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2 O HOMEM E A NATUREZA – UMA RUPTURA ONTOLÓGICA

2.1 A origem da filosofia da natureza

2.1.5 Concepção humanista da natureza – as ideias de Kant (1724-1804)

natureza é a existência em si, sem interior, sua divisão é imaginativa e seus processos resultam de leis (Descartes discorre em Discurso do Método), como um mecanismo. Apenas o TODO existe verdadeiramente, causalidade e finalidade já não se distinguem, pois, a natureza exprime o funcionamento ou imagem de máquina (MERLEAU-PONTY, 2006).

Merleau-Ponty (2006) associa ainda ao pensamento de Descartes, algumas conclusões inspiradas a partir de Spinoza (1632-1677) quando deduz que o primeiro filósofo avalia:

a) A finalidade será circunscrita enquanto exercício do pensamento infinito de Deus;

b) A natureza é como Deus, tem a mesma essência e é tudo que pode ser

– positividade absoluta;

c) ideia de natureza resulta da prioridade dada ao infinito sobre o finito; d)Tal como a inércia em física, há uma espécie de inercia da essência. Com efeito, Descartes efetuaria, depois da demonização cristã do animal, o primeiro corte moderno entre este e o homem, aproximados na Antiguidade por meio da noção de alma, tanto em Platão quanto em Aristóteles, que reconhecia uma alma sensitiva, uma alma racional e uma alma vegetativa. Para Descartes o homem é o animal racional, tendo na sua razão ou na linguagem a diferença que o distingue da animalidade. Mas o ser do homem coincide, de acordo com o ponto de vista cartesiano, que é o ponto de vista moderno, com a evidência do pensar. O animal é o que de mais estranho a nós se torna. É o grande Outro porque é um corpo sem alma, um simples mecanismo. Essa é a teoria mecanicista de Descartes que prevaleceu nos séculos XVII e XVIII.

2.1.5 Concepção humanista da natureza – as ideias de Kant (1724-1804)

A concepção humanista da natureza começou em Descartes (1596-1650), mas é com Kant (1724-1804) que essa concepção tem pleno desenvolvimento. A partir deste último filósofo a natureza deixa de ser construída por Deus e passa a ser resultado da razão humana.

Até Descartes (1596-1650), as reflexões ainda não excluíam Deus das análises, houve um esforço em separar, mas o contexto histórico social era muito favorável às reflexões que retiravam Deus e o que Ele representava das considerações filosóficas e teóricas naquele momento. Kant retorna à metafísica do absoluto, mas o absoluto agora não é mais substância, ele é sujeito.

Ao escrever Crítica da Razão Pura, Kant (1724-1804) buscava respostas quanto ao processo de construção do conhecimento seja quanto ao seu requisito de validade ou quanto a sua verdade. Essas respostas também eram objeto das grandes escolas filosóficas, os filósofos racionalistas pensavam o conhecimento a partir da razão (podemos colocar nesta escola Platão, Descartes, Leibniz e Espinosa, etc). Enquanto que, os filósofos empiristas pensavam o conhecimento a partir da experiência (Aristóteles, Hobbes, Locke, Berkeley, Hume, etc).

Em ambas as escolas, vislumbramos dificuldades, a razão especulativa, por não confirmar/validar suas investigações em testes práticos, incorre no risco de se tornar dogmática. Já o empirismo opõe-se ao ceticismo, que argumenta que a Natureza é o reino do contingente e, por esta razão, não pode ser fonte de conhecimento universal.

O filósofo inglês David Hume (1711-1776), influenciou bastante a construção do pensamento de Kant que afirma ser responsável por tê-lo acordado do "sono dogmático". Hume questionou o princípio de causalidade, para este autor não existe nada na causa que contenha a relação objetiva com seu efeito. Por mais que eu repita a experiência muitas vezes, nada me dará a certeza de que a pedra cairá e não levitará, seu exemplo fundamental. Portanto, conclui o filósofo inglês, a causalidade não está no mundo, mas é produto de nossos hábitos, ou seja, a repetição da experiência nos faz acreditar que haja uma relação causal nos objetos, quando não passa de uma espécie de condicionamento psicológico.

Kant afasta o caráter psicológico de suas análises e se concentra nos aspectos lógico e transcendental. A partir disso, elaborou quatro conceitos básicos que norteiam sua tese a priori, a posteriori, analítico e sintético. O conhecimento que não apresenta ligação com os sentidos é chamado a priori, podem ser fórmulas matemáticas, por exemplo, que não precisam de evidência material. O conhecimento produzido a partir da experiência é dado a posteriori, pois precisam ser testadas. Quanto aos conceitos de analítico e sintético, dizem respeito ao juízo

analítico em que o predicado está contido no sujeito e o sintético na experiência (MERLEAU-PONTU, 2006; GONÇALVES, 2006; KANT, 1980).

