intelectual e moral, escola unitária. Dentre eles, os conceitos de hegemonia, sociedade civil e intelectuais orientam a análise empírica: na problematização, na seleção dos documentos e na análise deles. Esses conceitos clarificam a atuação da Federação na política educacional. Uma vez que esses conceitos permearão as análises dos dados, este tópico dedica-se à explicitação deles.

Antonio Gramsci critica a filosofia hegeliana que reduz o homem a um conceito abstrato. Trata-se da visão idealista de que a natureza humana reside na mudança do plano da abstração (espírito) e no caráter genérico do ser homem. Gramsci critica, também, o seguidor de Hegel na Itália e na Europa do início do século XX: Benedetto Croce (1866-1952), que recupera o pensamento hegeliano nas análises da realidade italiana.

O pensador italiano entende que a natureza humana é o conjunto das relações sociais em seu devir histórico, porque o homem “[...] transforma-se continuamente com as transformações das relações sociais [...]” (GRAMSCI, 2014, p. 245), por meio dos desdobramentos históricos e das articulações dialéticas. Assim, o homem constitui-se nas contradições sociais, o que requer analisar as condições concretas pelas quais ele domina a natureza e se relaciona com outros homens.

Também é necessário entender que o conceito de homem estabelece relações com a vontade humana, ou seja, compreender que as condições objetivas de existência (liberdade, responsabilidade) dependem também do interesse de conhecer, saber e querer

utilizá-las. O homem não pode ser concebido como indivíduo limitado à sua individualidade. A personalidade do homem é formada da seguinte maneira: na direção determinada e concreta ao próprio impulso vital ou vontade; na identificação dos meios que tornam essa vontade concreta e determinada; e na contribuição para modificar o conjunto das condições concretas que consolidam essa vontade. Em síntese, a individualidade do homem é formada por uma série de relações ativas e conscientes que modificam o ambiente (conjunto de relações de que todo indivíduo faz parte) e modificam o próprio homem, mas sempre limitado a um sentido concreto. Ou melhor, trata-se de relações com os outros de forma orgânica, ao passo que as relações com a natureza se dão por meio do trabalho e da técnica. (GRAMSCI, 2014).

Por isso, Gramsci (2014, p. 406) define que o

[...] homem deve ser concebido como um bloco histórico de elementos puramente subjetivos e individuais e de elementos de massa e objetivos ou materiais, com os quais o indivíduo está em relação ativa. Transformar o mundo exterior, as relações gerais, significa fortalecer a si mesmo, desenvolver a si mesmo.

Isto é, o homem desenvolve-se na síntese dos elementos constitutivos da individualidade, que é “individual”, mas também se realiza e desenvolve-se nas relações externas com a natureza e com outros homens. “Cada um transforma a si mesmo, modifica-se, na medida em que transforma e modifica todo o conjunto de relações do qual ele é o centro estruturante” (GRAMSCI, 2014, p. 413).

A presente reflexão da constituição humana mostra o homem “[...] essencialmente ‘político’, já que a atividade para transformar e dirigir conscientemente os outros homens realiza sua ‘humanidade’ e sua ‘natureza humana’” (GRAMSCI, 2014, p. 407). O indivíduo é a síntese das relações existentes, bem como a história dessas relações. Estamos falando das relações ativas e dinâmicas que residem na consciência do homem, que, inserido numa sociedade, estabelece a relação com a natureza (técnica e o trabalho) e com os instrumentos mentais (conhecimento filosófico). (GRAMSCI, 2014).

Portanto, o homem não se concebe isoladamente, mas está repleto “[...] de possibilidades oferecidas pelos outros homens e pelas sociedades das coisas, da qual não pode deixar de ter um certo conhecimento” (GRAMSCI, 2014, p. 415).

Nessa direção, Gramsci explica que a concepção de mundo “[...] responde a determinados problemas colocados pela realidade, que são bem determinados e ‘originais’ em sua atualidade” (2014, p. 95). O pensador italiano ensina que “[...] pela própria concepção do

mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir” (GRAMSCI, 2014, p. 94).

Existem várias formas de concepção de mundo. As várias concepções de mundo podem aparecer de dois modos: a) ocasional e desagregado; b) coerente e homogêneo. O primeiro modo se refere ao senso comum, à religião popular e ao folclore. Já a concepção de mundo coerente e homogênea é “[...] formada de uma maneira crítica e consciente, num processo teórico-prático que tem como fundamento último a experiência política da classe” (MOCHOCOVITCH, 1992, p. 15). Essa concepção de mundo “[...] prepara o ser humano para uma participação ativa e consciente do destino histórico e social de uma classe social” (MOCHOCOVITCH, 1992, p. 15), diferentemente do que faz o senso comum, que se caracteriza pela “[...] adesão total e sem restrições a uma concepção de mundo elaborada fora dele próprio, que se realiza num conformismo cego e numa obediência irracional a princípios e preceitos indemonstráveis e ‘não-científicos’, funcionando no plano da crença e da fé” (MOCHOCOVITCH, 1992, p. 15).

