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Conceitos indeterminados no pedido de suspensão: da grave lesão

2. ASPECTOS GERAIS ENVOLVENDO O PEDIDO DE SUSPENSÃO DE

2.4. Pressupostos de concessão do pedido de suspensão

2.4.2. Conceitos indeterminados no pedido de suspensão: da grave lesão

As expressões trazidas no texto legal para exprimir as hipóteses cabíveis do pedido de suspensão são sobremaneira imprecisas, de modo que o Poder Judiciário possui ampla margem de interpretação, sendo indispensável a análise do caso

64 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 57.

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concreto para averiguação das circunstâncias que possibilitam o correto enquadramento nos casos previstos em lei, como assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL INADMITIDO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. ART. 4º DA LEI 4.348/64.

1. A competência outorgada ao Presidente do Tribunal para suspender a execução de medidas liminares e de sentenças não é exercível discricionariamente. Ao contrário, supõe a ocorrência de pressupostos específicos alinhados em lei (Lei nº 8.437/92, art. 4º; Lei nº 7.347/85, art. 12, § 1º; Lei nº 4.348/64, art. 4º) e nesse aspecto o juízo que então se faz tem natureza eminentemente jurisdicional. É inegável, todavia, que os

referidos pressupostos são normativamente formulados por cláusulas abertas, de conteúdo conceitual com elevado grau de indeterminação ("grave lesão à ordem, à saúde, à segurança, à economia públicas" e "manifesto interesse público", "flagrante ilegitimidade"). Isso exige que a interpretação e aplicação da norma se faça mediante preenchimento valorativo moldado às circunstâncias de cada caso. É

nesse sentido que deve ser entendido o juízo político a que às vezes se alude no âmbito de pedidos de suspensão.

2. Sendo assim, indispensável que é a averiguação das circunstâncias de fato do caso concreto, a decisão que defere o pedido de suspensão fica sujeita a revisão pelo órgão colegiado no tribunal de origem (art. 4º, parte final, da Lei 4.348/64), mas não se mostra amoldada à revisão por recurso especial, nomeadamente em face do enunciado da súmula 07/STJ.

3. Agravo de regimental improvido.66

Desse modo, a verificação do risco de lesão aos interesses públicos previstos em lei é remetida à possibilidade real de dano, pouco importando se este já se iniciou ou não, sendo suficiente que a sustação da eficácia do provimento judicial combatido cesse esse prejuízo. É preciso constatar, igualmente, se existe a possibilidade de revogação do dano, caso os efeitos da decisão impugnada já estejam valendo, pois, se o resultado do estrago não tiver como ser desfeito, não se tornará viável a suspensão pretendida.

A ordem pública é um conceito que deverá ser construído pelo juiz de acordo com o caso concreto, relacionando-se à segurança e tranqüilidade, embora não haja uma explicação perfeita e definitiva para a expressão. É por intermédio da solidez das instituições e dos serviços públicos em regular funcionamento, bem como de elementos relacionados à ordem moral, política, econômica e paz social, que se constata o atendimento à ordem pública. De outro lado, este conceito estaria

66 STJ. 1ª Turma. AgRg no Ag 495680 Processo 2002/0173039-0, j. 20/11/2003, DJ 09/12/2003, Rel. Teori Albino Zavascki. Grifo Nosso.

atrelado à relação harmônica e independente entre as funções do Poder Executivo, Judiciário e Legislativo, sem embargo de um controle mútuo incisivo entre esses poderes. Cumpre salientar que o STF concebeu a ordem pública da seguinte maneira:

O conflito, que o episódio encerra, está submetido regularmente à apreciação do poder Judiciário, que contém competência constitucional para dirimi-lo (...) Nada disso, em clima de normalidade constitucional, com os três poderes estaduais desempenhando regularmente as respectivas funções, poderia afetar a ordem pública ou comprometer a segurança do estado maranhense. Com essas razões, indefiro o pedido.67

Por óbvio, provimento jurisdicional que não seja condizente com a ordem jurídica constitucional dos entes federados, mormente em referência ao relacionamento dos três Poderes, é nocivo à ordem pública, portanto, resta essencial que as regras vigorantes no ordenamento jurídico de nosso país sejam obedecidas.

