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Neoliberalismo, sociedade civil e políticas públicas educacionais na transição do século XX para o século

3. FENAPAES E A DISPUTA PELA HEGEMONIA NO CAMPO EDUCACIONAL (1990-2015)

3.1 Neoliberalismo, sociedade civil e políticas públicas educacionais na transição do século XX para o século

A década de 1990 pode ser considerada como a consolidação do neoliberalismo no mundo. Foi o momento em que se difundiram, em todos os continentes, as teses do economista e filósofo Friedrich August von Hayek (1889-1992), do filósofo Karl Popper (1902- 1994) e do economista Milton Friedman (1912-2006). O neoliberalismo remete ao Consenso de Washington, realizado em novembro de 1989. Trata-se de uma reunião na capital dos Estados Unidos, que contou com a participação dos funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados – FMI, Banco Mundial e BID – especializados em assuntos latino-americanos (BATISTA, 1994).

O objetivo do encontro, convocado pelo Institute for International Economics, sob o título “Latin American Adjustment: How Much Has Happened?”, era proceder a uma avaliação das reformas econômicas empreendidas nos países da região. Para relatar a experiência de seus países também estiveram presentes diversos economistas latino- americanos. As conclusões dessa reunião é que se daria, subsequentemente, a denominação informal de “Consenso de Washington” (BATISTA, 1994, p. 5).

O evento foi promovido por John Williamson (1937-), economista inglês, intelectual orgânico burguês94, que pertencia ao Peterson International Institute for

Economics95, entidade patrocinadora da reunião de Washington.

O Consenso de Washington apresentou um conjunto de recomendações para os países, porque as reformas sugeridas eram reclamadas pelos vários organismos internacionais e pelos intelectuais que atuavam nos diversos institutos de economia (SAVIANI, 2010). Esse evento também recomendou à América Latina um programa de rigoroso equilíbrio fiscal a ser realizado por meio de reformas administrativas, trabalhistas e previdenciárias, tendo como vetor um corte profundo nos gastos públicos. Além disso, induziu a uma rígida política monetária visando à estabilização e à desregulação dos mercados, tanto financeiro, como do trabalho, além da privatização radical e da abertura comercial. Essas políticas foram assumidas pelos próprios grupos econômicos e políticos dominantes nos países latino-americanos, os quais anunciarei neste tópico (SAVIANI, 2010).

Além do mais, o Consenso de Washington não tratou de questões sociais como a educação, a saúde, a distribuição da renda e a eliminação da pobreza. O objetivo do referido evento era a liberalização econômica, a qual poderia, por si só, formular alternativas para as reformas sociais, que deveriam atender unicamente aos interesses do mercado, retornar ao

laissez-faire do final do século XIX e do princípio do século XX. (BATISTA, 1994).

De acordo com Melo, “o projeto neoliberal realiza, reafirma e supera princípios do liberalismo clássico no sentido de conservar, manter e ampliar as relações sociais capitalistas de produção do nosso mundo e de nossas vidas” (2007, p. 192). Neoliberalismo se diferencia do liberalismo96, porque ele é a expressão ideológica das sociedades capitalistas em etapas

94 “John Williamson, senior fellow (retired), was associated with the Institute from 1981 to 2012. He was project director for the UN High-Level Panel on Financing for Development (the Zedillo Report) in 2001; on leave as chief economist for South Asia at the World Bank during 1996–99; economics professor at Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1978–81), University of Warwick (1970–77), Massachusetts Institute of Technology (1967, 1980), University of York (1963–68), and Princeton University (1962–63); adviser to the International Monetary Fund (1972–74); and economic consultant to the UK Treasury (1968–70). He is author, coauthor, editor, or coeditor of numerous studies on international monetary and development issues […]” (PIIE, 2017a).

95“The Peterson Institute for International Economics (PIIE) is a private, nonpartisan nonprofit institution for rigorous, intellectually open, and in depth study and discussion of international economic policy. Its purpose is to identify and analyze important issues to make globalization beneficial and sustainable for the people of the United States and the world and then develop and communicate practical new approaches for dealing with those issues […]” (PIIE, 2017b). Tradução livre: “O Instituto Peterson de Economia Internacional (PIIE) é uma instituição privada, sem fins lucrativos, para um estudo rigoroso, intelectualmente aberto e para aprofundar o estudo e a discussão da política econômica internacional. Seu objetivo é identificar e analisar questões importantes para tornar a globalização benéfica e sustentável para as pessoas dos Estados Unidos e do mundo e, em seguida, desenvolver e comunicar novas abordagens práticas para lidar com essas questões [...]”.