O senso comum é um nome coletivo, pois não existe um único senso comum, ele também é um produto e um devir histórico. Ele “[...] é um produto sócio-histórico, capaz de garantir a manutenção da direção e da dominação presente na formação econômica e social, mediante a orientação que dá ao desenvolvimento da moralidade individual e coletiva” (MARTINS, 2005, p. 145). Ele gera um conformismo ativo nas classes subalternas, que consiste na conformidade com a hegemonia do grupo dirigente e dominante, que se traduz, na prática sócio histórica, pela passividade e pela indiferença (MARTINS, 2005).

O senso comum pode ter um núcleo sadio chamado por Gramsci (2014) de bom-

senso. Para Debrun, “o senso comum pertence à ordem do particular, do ‘folclore’. E, mesmo

no seio de determinado grupo, ele consiste num aglomerado de opiniões sem conexão orgânica, incapaz de se oferecer uma inteligilidade mútua e que, por isso, se apresentam com dogmas avulsos” (2001, p. 170). Já o bom-senso fornece à própria ação uma direção consciente. Para Gramsci, ele “[...] merece ser desenvolvido e transformado em algo unitário e coerente” (2014, p. 98). De acordo com Debrun (2001), o bom-senso não se constitui como uma disposição genérica, inscrita na natureza humana. Ele corresponde à participação coletiva na filosofia. Ele “[...] é a própria filosofia, quando esta satisfaz à dupla condição de ser verdadeira – ou orientada para o verdadeiro – e compartilhada por muitos, pelas ‘massas’” (DEBRUN, 2001, p. 169).

Para Gramsci, a segunda forma de concepção de mundo é a filosofia, que, como reflexão crítica, pode superar o senso comum. “A filosofia é a crítica e a superação da religião e do senso comum e, nesse sentido, coincide com o ‘bom-senso’, que se contrapõe ao senso

comum” (GRAMSCI, 2014, p. 96). Mas ela não deixa de ser “[...] um elemento histórico-social que se desdobra na realidade, contaminando seus diferentes ambientes, produtos, atividades etc.” (MARTINS, 2008b, p. 149). A filosofia pode servir aos interesses da classe dominante, que pretende mascarar as contradições da sociedade. Como pondera Debrun, “[...] a filosofia é capaz de redefinir os interesses dos grupos sociais, pois esses interesses pertencem à superestrutura “subjetiva”, e cada filosofia adequada a uma época elabora progressivamente essa superestrutura” (2001, p. 31).

Por esses motivos, Gramsci diz que a filosofia e outras concepções de mundo devem passar por um processo crítico. “Criticar a própria concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais evoluído” (GRAMSCI, 2014, p. 94). Isto é, “[...] significa tomar consciência das contradições vividas no cotidiano, criticá-las e superá-las, unificando teoria e prática” (SCHLESENER, 2001, p. 30).

Assim, Gramsci fala da filosofia da práxis, entendida como o materialismo histórico e dialético, elaborado por Marx e Engels. A filosofia da práxis se apresenta em atitude polêmica e crítica,

[...] como superação da maneira de pensar precedente e do pensamento concreto existente (ou mundo cultural existente). E, portanto, antes de tudo, como crítica do “senso comum” [...]; e, posteriormente, como crítica da filosofia dos intelectuais, que deu origem à história da filosofia e que, enquanto individual (e de fato, ela se desenvolve essencialmente na atividade de indivíduos singulares particularmente dotados), pode ser considerada como “culminâncias” de progresso do senso comum, pelo menos do senso comum dos estratos mais cultos da sociedade e, através desses, também do senso comum popular (GRAMSCI, 2014, p. 101).

A filosofia da práxis contribui na “[...] sua capacidade de assumir e reinterpretar todo o passado cultural, em benefício das classes dominadas, para que estas possam construir um modo novo e original de vida e de sociedade” (SCHLESENER, 2001, p. 12). O pensador sardenho nos propõe outra maneira de compreender o mundo, por meio da qual podemos enxergar uma relação determinante entre modos de produção e luta de classe, luta política e Estado. E também perceber que há uma mediação mais complexa em relação às superestruturas, como a arte, a religião, a moral, a filosofia, etc. Essas articulações devem ser abordadas de modo científico para que possamos compreender, de fato, como elas operam na superestrutura, nas lutas políticas, na tradição e nas escolas. (GRUPPI, 1980).

