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6. Neotectônica: Revisão conceitual

6.3. Neotectônica na Amazônia

O mérito da primeira referência sobre eventos tectônicos na região amazônica deve-se à Sternberg (1950) no trabalho intitulado “Vales tectônicos na Planície Amazônica”. Segundo o autor, o sistema hidrográfico dessa região está condicionado a lineamentos estruturais com direções NE-SW e NW-SE. As evidências tectônicas apontadas foram os padrões retilíneos de rios como, por exemplo, os dos rios Negro, Urubu e Preto da Eva, as inflexões em ângulo reto (em cotovelo), e a formação de segmentos de drenagens paralelos (Figura 14). O autor apontou como causa desse fenômeno o desequilíbrio isostático decorrente do processo de subsidência na foz do rio Amazonas.

Evidências posteriores acerca da manifestação de tectonismo na região Amazônica foram mencionadas nos levantamentos geológicos executados no Projeto Radambrasil nas folhas SA.22 – Santarém, SA.20 – Manaus e SB.20 – Purus (Nascimento et al., 1976, Costa et al., 1978 e Mauro et al., 1978). Nestes trabalhos, as idéias de Sternberg (1950) e Tricart (1977) foram fundamentais para a análise dos processos geomorfológicos recentes.

Na Folha SA.22 – Santarém, Nascimento et al. (1976) descrevem o controle tectônico dos rios da margem esquerda e direita do rio Amazonas, respectivamente rios Preto da Eva, Urubu, Anebá, Uatumã, Jatapu, Nhamundá e Trombetas, segundo a direção NW-SE, e a dos rios Paraconi, Maués-Açu e Mamuru, segundo NE-SW. Vários exemplos de anomalias são mencionados tais como a existência de furos, rios com foz afogada e lagos “adaptados à tectônica”, cuja causa foi atribuída ao ajuste tectônico e à reativação no Quaternário de zonas de fraquezas tectônicas.

Dentre as feições indicativas de neotectonismo notados na Folha Manaus, Costa et al. (1978) enfatizam a ocorrência de lagos, escarpas fluviais, canais assimétricos, capturas e barramento de drenagens, rias fluviais, migração de canais (avulsão), desenvolvimento de terraços assimétricos, meandramentos anômalos e subsidência localizada. Exemplos de rios encaixados em zonas de falha também foram citados, como, por exemplo, a orientação do rio Negro. A formação de depósitos anômalos no Arquipélago de Anavilhanas e a migração do canal desse rio, que ocorre na região de Barcelos, são indicadores de basculamento tectônico decorrente da ativação tectônica no Holoceno.

-61 -60 -59 -3 50 0 50 100 kilometros -61 -60 -59 MANACAPURU MANAUS R io T aru -A çu R io U ru bu R io P re to d a E va Rio Solimões Rio Am azona s R io N eg ro

Figura 14. Lineamentos dos rios afluentes da margem esquerda do rio Amazonas (modificado de Sternberg 1950).

Segundo Iriondo (1982), a sedimentação quaternária no rio Amazonas mostra uma série de “indícios indiretos” da manifestação tectônica na geomorfologia. Indicadores como alargamento da planície aluvial, divagação de canais, abundância de lagos e a grande curvatura de bancos e de meandros são decorrentes de subsidência tectônica, enquanto que o estreitamento de planícies, trechos retilíneos ou poucos divagantes de canais, mudanças angulares de direção dos canais e a ausência de lagos e de bancos com fraca curvatura são devido a soerguimentos tectônicos. Segundo o autor supracitado, falhas modernas são as causas da formação das rias fluviais.

A partir da análise da drenagem nos estudos de Cunha (1982) e Miranda (1984), foi possível o reconhecimento de anomalias morfoestruturais em várias áreas da região amazônica. Nesses estudos tais anomalias foram interpretadas como resultante de estruturas antigas reativadas recentemente.

Miranda (1984) apontou vinte e três anomalias morfoestruturais na rede de drenagem na região da Bacia do Solimões. Estas anomalias estão relacionadas a feições profundas, tais como domos, depressões estruturais ou falhamentos antigos do embasamento, que se propagaram nas formações mais novas da bacia.