Esclarece-nos assim a questão central da Crítica da Razão Pura, que é "Como são possíveis os juízos sintéticos a priori?". Ou seja, como podemos ter um conhecimento a priori (matemático, frio, sem experimentação, distante...) de questões de fato? Kant (1980) se propõe à apresentar a inversão do raciocínio ou método que o astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543) expôs. Copérnico formulou a teoria heliocêntrica - a teoria de que os planetas giravam em torno do Sol - para substituir o modelo antigo, de Aristóteles e Ptolomeu, em que a Terra ocupava o centro do universo, o que era mais coerente com os dogmas da Igreja Católica. Merleau-Ponty (2006) disserta sobre o duplo sentido da inversão copernicana que Kant apresenta para a filosofia: 1-sentido antropológico; 2-sujeito absoluto.

Até então, as teorias consistiam em adequar a razão humana aos objetos, que eram, por assim dizer, o "centro de gravidade" do conhecimento. Kant propôs o contrário: os objetos, a partir daí, teriam que se regular pelo sujeito, que seria o depositário das formas do conhecimento, neste caso o homem. As leis não estariam nas coisas do mundo, mas no próprio homem; seriam faculdades espontâneas de sua natureza transcendental (MERLEAU-PONTY, 2006, não paginado). Como Kant afirma no prefácio da segunda edição da Crítica da Razão Pura:

Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que ampliaria o nosso conhecimento, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso tentese ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo sobre os mesmos antes de nos serem dados.

Assim, Kant encerrou apenas no sujeito as condições de possibilidade de conhecer qualquer coisa. É o homem que conhece as regras pelas quais os objetos podem ser reconhecidos, essas regras não estão no mundo exterior, pois se cairia no problema de Hume. O mundo não tem sentido, salvo aquele dado pelo homem. O que conhecemos, então, é profundamente marcado pela maneira - humana - pela qual conhecemos, capturados por formas lógicas atribuídas pelo sujeito (MERLEAUPONTY, 2006).

A partir dessa formulação, torna-se desprezível refletir sobre pretenso acesso à essência dos objetos do mundo. Só temos acesso às coisas enquanto fenômenos para uma consciência. O que a realidade é, em si mesma, o que Kant chama de coisa-em-si, não é matéria de conhecimento humano, sendo, portanto, incognoscível (aquilo que não pode ser conhecido).

A coisa-em-si não pode ser conhecida mas pode ser pensada, desde que seja contraditório (conhecer, em Kant, diz respeito ao que é possível de ser objeto da experiência). Três objetos de estudo da metafísica podem ser pensados mas não conhecidos: Deus, a imortalidade da alma e a liberdade. Deus e a alma não podem ser conhecidos porque não aparecem como fenômenos no espaço e no tempo. A liberdade, porque contraria o princípio de causalidade: liberdade é aquilo que não tem causa, e o que é absolutamente livre não pode ser matéria de conhecimento. São, no entanto, postulados para a ética de Kant.

A filosofia crítica de Kant consiste, desta forma, em impor à razão os limites da experiência possível. O filósofo alemão pretende, com isso, fornecer rigor metodológico à metafísica, livrando-a de seu caráter dogmático e trazendo-a para o rumo seguro da ciência. Este método que analisa as possibilidades do conhecimento a priori do sujeito, dentro dos limites da experiência, é chamado de transcendental.

Isso tudo implica, portanto, o lugar que a natureza terá a partir dessas considerações. A natureza será objeto dos sentidos, ou seja, o que o SER sensível percebe, apenas percepção. Além disso, sua finalidade também só subsistirá a partir do pensamento e decisão do homem, o “verdadeiro país da finalidade é o homem[...], como meta final da natureza, na medida em que ele não é natureza mas pura liberdade sem raízes” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 40). O homem torna-se o antiphysis – o sujeito que arruína a natureza, opondo-se à ela, ela será reduzida à natureza finalizada, tão somente finalidade do homem.

2.1.6 A concepção romântica de natureza – as idéias de Schelling

Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1771-1854) foi um filósofo alemão, representante do idealismo alemão, assim como Fichte e Hegel, ele não aceitava que o homem enquanto SER superior aos demais viesse da eternidade para