• Nenhum resultado encontrado

6. Neotectônica: Revisão conceitual

6.1. Conceituação

A origem do conceito de neotectônica remonta à década de 1940, quando Hills (1940) mostrou, pela primeira vez, a existência de falhas condicionando o quadro geomorfológico da Austrália. Segundo o autor, tais falhas teriam se instalado em coincidência com zonas de movimentação mais antigas, que apresentavam evidências de uma longa história de deslocamentos (Hasui, 1990).

Apesar dos estudos de Hills, foi Obruchev (1968) quem reconheceu a importância dos processos geológicos recentes e/ou ativos e propôs um ramo novo e independente dentro das Geociências. Assim, o termo “Neotectônica” foi criado para indicar o estudo dos movimentos da crosta terrestre atuantes durante os períodos Neógeno e início do Quaternário, que assumiram um papel decisivo na formação da topografia contemporânea. Para o autor, o tempo de ocorrência desses movimentos marcaria um estágio neotectônico especial de desenvolvimento da Terra, conectado com a evolução da topografia atual e com a estrutura de continentes e assoalhos oceânicos. Seguindo este conceito, Nikolaev (1962 apud Fairbridge 1981) afirma que os processos tectônicos do Cenozóico Superior teriam reativado formas estruturais antigas ou criado novas formas que apresentam expressões evidentes no relevo da superfície terrestre.

Em 1946, Gerasimov introduziu uma idéia de “Morfoestrutura” para descrever feições de relevo atuais decorrentes de estruturas tectônicas (Meschericov, 1968), enquanto o termo “Morfotectônica”, que surgiu no início da década de 1970, resultou da tentativa de combinar o fenômeno geomorfológico com a neotectônica (Pavlides, 1989).

Basenina et al. (1976) redefinem o termo morfoestrutura como formas da superfície terrestre de origem tectônica que foram modificadas, até um determinado grau, por processos exógenos, podendo surgir tanto como conseqüência de movimentos crustais recentes e atuais, como também antigos (morfoestruturas ativas e passivas, respectivamente). O conceito de morfoestrutura, na terminologia geomorfológica soviética, abrange todos os elementos estruturais do relevo vinculados à construção geológica da crosta terrestre e às diferentes resistências das rochas aos processos de intemperismo (morfoestruturas passivas), além dos movimentos crustais antigos e recentes que possuem participação direta na gênese das formas de relevo superficiais (morfotectônica ou morfoestruturas ativas).

Segundo Panizza & Piacente (1978), a morfoestrutura compreende a unidade do relevo em escala regional cuja origem está relacionada a eventos tectônicos pós-paleozóicos,

conservando grande linearidade do seu aspecto original, enquanto que a morfotectônica trata a forma do relevo como conseqüência geomorfológica da movimentação tectônica atual.

Até então, os autores apresentavam evidências da neotectônica apenas nas estruturas de superfície. Porém, em 1968, Meschericov, através de estudos sísmicos e gravimétricos, observou que os movimentos neotectônicos também eram revelados em estruturas profundas da crosta terrestre. O autor também relatou a atuação desses movimentos em regiões intracratônicas tais como as planícies Norte Americana e do Leste Europeu, os platôs da Sibéria e do Colorado e as plataformas Africana e Brasileira.

A partir da década de 1970, com o reconhecimento da importância da neotectônica na evolução da crosta continental, várias propostas de definição foram apresentadas, criando um amplo leque de termos, tais como: movimentos contemporâneos (dos últimos 6.000 anos), movimentos novíssimos (Neógeno e Quaternário mais antigo), movimentos jovens (Holoceno), tectônica ativa e tectônica viva. Estes termos refletiram o problema decorrente das dificuldades de se tentar generalizar métodos de investigação, época de início na Terra e aplicações (Hasui & Costa, 1996).

Foi neste contexto, que a INQUA (Association for the Study of the Quaternary Period), (INQUA 1978) adotou a definição de neotectônica, atualmente em vigor a nível internacional, como o campo que estuda qualquer movimento da Terra ou deformação do nível geodésico de referência, seus mecanismos e sua origem geológica, independentemente da sua idade, suas implicações práticas e extrapolações futuras. A partir daí, estabeleceu-se que os movimentos neotectônicos não seriam mais atrelados à concepção puramente verticalista e todo o acervo de deformações de caráter rúptil e/ou dúctil, ocorridos no período dito neotectônico, passou a ser considerado (Saadi, 1993).