96O liberalismo “[...] constitui a ideologia que justifica e racionaliza os interesses do capital servindo, dessa maneira, de sustentação e organização das sociedades capitalistas [...]; o liberalismo também chamado de clássico correspondeu à expressão ideológica necessária do capitalismo em sua etapa concorrencial” (SANTANA, 2007, p. 89). As teses do liberalismo são: “a) a pluralidade do liberalismo (constatada por meio da sua diversificação)

diferentes da organização da produção material, corresponde à etapa de desenvolvimento do capitalismo no processo de globalização (SANTANA, 2007).

As características do liberalismo, retomadas e aprofundadas pelo Neoliberalismo, são:

a) A apologia da liberdade individual como base natural da ordenação social e, como consequência, a liberdade de produzir, de possuir, de acumular propriedade, como um dos fundamentos do pensamento liberal;

b) A afirmação do mercado como instância reguladora, ordenadora, naturalmente harmoniosa, de todas as diversas e complexas interações entre os interesses e necessidades dos indivíduos;

c) Como consequência à negação da crítica a qualquer intervenção nesse sistema, nesse jogo que possuiria suas próprias regras naturalmente construídas; e

d) A crítica à intervenção do Estado ou corporações que teriam a tendência a desequilibrar o mercado a favor de indivíduos ou grupos particulares. (MELO, 2007, p. 194).

No Brasil, o projeto neoliberal de sociedade e de educação consolida-se na sociedade política como hegemônico na década 1990, pois realiza mudanças nas políticas educacionais brasileiras, estimulando a dissociação cada vez mais profunda entre uma educação voltada para a cidadania e a formação científico-tecnológica voltada para o trabalho (MELO, 2007).

Cabe esclarecer o conceito de cidadania utilizado nesta tese. A cidadania abarca o “[...] acesso à educação, saúde e alimentação dignas, participação real nas decisões políticas, meio ambiente equilibrado, pleno emprego, ausência de qualquer tipo de discriminação [...]” (CÉSAR, 2002, p. 24). Inclui direitos coletivos e difusos, além dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Porém, “[...] a efetivação da cidadania ou o status de cidadão tem como prerrogativa a vinculação ao Estado/nação como regulador da vida em sociedade” (OLIVEIRA, 2014 p. 57).

Para Martins (2000), a discussão a respeito da formação do cidadão é tratada em diferentes momentos históricos e com base em diferentes sustentações teóricas, desde as teorias tradicionais, passando pelas tendências modernas, até chegar à contemporaneidade. Mas ela possui características totalmente diferentes em cada uma dessas épocas.

A cidadania possui três sentidos principais: valor econômico, valor

unifica-se em três categorias fundamentais que são permeadas pelo interesse do capital: o individualismo, a propriedade privada e o Estado também privado; b) A privatização ganha sentido e razão de ser enquanto estratégia de recomposição e garantia de manutenção dos três elementos constitutivos do liberalismo, e como condição de possibilidade da preservação do desenvolvimento da ordem capitalista; c) [...]. E, do ponto de vista da economia política burguesa, numa dada sociedade capitalista, o ensino privado constitui a regra ou opção principal, e o ensino público, a exceção ou opção secundária, imposta pela lógica das leis que regem o processo de desenvolvimento do capital” (SANTANA, 2007, p. 87-88).

gnosiológico e valor ético-político. O primeiro sentido identifica “[...] o cidadão enquanto um cliente, isto é, um simples consumidor individual dos serviços oferecidos pelo Estado [...]” (MARTINS, 2000, p. 6). Ou seja, reduz “[...] toda a riqueza das facetas humanas à sua simples dimensão econômica do consumo” (MARTINS, 2000, p. 7). No segundo sentido, a cidadania no valor gnosiológico, entende-se o “[...] cidadão como um indivíduo conhecedor de seus direitos e deveres” (MARTINS, 2000, p. 7), ou seja, que possui os direitos elencados acima. O valor ético-político concerne ao compromisso que o cidadão pode ou não estabelecer com a transformação social. Trata-se de um norte efetivo para a ação revolucionária capaz de empreender conquista de direitos, uma vez que, na perspectiva liberal, o cidadão pode conformar-se na subordinação ético-política e, culturalmente, aos interesses da classe hegemônica (MARTINS, 2008a, 2011b).