Desse modo, Gramsci propõe-se a examinar as ideologias presentes na sociedade. Ideologia, para Gramsci (2014 p. 98-99), manifesta-se “[...] implicitamente na arte,

no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas”. A ideologia é uma concepção de mundo transformada em vontade, a ponto de dirigir o pensamento, o sentimento e a ação do sujeito. Ela “[...] tem uma existência material, encontra- se materializada nas práticas, é ‘constituidora do real’” (BRANDÃO; DIAS, 2007, p. 92-93). O pensador sardenho diferencia as ideologias historicamente orgânicas das ideologias arbitrárias, racionalísticas [sic], “voluntaristas”, “desejadas”. As primeiras ideologias são responsáveis, por meio do discurso apropriado, por mobilizar, articular e direcionar as ações das classes (BRANDÃO; DIAS, 2007). Elas são necessárias a uma determinada estrutura, “[...] elas ‘organizam’ as massas humanas, formam o terreno no qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam [...]” (GRAMSCI, 2014, p. 237). Já as ideologias “arbitrárias” criam apenas “movimentos” individuais, polêmicas.

Gramsci nos alerta que as ideologias “[...] são múltiplas e contraditórias entre si porque [...] são racionalidades de diversas classes, em diversos momentos e conjunturas. Ou seja, os interesses sociais, que se colocam historicamente e se articulam de modo conflitante, se manifestam nos diversos discursos ideológicos” (BRANDÃO; DIAS, 2007, p. 83).

Tendo presente a função essencial da ideologia na luta de classe, Gramsci faz uso do conceito de hegemonia28. Hegemonia interessa a Gramsci para compreender como se realiza a predominância de uma classe sobre as demais, como deve desenvolver-se o processo da hegemonia do proletariado, entre outras questões que lhe interessam para intervir na história.

A noção de hegemonia só é possível a partir de uma unidade entre teoria e prática, uma vez que este conceito expressa a vontade coletiva organizada em torno de um projeto (visão de mundo), objetivada no econômico, no político, no campo das ideias e em qualquer manifestação da vida individual e coletiva. Neste sentido, ela procura resolver o problema de manutenção da unidade ideológica de todo um bloco social. (BRANDÃO; DIAS, 2007, p. 91).

Gramsci entende a hegemonia “[...] como algo que opera não apenas sobre a estrutura econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre o modo de

28 Gramsci recorre a Maquiavel e a Lênin para explicitar o que é hegemonia. Maquiavel representa, para o pensador italiano, um homem estritamente ligado às condições e às exigências de sua época, que resultam das lutas internas da república florentina, das lutas entre os Estados italianos por um equilíbrio no âmbito da Itália que era obstaculizado pela existência do Papado e dos outros resíduos feudais, municipalistas, da forma estatal citadina e não territorial. O pensamento de Maquiavel também revela as contradições entre as necessidades de um equilíbrio interno italiano e as exigências dos Estados europeus em luta pela hegemonia. (GRAMSCI, 2007). Gramsci também se apropria, principalmente, do conceito de hegemonia e marxismo de Lênin, para o qual o marxismo é o “[...] método para investigar a realidade de um processo real específico” e o conceito de hegemonia do proletariado é “[…] concretamente fundado sobre a investigação da especificidade histórica russa e sobre a definição das tarefas políticas do proletariado” (GRUPPI, 1980, p. 16; 18).

pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer” (GRUPPI, 1980, p. 3).

A hegemonia se desenvolve no âmbito das relações entre a estrutura e a superestrutura, nas quais existem relações de força, que podem ser de diferentes momentos ou graus, sob as seguintes formas: a) relações de forças sociais ligadas estritamente à estrutura, objetiva, independente da vontade dos homens; b) relações de forças políticas, ou seja, na avaliação do grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização alcançado pelos vários grupos sociais, correspondem aos diversos momentos da consciência política coletiva; c) relações de forças militares, que são decisivas em determinadas situações (GRAMSCI, 2007, p. 40-41).

Essa segunda forma de relação de forças está presente nos momentos da consciência política, que pode abranger três graus: o econômico-corporativo, o da consciência da solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social – mas no campo meramente econômico – e o momento da consciência de que os próprios interesses corporativos atuais e futuros superam o círculo corporativo de grupo meramente econômico, e podem e devem tornar-se os interesses de outros grupos subordinados (GRAMSCI, 2007, p. 41).

Schlesener esclarece que o exercício da hegemonia, para Gramsci,

[...] assume conotações diferentes a partir do modo como os grupos sociais se relacionam e exercem suas funções com base na organização e desenvolvimento das forças materiais de produção, da organização do Estado e do papel mais ou menos coercitivo e intervencionista da sociedade política, e ainda do processo de conscientização política das classes dominadas; a hegemonia é uma relação-ativa, cambiante, evidenciando os conflitos sociais, os modos de pensar e agir que se expressam na vivência política; conforme se desenvolve e se inter-relacionam as forças em luta, tem-se o fortalecimento das relações de domínio, o equilíbrio entre coerção e consenso ou a ampliação da participação política e da organização da sociedade civil (SCHLESENER, 2001, p. 19).