Na região de Manaus, Franzinelli & Piuci (1988), Piuci & Franzinelli (1989), Igreja & Franzinelli (1990) mostraram ocorrências de falhas neotectônicas em afloramentos na Formação Alter do Chão (Grupo Javari da Bacia do Amazonas). O modelo neotectônico apontado por Igreja & Franzinelli (1990) e Franzinelli & Igreja (1990) para a área do baixo rio Negro, no qual as falhas normais NW-SE condicionam os rios Baleteiro, Tucumã, Coanã e Negro e as falhas de transferência NE-SW controlam os rios Apuaú e Cuieiras, se enquadrou no binário transcorrente

destral proposto para o país por Hasui (1990). A pesquisa conclui que o rio Negro é uma estrutura do tipo hemigráben escalonado para nordeste (Figura 15).

Feições estruturais que afetam a Formação Alter do Chão têm sido observadas por diversos pesquisadores em seções sísmicas nas bacias do Amazonas e Solimões. Nesse contexto juntam-se os trabalhos de Campos & Teixeira (1988), Eiras & Kinoshita (1988, 1990), Barbosa Filho et al. (1989), Travassos & Barbosa Filho (1990), Wanderley Filho (1991), Wanderley Filho & Costa (1991), Neves (1990), Costa et al. (1991, 1994), Miranda et al. (1994), Costa (1996), Costa (2003), Silva (2005) e Silva et al. (2007). As estruturas mapeadas apontam para um sistema compressivo e/ou transcorrente composto por dobras assimétricas com eixo orientado NE-SW, associadas a falhas reversas en échelon e por estruturas transpressivas e transtensivas (estruturas em flor). As hipóteses de halocinese não têm sido muito aceitas como causa principal, mas sim os processos tectônicos que posteriormente ativam a migração de camadas de sal.

Figura 15. Modelamento neotectônico da região do baixo rio Negro com pulso predominantemente distensivo. Modificado de Franzinelli & Igreja (1990).

Segundo Fernandes Filho (1996), as falhas observadas na cidade de Manaus são do tipo normal, orientadas segundo NW-SE e NE-SW, e transcorrentes destrais NE-SW e E-W. Esse conjunto de estruturas ligadas ao sistema transcorrente destral possibilitou a formação da bacia pull-apart de Manaus. Conforme o autor, esse ambiente tectônico foi desenvolvido em três pulsos: um transpressivo, no Mioceno, um transtensivo no Pleistoceno Médio a Superior e um transcorrente no Pleistoceno Superior-Holoceno. A sismicidade observada na região se deve a este último episódio tectônico (Fernandes Filho, 1996, Fernandes Filho et al., 1995, 1997).

Sobre o processo de sismicidade, Miranda et al. (1994), em estudos na região do rio Uatumã (AM), sugeriram esforços distensivos WNW a NW, que afetaram a Formação Alter do Chão e os depósitos de colúvio, seguido por esforços compressivos de mesma direção, posterior à fase extensional. A região do interflúvio dos rios Uatumã-Anebá, cerca de 300 km a oeste de Manaus, mostra um processo de soerguimento que pode ser notado pelos mecanismos de aprofundamento e migração do rio Uatumã sobre o seu substrato paleozóico.

O entendimento regional das principais estruturas e feições neotectônicas na Amazônia está reportado nos estudos de Costa & Hasui (1991), Costa et al. (1991), Hasui (1996) e Costa & Hasui (1997). O modelo proposto pelos autores mostra a atuação do sistema distensivo, importante para a sedimentação da Formação Alter do Chão (Cretáceo) e a posterior predominância do sistema transcorrente destral em concordância com o regime estabelecido por Hasui (1990). Nesse regime tectônico moderno, o sistema de drenagem foi fortemente controlado por estruturas transcorrentes compatíveis com as descontinuidades do modelo de Riedel: eixo do rio Amazonas segundo a componente Y ou D e afluentes orientados em zonas de fraturas P, R, R’ e T (Bemerguy & Costa 1991, Costa et al, 2001). Junções tríplices, designadas de Baixo Tapajós e Marajó-Mexiana, respectivamente dos tipos R-R-T e T-T-R, e áreas transtrativas próximas a Manaus (entre Manaus e Manacapuru) e no litoral norte do Pará caracterizam o arcabouço neotectônico da Amazônia (Costa et al., 1994, Costa & Hasui, 1997 e Costa et al., 2001) (Figura 16).

Costa & Hasui (1997) apresentam o arcabouço neotectônico da região centro-oeste do Amazonas em termos de um segmento transpressivo que se desenvolveu entre dois cinturões transcorrentes a partir de movimentação direcional destral. Segundo esses autores, a região situada entre a cidade de Benjamim Constante e o baixo curso do rio Purus, onde a área de estudo está localiza, é caracterizada por um padrão de drenagem paralelo, controlado por feixes de lineamentos NNE-SSW a NE-SW, interpretados como falhas inversas, que se conectam às falhas transcorrentes E-W, freqüentemente encontradas a sul e norte da referida região.