Não se pode deixar de registrar que a Corte Suprema tem contemplado a noção de ordem pública em distintas versões, ora considerando-a como ordem pública jurídico-constitucional, outras vezes como ordem pública jurídico-processual, ou, ainda, como ordem pública jurídico-administrativa, como se vê nos arestos adiante colacionados:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA: SUSPENSÃO. LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. ICMS: ÍNDICE DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. C.F., art. 158, IV. I. - A concessão de liminar em mandado de segurança que

repete anterior writ denegado pelo Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, confirmado pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça e transitado em julgado, é lesiva à ordem pública, considerada esta em termos de ordem jurídico-constitucional. II. Ocorrência de lesão à

economia pública, dado que o Poder Executivo estadual ficaria obrigado a repartir a receita tributária proveniente do ICMS com diminuição das cotas de participação dos municípios goianos. III. - Agravo não provido.68

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR: LIMINAR. Lei 8.437, de 30.06.92, art. 2º e art. 4º, § 4º, redação da Med. Prov. 1.984- 19, hoje Med. Prov. 1.984-22. ORDEM PÚBLICA: CONCEITO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: C.F., art. 37. ECONOMIA PÚBLICA: RISCO DE DANO. Lei 8.437, de 1992, art. 4º. I - Lei 8.437, de 1992, § 4º do art. 4º, introduzido pela Med. Prov. 1.984-19, hoje Med. Prov. 1.984-22: sua não suspensão pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 2.251-DF, Ministro Sanches, Plenário, 23.08 .2000. II - Lei 8.437, de 1992, art. 2º: no mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa

67 STF. Suspensão de segurança nº 127/MA. Min. Rel. Xavier de Albuquerque. Data julgamento 03/02/1983. DJ 08/02/1983, p. 776.

68 STF. Pleno. Agravo regimental na Suspensão de Segurança nº 1806/GO. Min. Rel. Carlos Velloso. Data julgamento 01/03/2001. DJ 11/10/2001, p. 0008. Grifo nosso.

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jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas. Liminar concedida sem a observância do citado preceito legal. Inocorrência de risco de perecimento de direito ou de prejuízo irreparável.

Ocorrência de dano à ordem pública, considerada esta em termos de ordem jurídico-processual e jurídico-administrativa. III - Princípios constitucionais: C.F., art. 37: seu cumprimento faz-se num devido processo legal, vale dizer, num processo disciplinado por normas legais. Fora daí, tem-se violação à ordem pública, considerada esta em termos de ordem jurídico-constitucional, jurídico-administrativa e jurídico-processual. IV - Dano à economia pública com a concessão da

liminar: Lei 8.437/92, art. 4º. V - Agravo não provido.69

Suspensão de segurança. Liminar concedida em mandado de segurança impetrado, contra a Assembléia Legislativa do Estado, por cidadao que pretende concorrer a vaga de Conselheiro do Tribunal de Contas do mesmo Estado, sustando-se a tramitação de procedimento legislativo em curso em que era apreciado nome ja indicado para prover a vaga. Fundamentação constitucional da causa. Competência do Presidente do STF para conhecer do pedido. Legitimidade da Assembléia Legislativa para requerer a suspensão da liminar. Se a cautelar deferida, em mandado de

segurança, determina que o Poder Legislativo não pratique ato que se arrola entre os de sua competência especifica, atendendo, apenas, a pedido de particular, que não possui, "prima facie", título de direito constituido a impedir o ato legislativo impugnado, há ameaça de lesão grave a ordem pública, nesta compreendida a ordem administrativa em geral, ou seja, a normal execução do serviço público e o devido exercício das funções proprias, no âmbito de qualquer dos Poderes do Estado. Hipótese em que e manifesta a interdição do exercício pela

Assembléia Legislativa de competência concernente ao provimento de cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, que, sem sombra de duvida, não se submete ao procedimento ordinário do concurso público, pretendido pelo impetrante. Desde logo, cabe entender que os princípios do art. 37, I e II, da Constituição Federal, não lhe dizem respeito, sujeita a investidura de Conselheiro ao que se contem no art. 73, paragrafos 1. e 2., da Lei Magna federal. Suspensão dos efeitos da liminar, até o julgamento do mandado de segurança, que se defere. Agravo regimental desprovido.70

A segurança pública, além de apresentar status de direito fundamental consagrado no art. 5º da Constituição, está intimamente ligada ao conceito de ordem pública, consistindo em um dever do Estado e responsabilidade de todos, de acordo com o art. 144 da Carta Magna, além de ser imprescindível para conservar a integridade moral e física dos cidadãos e manter pacífico o convívio social.