A delimitação deste período neotectônico não é uma tarefa fácil, já que várias partes do globo estão submetidas a tensões relacionadas com estágios diferentes de evolução tectônica e estão localizadas em diferentes posições em relação ao arranjo das placas litosféricas (Saadi, 1993). No entanto, há um consenso entre os autores de que o objeto de estudo são os movimentos tectônicos mais novos, relacionados à última reorganização tectônica regional, cuja idade de origem depende da região estudada (Hasui & Costa, 1996). Embora as opiniões da maioria dos autores tenham sido expressas de maneiras diferentes, conseguiu-se o estabelecimento da relação obrigatória entre neotectônica e configuração da morfologia atual, independentemente da idade das feições estudadas. Existe uma ausência de limites temporais, sendo considerados movimentos neotectônicos desde os instantâneos até aqueles de idade

superior a 107 anos, se isso for necessário ao entendimento da origem dos movimentos registrados (Saadi, 1993).

De acordo com esta concepção, Pavlides (1989) esclarece que a neotectônica é o estudo dos movimentos tectônicos recentes que ocorreram ou ainda estão ocorrendo numa região após sua orogênese final (pelo menos nos casos em que ocorreu orogênese recente) ou, mais precisamente, depois da sua última reorganização tectônica significativa. Os eventos neotectônicos estão estritamente conectados com a configuração e evolução da morfologia atual, e necessitam de uma análise detalhada com resultados diretamente compatíveis com as observações sismológicas.

Pavlides (1989) ainda acrescenta que os estudos neotectônicos abrangem movimentos horizontais e verticais de escala local a global, especialmente aqueles associados a tectonismo regional, arquitetura de zonas de falhas recentes e/ou ativas e sua relação com outras estruturas, geomorfologia tectônica, sismotectônica, vulcanotectônica, comparação de dados geodésicos com o registro geológico de deformação e análise dos padrões de stress (strain).

Em 1981, Fairbridge reuniu em seu trabalho as evidências da atuação da neotectônica, em termos de movimentos crustais verticais e horizontais, documentadas por vários autores na década de 1970. Para movimentos crustais verticais, tais evidências foram encontradas em estudos de inundações recorrentes em terras baixas costeiras (Países Baixos, Norte da Alemanha, sudeste da Inglaterra e o Delta do rio Pó na Itália); flutuações rápidas do nível do mar em regiões vulcânicas instáveis (Baía de Tóquio e Baía de Nápoles); regiões soerguidas por movimentos isostáticos pós-glaciais (plataformas Escandinávia e Canadense) e, ainda, amplos cinturões de subsidência lenta que marcam regiões periglaciais (sul dos mares do Norte e Báltico). Quanto aos movimentos horizontais, os exemplos mais significativos, onde se pode observar a atuação da neotectônica extensional são o Gráben Central da Groelândia, o Sistema Transcorrente Mar Morto/rio Jordão e a Falha de Santo André na Califórnia.

Com base neste estudo, o referido autor subdividiu a susceptibilidade neotectônica da crosta continental terrestre dentro de seis províncias geotectônicas:

• Plataformas Continentais: RVCMs (Movimentos Crustais Verticais Recentes) inferiores a 1 mm/ano-3 e movimentos horizontais indetectáveis;

• Cinturões Orogênicos Cenozóicos: RVCMs localmente superior a 20 mm/ano-1

e movimentos horizontais raramente maiores que 1 mm/ano-1;

• Cinturões Orogênicos mais velhos que o Fanerozóico: RVCMs superiores a 5 mm/ano-1, soerguimentos neotectônicos superiores a 1 mm/ano-3 e movimentos horizontais indetectáveis;

• Bacias Intra-Orogênicas: RVCMs superiores a 10 mm/ano-1

, neotectônica diferencial superior a 5 mm/ano-2 e movimentos horizontais superiores a 1 mm/ano-1 (extensional ou cisalhamento);

• Bacias Intracratônicas: RVCMs superiores a 5 mm/ano-1

, neotectônica diferencial superior a 2 mm/ano-2 e movimentos horizontais superiores a 1 mm/ano-1 (extensional ou cisalhamento);

• Margens de Placas Rifteadas: RVCMs superiores a 10 mm/ano-1

, neotectônica superior a 1 mm/ano-2 e movimentos horizontais potencialmente catastróficos.

No Brasil, o estudo neotectônico teve um avanço significativo a partir da caracterização de um modelo tectônico para a intraplaca brasileira, baseada principalmente no trabalho de Hasui (1990). Diversos estudos foram desenvolvidos e a Amazônia, em especial, mostrou ser uma importante região onde os fenômenos neotectônicos são notáveis no controle do sistema fluvial.

Documentos relacionados