Desta forma, as políticas públicas podem ter o significado de cidadania num valor econômico e/ou valor gnosiológico. Por isso, elas são alvos do neoliberalismo, uma vez que podem influenciar a legitimidade das relações sociais de produção. Nesse esteio, “a política educacional, enquanto política social tem também por finalidade ético-política conformar as novas gerações às ideias, valores e crenças hegemônicas no capitalismo monopolista” (NEVES, 2007, p. 208).

De acordo com Neves (2007, p. 208-209),

A política educacional em uma determinada formação social concreta, no mundo contemporâneo, é determinada pelo estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção e, também, pelo embate provisório das várias propostas educacionais em disputa pela hegemonia no Estado, em sentido estrito, e na sociedade civil. De um modo mais específico, a política educacional resulta das repercussões econômicas e ético-políticas das aplicações diretamente produtivas da ciência no processo de trabalho sob o sistema de máquinas, tanto no fordismo como no pós- fordismo.

A atual política educacional é constituída num projeto de sociedade neoliberal, de que faz parte o capitalismo globalizado. Na década de 1990, a política educacional brasileira estava inserida significativamente num contexto de influência expressiva dos organismos/agências internacionais, os quais estavam articulados às Organizações das Nações Unidas (ONU) e podiam ser divididos em órgãos de financiamento (FMI, Banco Mundial, CEPAL, PNDU) e órgãos considerados como “sensíveis” ao social (UNESCO e UNICEF). Esses órgãos colaboraram com a realização de dois eventos internacionais fundamentais na área

da Educação, no começo da década de 199097: “A Conferência Mundial sobre Educação para Todos”, Jomtien, Tailândia (1990); e “A Conferência Mundial de Educação Especial”, Salamanca, Espanha (1994).

Ambas as conferências ressaltaram que as diferenças precisam ser respeitadas, exigindo novas concepções de escola, de aluno, de ensino e de aprendizagem. As conferências visavam a abrir as portas das instituições escolares para receber os que estavam fora dela, os excluídos ou os marginalizados, social e escolarmente. Dentre esse público, contemplavam as pessoas com deficiência (KASSAR, 2011b). Pode ser visto que, na década de 1990, houve uma preocupação em identificar a educação especial com um olhar pedagógico educacional e escolar (KASSAR; REBELO, 2013).

A Conferência Mundial sobre Educação para Todos estabelece, em seu artigo 3º, que “[...] é preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo” (UNESCO, 1990). O artigo 7º, visando proporcionar educação básica para todos, orienta que é necessário fortalecer alianças entre os setores públicos e privados. O documento serviu de base para a elaboração da Lei n. 9.394/1996 no que se refere aos objetivos, etapas e níveis de ensino, público-alvo, entre outras concepções de organização e planejamento da educação, principalmente, a concepção de Educação Básica, vinculada ao Ensino Fundamental. Como analisa Caiado (2014, p. 18), “o documento [mencionado] afirma a necessidade de se garantir educação básica para todos como condição sine qua non para o desenvolvimento”.

Guhur (2012) afirma que o slogan “educação como direito de todos”, como parte da agenda ideológica dos organismos internacionais, tinha a finalidade de atender aos desafios da transformação produtiva (gestão de trabalho). Tratava-se de preparar o ser humano para uma profissão especializada para atender à dinâmica da globalização, bem como preparar o estudante para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem, em termos de instrumentos ou de conteúdo.

Dessa forma, Guhur (2012) compreende que o slogan mencionado revela que o Estado precisava minimizar os gastos com propostas de políticas focalizadas; além

[...] de descentralizar financiamentos e verbas, que devem ser geradas em nível local;

97 A influência das agências internacionais não se restringe apenas aos dois eventos mencionados, pois existiram também outras convenções ou reuniões internacionais no decorrer do século XX, que tinham por objetivo garantir diversos direitos. O reconhecimento do direito à educação encontra-se presente nos principais documentos internacionais de proteção dos direitos humanos: o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969); o Protocolo de San Salvador (1988) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989).

de organizar forças na atuação da política educacional; de promover a participação de pais como recursos (mão de obra gratuita); e, finalmente, de viabilizar parcerias para programas de reabilitação de base comunitária (GUHUR, 2012, p. 242).