A compilação de importantes lineamentos do Quaternário do Brasil está sumarizada no mapa do Serviço Geológico Americano (USGS) e foi apresentado por Saadi et al. (2002). Esse mapa mostra a localização, idade e taxa de atividade das principais feições (lineamentos, falhas e dobras), além da atividade sísmica relacionada a cada estrutura (Figura 17). Conforme o citado mapa, os esforços que provavelmente ocasionaram as estruturas que modelam o quaternário na Amazônia (stress máximo – SHMÁX) têm direção NW-SE para a região da Bacia do Amazonas. Isso é concordante com os dados de breakout em poços referidos por Miranda et al. (1994), que aponta compressão proveniente de noroeste para a região Amazônica.

A ocorrência de importantes eventos sísmicos nas circunvizinhanças de Manaus levou Mioto (1993) a criar a Zona Sismogênica de Manaus (Figura 19). O principal evento sísmico ocorrido e que Mioto (1993) tomou como base foi aquele em Codajás em 1983, cuja magnitude foi da ordem de mb = 5,5 (Assumpção et al., 1983). O registro sísmico mais recente com epicentro na região Amazônica foi o do Parque Nacional do Jaú, em 8 de fevereiro de 2005, similar ao de São Gabriel da Cachoeira (região do alto rio Negro) em 15.03.1999, com magnitude, para ambos, de Mb = 4,4 (Tabela 1, Figura 19). Um quadro dos principais sismos na Amazônia foi apresentado por Silva (2005).

Na abordagem morfotectônica, alguns trabalhos dão destaques à compartimentação geomorfológica condicionada por elementos tectônicos. Bemerguy (1997) demonstra uma série de feições tectônicas controlando o relevo entre Manaus e Belém. Nesse amplo estudo geomorfológico, a autora identifica que a região próxima a Manaus está situada num importante compartimento, o qual foi denominado de Compartimento Manaus – Nhamundá.

Bezerra (2003), em sua compartimentação morfotectônica na Folha SA.20 Manaus, mostra a existência dos seguintes compartimentos morfotectônicos: Compartimento Transpressivo rio Juruá – rio Purus, Compartimento Transcorrente rio Madeira – rio Purus, Compartimento Transcorrente rio Negro – rio Japurá, Compartimento Transtensivo rio Negro – rio Solimões e Compartimento Transtensivo rio Branco – rio Negro. Nos compartimentos transcorrentes predomina essencialmente feições associadas a falhas transcorrentes, enquanto que nas áreas transtensivas e transpressivas há a predominância de estruturas extensionais e compressivas, ambas relacionadas ao sistema transcorrente. A área de estudo está envolvida em dois compartimentos com natureza tectônica diferenciada, ou seja, no Compartimento Transpressivo rio Juruá – Purus e no Compartimento Transtensivo rio Negro – rio Solimões.

Figura 16. Mapa estrutural do Terciário (A) e Quaternário (B) ao longo da calha do rio Amazonas, modificado de Costa et al. (2001).

Figura 17. Falhas e lineamentos quaternários no Amazonas, modificado do Mapa de Falhas do Quaternário no Brasil de Saadi et al. (2002). As falhas do rio Negro e Barcelos são normais. A Falha do rio Madeira foi considerada como transcorrente destral e para as demais foi atribuída a movimentação inversa com componente transcorrente associada.

Figura 18. Mapa de localização do epicentro do sismo de Codajás (AM), segundo Assumpção et al. (1983), caracterizando a Zona Sismogênica de Manaus, conforme Mioto (1993). A seta vermelha próxima ao epicentro indica a direção de compressão.

Local Data Hora Epicentro (lat/long)

Magnitude Prof.

