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3. DO PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE SUSPENSÃO

3.8. Cumulação de suspensões

É possível que através de única petição sejam requeridas suspensões relativas a diferentes decisões, ou, ainda, que uma suspensão já deferida seja estendida para outros casos análogos, que possuam o mesmo objeto daquela que serve como paradigma. A Medida Provisória nº. 1984-16/2000 acrescentou o §8º do artigo 4º da Lei nº. 8.437/92, passando esse dispositivo a dispor que: “as liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, cabendo ao presidente estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido inicial”.

O objetivo da inovação normativa foi afastar a chamada “jurisprudência lotérica” do Poder Judiciário, minimizando as divergências de posicionamentos entre juízes que analisam casos idênticos de maneira frequentemente antagônica, malferindo o princípio da isonomia. Ademais, como relata Juvêncio Vasconcelos Viana, a medida proporciona economia processual, além de possuir utilidade na demonstração do comprometimento à ordem pública101.

Por outro lado, essas suspensões de várias decisões similares nem sempre analisam corretamente o caso concreto, presumindo situações fáticas que possivelmente não possuem correlação com a realidade, ainda mais quando se vislumbra a posição de superioridade da Fazenda Pública, nesse caso, restringindo cada vez mais os direitos dos indivíduos em face do Estado. Adverte, nessa seara, Flávia Monteiro de castro Brandão:

Ninguém pode ser atingido pela função jurisdicional sem que tenha o direito de concorrer para o seu exercício. Ada Pellegrini Grinover, com muita propriedade, assevera que ‘princípio de que ninguém pode ser julgado sem ser ouvido (nemo inauditus potes) decorre do princípio da isonomia. Assim, é gritante a inconstitucionalidade desse dispositivo, pelo que deve ser expurgado o quanto antes da ordem jurídica.102

101 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do Processo em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 2003, p. 242.

102 BRANDÃO, Flávia Moreira de Castro. “A suspensão das medidas de urgência nas ações contra o Poder Público à luz do devido processo legal”. Revista Dialética de Direito Processual n. 4, São Paulo: Dialética, jul/2003, p. 39/40.

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CONCLUSÃO

Por meio do presente trabalho foi possível constatar que o escopo do incidente de suspensão de decisões judiciais é primordialmente a defesa dos interesses da coletividade, embora se apresente como um instituto conturbado e bem complexo, principalmente quando percebemos as significantes divergências doutrinárias e posicionamentos jurisprudenciais diversos, que, de mais a mais, vêm se transformando ao longo do tempo.

A natureza jurídica do pedido de suspensão, como foi visto, não é pacífica entre os doutrinadores, embora, em nosso entendimento, seja mais acertado considerá-lo como um incidente processual de natureza cautelar, destinando a ser contracautela utilizada pelo Poder Público na defesa da ordem, da segurança, da saúde e da economia pública, minorando os ricos de grave lesão. Assim, cumpre lembrar que o prejuízo para o Estado tem que ser significante, não sendo qualquer risco pouco extenso que permite a interposição do incidente, mas apenas aqueles que manifestamente atrapalhem o bem-estar social. Verifica-se, portanto, que o mecanismo estudado não se trata de recurso, tampouco de exercício de ação.

De outro lado, a legitimidade conferida às pessoas jurídicas de direito público para interpor o incidente deve ser entendida não da maneira tradicional, e sim mais amplamente, para abarcar nesse conceito as autarquias, fundações públicas, incluindo até mesmo pessoas jurídicas de direito privado em situações especiais, por meio de delegação de serviços públicos, além de serem legitimadas também as pessoas físicas em exercício de funções públicas, buscando a proteção dessas funções, assim como órgãos públicos despersonalizados e o Ministério Público.

A apreciação do incidente será efetuada pelo presidente do tribunal que está diretamente acima, hierarquicamente, do órgão prolator da decisão impugnada, ressaltando-se a importância do contraditório durante o procedimento. Embora a legislação não preveja a obrigatoriedade de seu emprego, para melhor satisfação dos princípios constitucionais é aconselhável a manifestação da parte adversa e do parquet anteriormente à decisão da presidência, salvo quando a urgência da medida tornar isso impraticável. Nesse sentido, lembra-se a necessidade de realizar uma

ponderação entre a efetividade da tutela jurisdicional e a supremacia do interesse público.

Ademais, os pressupostos previstos em lei para a concessão da decisão suspensiva devem ser atendidos, cumprindo destacar que, nada obstante os interesses públicos relevantes (ordem, saúde, economia e segurança públicas), se baseiem em conceitos indeterminados, extremamente vagos, não há discricionariedade do julgador.

Não há, normalmente, exame do mérito da causa principal, inexistindo análise acerca da juridicidade do provimento que se pretende sobrestar. Contudo, tem-se permitido realizar sumario cognitio dos fundamentos da ação principal, para caracterizar o fumus boni iuris e periculum in mora, urgindo ressalvar que essa não demonstra ser uma orientação pacífica.

Não há prazo fatal estabelecido em lei para o requerimento do incidente, acrescentando-se observação em relação à eficácia da medida suspensiva determinada pelo presidente do tribunal competente, atinente à ultra-atividade da mesma, permitindo-se que os efeitos de tal deliberação sejam prorrogados até a decisão de mérito na demanda principal, lembrando que a doutrina e jurisprudência examinam esse instituto emanando diversas críticas, expostas ao longo do presente trabalho.

Além disso, o agravo interno previsto contra a decisão que defere ou indefere o pedido de suspensão foi modificado em relação ao mandado de segurança. Anteriormente à revogação da Súmula 506 do STF, esse recurso não poderia ser manejado nos casos de decisão denegatória de segurança, por falta de previsão legal, entendimento este que foi modificado. Atualmente, é possível, da decisão que aprecia suspensão em ação mandamental, a interposição de agravo interno tanto da decisão que defere como da que indefere o incidente.

De mais a mais, a renovação da suspensão para o STF ou STJ, que na prática apresenta características recursais, e a cumulação de suspensões que possuam o mesmo objeto, evitando a chamada “jurisprudência lotérica” são mecanismos de grande importância, embora polêmicos, que possuem o intuito de resguardar o interesse da coletividade. A verdade é que, em razão de sua excepcionalidade, o

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incidente suspensivo deve ser utilizado cuidadosamente, evitando-se, assim, que um mecanismo tão importante como este recaia em inconstitucionalidade ou arbitrariedade.

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