A Declaração de Salamanca apresenta o ideário de inclusão98, solicitando que os governos “[...] adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam fortes razões para agir de outra forma” (SALAMANCA, 1994, p. 2). Tal princípio é premente no discurso que define uma Estrutura de Ação em Educação Especial. Vale lembrar que a Educação Especial defende o direito à educação de toda criança, pois as “[...] escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras” (SALAMANCA, 1994, p. 3). A escola ganharia, assim, um novo conceito – escola inclusiva – que objetiva o “[...] desenvolvimento de uma pedagogia centrada na criança e capaz de bem-sucedidamente educar todas as crianças, incluindo aquelas que possuam desvantagens severas” (SALAMANCA, 1994, p. 4).

O princípio fundamental da escola inclusiva presente na Declaração consiste no fato

[...] de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades [...] (SALAMANCA, 1994, p. 5).

A Declaração procura legitimar que a instituição escolar é o espaço privilegiado para receber e atender as crianças com deficiência. Caberia às escolas especiais, de forma excepcional, atender às necessidades educacionais ou sociais da criança que não possa frequentar a escola regular e garantir o bem-estar dela ou de outras crianças. Aliás, o texto menciona que as escolas especiais poderiam ser uma grande parceira das escolas regulares (SALAMANCA, 1994).

Dessa maneira, há uma possibilidade da manutenção dos serviços das entidades sociais sem fins lucrativos, uma vez que o número de escolas especiais públicas é inferior ao das entidades. A proposta da Declaração de Salamanca repercutiu em outros documentos da

98 Segundo Meletti (2006), a inclusão é um discurso frágil porque requer reconsiderar que a exclusão social e educacional existe na atual sociedade. “A inclusão é precária e perversa porque o que se busca é a inserção na sociedade que exclui, o que se reivindica é aquilo que reproduz e conforma a sociedade atual” (MELETTI, 2006, p. 54).

Fenapaes, com mais vigor nos anos 2000, tendo em vista o programa “Educação Inclusiva” do Governo Federal. Acrescento e ressalvo que, nas Declarações de Jontiem (1990) e Salamanca (1994), não estava presente o termo “atendimento especializado”, que será objeto de debate na política educacional brasileira.

Como pensa Jannuzzi (2004), esses eventos internacionais salientam métodos e técnicas de ensino e têm uma proposta centrada no pedagógico, no seu poder de transformação da realidade, porém, responsabilizam a agência educativa. Tal proposta articula-se à diminuição da atuação do Estado, estimulando o setor privado e as organizações não-governamentais99 a suprir a obrigatoriedade estatal em relação à educação e à saúde (JANNUZZI, 2004).

Mendes (2006) analisa que o princípio da inclusão não é uma ideia nova, pois estava presente desde o movimento pela integração escolar. No Brasil, as instituições privado- assistenciais ocupavam o protagonismo na política, porque a Política Nacional de Educação Especial (PNEE), de 1994, que objetivava conduzir o processo de “integração instrucional” de pessoas com deficiência nas escolas comuns, recomendava que essa integração somente seria possível se houvesse a capacidade de adaptação desses alunos, o que reforçava a ideia de que as instituições filantrópicas continuariam a ser lugar dessas pessoas. Ou seja, segundo esse pensamento, a responsabilidade pela educação desses estudantes caberia exclusivamente ao âmbito da educação especial.

Ethel Rosenfeld, membro do Centro de Vida Independente (CVI) do Rio de Janeiro e do grupo que elaborou a PNEE no ano de 1993, disse que os principais embates na formulação da política deviam-se à garantia da educação escolar, porque alguns representantes defendiam a inclusão ou integração, enquanto outros tomavam a defesa da escola especial, ou ainda a escola residencial (modelo do IBC). (LANNA JUNIOR, 2010).

Para Mazzotta (2011), a Política Nacional de Educação Especial (PNEE),

99 “A expressão Organização Não Governamental nasceu no pós-Segunda Guerra Mundial no cenário internacional” (RYFMAN, 2004, p.18). Entidades similares, empresariais, filantrópicas, religiosas, escolares, existiam no Brasil há muitos anos (PEREIRA, 2003, p. 21-45), elas atuam tanto na manutenção do status quo quanto na perspectiva da transformação da realidade. Na década de 1980, atuando como “apoiadoras” de movimentos sociais, introduziriam novas ambiguidades para a compreensão da relação entre lutas sociais e classes sociais” (FONTES, 2010, p. 267). As ONGs tiveram um papel fundamental no Estado na década de 1990. Fontes (2010, p. 268) analisa que, certas ONGs brasileiras, por meio “[...] de enormes e bem-sucedidas campanhas, adensaram o viés filantrópico e favoreceram, em contrapartida, sua incorporação midiática. Contribuíram decisivamente – ainda que com o coração partido – para o sucesso do desmonte dos direitos universais, a cujo espólio se candidataram a gerir, apresentando-se como as gestoras mais confiáveis dos recursos públicos. Compreendendo ou não o que faziam, com boa ou má vontade, abriram o caminho para o empresariamento da solidariedade, do voluntariado e para a formação de uma nova massa de trabalhadores totalmente desprovidos de direitos, ao lado do fornecimento de uma espécie de ‘colchão amortecedor’ (COUTINHO, 2004)” [grifos meus].