Ressalte-se que, em razão da realidade atual de nosso país, relativamente à insuficiente atuação dos órgãos responsáveis pela segurança pública, tal requisito legal configura-se como interesse público de elevada monta, como, a título de exemplo, demonstra o subseqüente acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

69 STF. Pleno. Agravo regimental na petição nº 2066/SP. Min. Rel. Marco Aurélio. Data julgamento 19/10/2000. DJ 28/02/2003, p 0007. Grifo nosso.

70 STF. Pleno. Agravo regimental na suspensão de segurança nº 300. Min. Rel. Néri da Silveira. Data julgamento 06/03/1991. DJ 30/04/1992, p. 05722. Grifo nosso.

AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR. AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO. CIDADE DA FRATERNIDADE. INCRA. RETIRADA DAS 109 FAMÍLIAS DE TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. DISCUSSÃO SOBRE O DOMÍNIO DA ÁREA E LIMITES DA PROPRIEDADE. TEMA COMPLEXO. LESÃO À SEGURANÇA PÚBLICA

CONFIGURADA.

– Não olvidando os relevantes interesses sociais que ambas as instituições em litígio promovem, a retirada das 109 famílias que hoje ocupam a propriedade denominada “Fazenda Paraíso” poderá deflagrar indesejável conflito social a ameaçar a segurança pública, pelo que se mostra razoável a manutenção do status quo até que se ultime o julgamento acerca do jus possessionis sobre a área.

Agravo improvido.71

Diga-se de passagem, é possível vislumbrar a segurança pública até mesmo sob o prisma da segurança jurídica, para evitar atos arbitrários do Poder Público e garantir o apropriado emprego das normas constitucionais e infraconstitucionais e, consequentemente, proteger a previsibilidade e estabilidade das relações jurídicas conforme os princípios do direito.

A saúde pública, como pressuposto para o deferimento da suspensão, é interesse público proeminente, quando se visualiza a necessária proteção contra ações que exponham a integridade física dos indivíduos, facultando o aparecimento de moléstias, devendo ser entendido esse pressuposto tanto em seu sentido estrito (saúde da coletividade), bem como a própria prestação do serviço público (sistema público de saúde), sendo imperioso trazer a seguinte decisão da Corte Suprema:

“Suspensão de segurança. Relevância dos fundamentos jurídicos opostos, pela União Federal, a liminar obstativa da aquisição de medicamentos importados. Grave lesão à saúde pública, caracterizada pela inviabilidade de reposição, em tempo útil, dos estoques da rede hospitalar oficial, a prosperarem os efeitos da liminar.”72

Quando atingidos os cofres públicos em decorrência de decisão judicial exarada contra a Fazenda Pública, bem como ao incidirem danos à macroeconomia brasileira, configurar-se-á lesão à economia pública, outro requisito que possibilita o deferimento da suspensão.

Todavia, cumpre avultar a necessidade de ocorrer grave lesão, de maneira que prejuízos pequenos a serem suportados pelo Estado não preenchem mencionado

71 STJ. AgRg na SLS .790/GO, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, CORTE ESPECIAL, julgado em 13.03.2008, DJ 03.04.2008 p. 1. Grifo nosso.

72 STF. Agravo regimental na suspensão de segurança nº 702/DF. Min. Rel. Octavio Gallotti. Data julgamento 12/02/1994. DJ 24/02/1995, p. 03679.

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requisito legal, concluindo-se que os valores discutidos devem ser substanciais, ou mesmo além da dotação orçamentária do ente estatal responsável, o que majoraria as perdas. Por outro lado, também é importante advertir que já decidiu o STJ a existência de grave lesão à economia pública em razão de decisão judicial que privilegiou o interesse particular, em detrimento do interesse público, não importando apenas o montante do débito73.

Por fim, a demonstração das despesas e receitas, assim como a discriminação detalhada da lesão a ser onerada pelo ente público, será meio de prova passível de permitir o deferimento da medida de contracautela requerida, sobretudo porque nem todas as demandas que postulam abrandar o pagamento de tributos repercutirão imediatamente na arrecadação pelos órgãos fazendários. O contribuinte não pode suportar aquilo que é de responsabilidade estatal, inferindo-se que, quando a redução da arrecadação não afeta os dispêndios obrigatórios constantes na Carta Magna, não é sensato servir-se da alegação de grave lesão à economia pública.

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