Como o próprio pensador italiano diz, o exercício da hegemonia

[...] caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram de modo variado, sem que a força suplante muito o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria, expresso pelos chamados órgãos de opinião pública – jornais e associações – os quais, por isso, em certas situações, são artificialmente multiplicados (GRAMSCI, 2007, p. 95).

Gramsci chama a atenção para o fato de que, no exercício da hegemonia, entre o consenso e a força,

[...] situa-se a corrupção-fraude (que é característica de certas situações de difícil exercício da função hegemônica, apresentando o emprego da força excessivos perigos), isto é, o enfraquecimento e a paralisação do antagonista ou dos antagonistas através da absorção de seus dirigentes, seja veladamente, seja abertamente (em casos de perigo iminente), com o objetivo de lançar a confusão e a desordem nas fileiras adversárias (GRASCI, 2007, p. 95).

Dito de outra forma, o exercício da hegemonia acontece na combinação da força e do consenso, mas entre essas combinações pode haver a corrupção-fraude. Essa é uma forma de anular outras forças sociais, por meio da incorporação de intelectuais ao grupo dominante. Por exemplo, o governo federal exerce a hegemonia nas políticas educacionais quando convida personalidades ou professores pesquisadores brasileiros e internacionais para defender o slogan “educação para todos”. Outro exemplo, na publicação da Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva (PNEE-PEI) de 2008, o governo federal nomeou diversos professores pesquisadores para o grupo de trabalho, por meio da Portaria Ministerial n. 555 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007. A PNEE- PEI, como documento orientador, “estabelece interlocução ampliada com a sociedade para difundir uma perspectiva inclusiva centrada em um modelo de atendimento especializado” (GARCIA, 2013, p. 105).

A sociedade civil, convocada para participar da elaboração e formulação de uma política nacional, teve a participação e a colaboração de professores como Antônio Carlos do Nascimento Osório (UFMS), Cláudio Roberto Baptista (UFRGS), Denise de Souza Fleith (UNB), Eduardo José Manzini (Unesp), Maria Amélia Almeida (UFSCar), Maria Teresa Egler Mantoan (Unicamp), Rita Vieira de Figueiredo (UFC), Ronice Muller Quadros (UFSC), Soraia Napoleão Freitas (UFSM) (BRASIL, 2008, p. 2-3). Ressalvo que é fundamental realizar uma pesquisa para investigar, por meio de atas e outros documentos, como foi o debate, se houve conflitos, tensões, negociações entre a sociedade civil e o trabalho em conjunto com o Estado, em sentido estrito.

A sociedade política organizou-se com Cláudia Pereira Dutra, na época, secretária de educação especial do MEC, que afirma que o documento PNEE-PEI estaria “em sintonia com os movimentos internacionais de afirmação do direito de todos à educação” (BRASIL, 2008, p. 8). Importa mencionar que a equipe da secretaria de educação especial contou com a participação de Claudia Maffini Griboski (Diretora de Políticas de Educação Especial), Denise de Oliveira Alves (Coordenadora Geral de Articulação da Política de Inclusão nos Sistemas de Ensino) e Kátia Aparecida Marangon Barbosa (Coordenadora Geral da Política Pedagógica da Educação Especial). (BRASIL, 2008, p. 2).

A articulação no Estado referendou o “paradigma de uma educação inclusiva” e teve, como porta voz, um dos docentes colaboradores da sociedade civil. O professor, membro do Fórum Nacional da Educação Inclusiva, trabalhou na defesa da política nos órgãos de comunicação do Estado e dos meios de comunicação privados.

Tal exemplo mostra que o Estado não pode ser concebido somente como uma instância política, mas também como um conjunto de correlação de forças presentes na sociedade civil e sociedade política. O Estado está articulado “organicamente” à sociedade, isto é, faz parte dela (BRANDÃO; DIAS, 2007).

O Estado, para Gramsci (2007, p. 41-42), é um

[...] organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à expansão máxima desse grupo, mas este desenvolvimento e esta expansão são concebidos e apresentados como a força motriz de uma expansão universal, de um desenvolvimento de todas as energias “nacionais”, isto é, o grupo dominante é coordenado concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados e a vida estatal é concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) entre os interesses do grupo fundamental e os interesses dos grupos subordinados, equilíbrios em que os interesses do grupo dominante prevalecem, mas até um determinado ponto, ou seja, não até o estreito interesse econômico-corporativo.

Gramsci quer dizer que o Estado não é uma superestrutura em si. Ele é constituído por um grupo dominante que, ao mesmo tempo, domina e dirige de acordo com os seus interesses, mas também leva em consideração os interesses gerais dos subordinados para