[...] constitui um importante avanço em direção à compreensão da educação especial no contexto da educação, inclusive escolar. Todavia, como já apontado, traz, ainda, muito do caráter assistencial e terapêutico, próprio da ‘educação de deficientes’ do passado, colocando a educação especial como uma transição entre a assistência aos

deficientes e a educação escolar (MAZZOTTA, 2011, p. 139, grifos do autor).

No embate da configuração da educação para as pessoas com deficiência, prevaleceu, na PNEE, o caráter terapêutico da educação especial. Não havia, nessa política, identificação explícita da educação especial com atendimento especializado (educacional ou não). A PNEE de 1994 utiliza a expressão “atendimento educacional especializado”, porém sem conceituá-la ou explorá-la (KASSAR; REBELO, 2013), uma vez que o consenso na formulação da política era uma integração instrucional.

A referida política, então, distanciava-se dos acordos firmados por meio da Conferência Jomtien (1990) e da Declaração de Salamanca (1994). Aliás, a imagem da deficiência mental como incapacitante corroborou a constituição de um movimento em prol da “excepcionalidade” – o Movimento Apaeano –, colocando a instituição como a “guardiã” da deficiência mental (MELETTI, 2006).

Desse modo, na década de 1990, as entidades angariavam atenção e reconhecimento pelos serviços prestados, principalmente porque, no Brasil, o governo de Collor (1990-1992) almejava a modernização da economia e fazia críticas à ação direta do Estado, em especial, nos setores de proteção social (KASSAR, 2011b).

O trecho a seguir resume o posicionamento adotado na época e suas consequências:

Assim, o Brasil inscreve-se na ordem social como um país dependente, com dirigentes e políticos comprometidos com os interesses dos grandes grupos econômicos, com um movimento sindical frágil e um grande potencial de mão de obra que precisa ser qualificada para atrair investidores. Nesse cenário, a escola tem um papel fundamental, o papel de qualificar para o trabalho (CAIADO, 2014, p. 21).

O governo de Collor contribuiu para redirecionar a sociedade brasileira em um sentido anti-estatal e internacionalizante, como medida a “[…] pretensão era construir uma estrutura industrial completa e integrada, usando o Estado como escudo protetor ante a competição externa e como alavanca do desenvolvimento industrial e da empresa privada nacional” (SALLUM JR, 2003, p. 42). Apesar da defesa de um Estado com ações a favor do liberalismo econômico, o governo enfrentou crises políticas, que desgastaram as relações políticas (SALLUM JR, 2003).

denominador comum o liberalismo econômico moderado. Ele assumiu as regras do Consenso de Washington e conduziu seu governo na lógica da reestrutura capitalista: desregulamentação, privatização, desuniversalização (CAIADO, 2014). Como esclarece Sallum Jr, “o alvo central dessas políticas era solapar alguns dos fundamentos legais do Estado nacional- desenvolvimentista, em parte assegurados pela Constituição de 1988, e diminuir a participação do Estado nas atividades econômicas” (2003, p. 44).

As iniciativas de FHC contaram com um novo bloco hegemônico de dominação “[…] adotado por políticos e burocratas com comando sobre o poder Executivo, pela grande maioria de parlamentares, por empresários dos mais variados setores, pela mídia etc. e, gradualmente, dominou a classe média e parte do sindicalismo urbano e das massas populares” (SALLUM JR, 2003, p. 45).

Nesse bloco, incluo a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong)100que, com forte viés filantrópico e ao adotar o papel de “associação das associações”, estabeleceu interlocuções e “parcerias” com “[...] qualquer setor social (movimentos, partidos e governos), integrando as iniciativas do governo FHC, como a Comunidade Solidária” (FONTES, 2010, p. 270).

Por esse motivo e outros, articulados ao sistema neoliberal, no governo de FHC também havia o discurso da construção de uma “terceira via” para a proteção social, que pode ser visto no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado – PDRAE (BRASIL, 1995). Essa reforma dispõe que os setores como a educação e a saúde deveriam ter como corresponsáveis