(km) Observação

01 rio Purus 1785

02 Alto rio Negro 1798

03 rio Purus 1827

04 rio Purus 1840

05 Manaus 29.01.1885 -3.13 -60.00

06 Itacoatiara 1906

07 Lábrea 1917 -7.26 -64.79 Ano incerto

08 Igarapé Perseverança 21.01.1921 -4.10 -59.35

09 Manaus 1922

10 Três Casas 1941 -7.00 -62.70 Ano incerto

11 Benjamin Constant 01.11.1947 11h 58 min

12 Careiro 16.08.1952 -3.20 -59.77

13 Sul do Amazonas 16.04.1957 15h 17min 12s -9.50 -67.00

14 Norte Amazonas 03.10.1961 17h 35min 54 s 0.40 -63.00 4.0 Caracas, Trinidad-Tobago

15 Manaus 13.12.1963 21h 05min 42s -2.30 -61.01 5.1 45 H= 45 (ISS)

16 Manaus 10.02.1967

17 Sudoeste Amazonas 11.05.1967 23h 21min 43s -7.17 -73.30

18 Leste Amazonas 18.05.1975 02h 42min 18s -4.00 -59.00

19 Colômbia/Amazonas 22.06.1975 11h 04min 44s 1.50 -70.30 3.5 (ISS)

20 Hidrelétrica Balbina 08.10.1976 17h 01min 12s -2.00 -59.80

21 Oeste Amazonas 06.03.1980 06h 46min 18s -6.17 -71.16 4.8 H=8(ISC,H=67?)

22 Manaus 02.09.1980 22h 36min 03s -3.30 -60.00

23 Amazonas 17.02.1981 05h 00min 00s -4.40 -70.40 3.4 (UnB)

24 Codajás 05.08.1983 03h 21min 42s -3.59 -62.17 5.5 H=23(UnB,IAG)

25 Codajás 05.08.1983 05h 24min 18s -3.59 -62.17 3.5 (UnB) réplica

26 Codajás 05.08.1983 07h 07min 14s -3.59 -62.17 2.6 (UnB)

27 Amazonas 05.07.1984 3.5

28 rio Tefé 05.03.1986 22h 51min 39s -4.50 -65.90 3.8 (UnB)

29 rio Aripuanã 07.12.1986 3.8

30 Barcelos 28.01.1987 03h 59min 56s -0.04 -63.22 3.9 (UnB)

31 rio Cuiuni 06.06.1988 09h 25min 31s -1.44 -64.82 3.8 (UnB)

32 rio Jatapu 03.09.1988 3.8

33 Amazônia 08.06.1989 12h 26min 00s -1.32 -64.13 3.7 (UnB)

34 Amazonas 09.06.1997 14h 20min 06s -5.58 -71.78 4.7 H=603(UnB,NEIS)

35 São Gabriel da Cachoeira 15.03.1999 4.4

36 Balbina 27.05.2001 09h 50min 00s -1.30 -60.50 3.7 Induzido?

37 Amazonas 20.06.2003 06h 19min 38s -7.54 -71.62 7.1 555,8 USGS(NEIC)

38 Parque Nac. do Jaú 08.02.2005 18h 04min 22s -2,22 -63.62 4.4 18 (UnB)

Tabela 1. Sismos ocorridos na região de estudo com base em Berrocal et al. (1984), Bezerra (2003) e informações do Observatório Sismológico da UnB. Os sismos que possuem valores das coordenadas cartográficas (hachura) estão representados no mapa da Figura 19, conforme Silva 2005.

Por fim, os estudos de Silva et al. (2003), Silva (2005) e Silva et al. (2007) têm apresentado um quadro morfotectônico da região adjacente à Manaus e também na região de Coari, consistente com o controle de importantes zonas de falhas mapeadas na paisagem Amazônica. Nesse contexto, a sedimentação aluvionar holocênica está aprisionada em bacias tectônicas quaternárias. O quadro tectônico apresentado por Silva (2005) mostra que essa atividade é responsável pelo controle na paisagem atual. O autor apontou quatro etapas de deformação tectônica. O mais antigo, do Cretáceo, compreende o sistema distensivo que resultou na deposição da Formação Alter do Chão, o qual foi associado às falhas normais sindeposicionais NE-SW e NNW-SSE. Posteriormente, as rochas cretáceas foram deformadas por falhas inversas NE-SW associadas a um regime transpressivo. O quadro final principal da tectônica cenozóica, principalmente no Quaternário, responde por um conjunto de falhas normais que interagem com falhas transcorrentes destrais e sinistrais para a formação de bacias quaternárias, onde a planície aluvionar dos sistemas dos rios Solimões – Amazonas e Negro e a paisagem da região estão condicionados pelas estruturas. O regime de tensão mostra que os tensores σ1 e σ3 têm orientação NW-SE e NE-SW, respectivamente, sendo ambos suborizontais,

enquanto que σ2 é subvertical. Essas estruturas foram associadas ao regime tectônico

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