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4 A TRANSFORMAÇÃO TÉCNICA DA NATUREZA E SEU CONTEXTO DE

4.1 O fantasma do desenvolvimento

Para o mundo ocidental, quanto maior o avanço da técnica, maior é o seu grau de desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento é frequentemente entendido como sinônimo de crescimento econômico e progresso. Várias acepções estão embutidas nessa concepção, muitas delas também se revelam através dos seus antônimos, quais sejam: o que não é moderno, é atrasado; a ausência da técnica, rememora o primitivo. As ideias evolucionistas também estão nesse contexto, pois se entende o processo de transformação das sociedades de forma linear, onde passarão de estruturas simples para complexas, como um rito comum e necessário a todas as sociedades. Tal como expusemos nos capítulos anteriores, quanto às ciências e a filosofia, assim também se refletiu às ideias de planejamento e políticas de Estado. Esse paradigma cartesiano segue desde então imprimindo sua racionalidade.

Assim, os países ―ricos‖, ―desenvolvidos‖, ―modernos‖ passaram a ser referência como meta aos demais países. Os parâmetros perseguidos correspondem a números que classificam as sociedades em níveis de desenvolvimento, onde todas as particularidades ou visões que fogem a esse padrão são desprezados, pois a meta é o desenvolvimento. Os Países são classificados em desenvolvidos, subdesenvolvidos e/ou em desenvolvimento. Essa concepção tomou as universidades e os Estados a partir dos anos 1930, vários estudos e pesquisas concentraram-se em pensar formulas e modelos para alcançar os patamares mais elevados dessa classificação, assim como os Estados voltaramse para pensar o planejamento e as estratégias de controle do território e aplicação de políticas públicas também visando o progresso, todos ao final curvaram-se ao que seria um sonho chegar ao desenvolvimento.

Essa crença no desenvolvimento foi alimentada pelo intenso crescimento econômico experimentado pelos países semi-industrializados na década de 50. Entretanto, alguns críticos verificaram o crescimento econômico não se traduziu em melhoria da qualidade de vida das classes pobres ou ainda, isso não repercutiu em desenvolvimento social, humano. Análises quantitativas a partir do Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo, ainda são parâmetros para dizer que uma economia está em crescimento ou em recessão econômica. Muito embora, o produto de riqueza

gerada por um país não diz como esta riqueza está distribuída, tão pouco responde se a qualidade de vida da sociedade acompanha esse crescimento experimentado pela economia. Menos ainda se considerava a destruição da natureza no avanço do progresso.

Apesar dos esforços teóricos e das várias reformulações que esta concepção vem recebendo ao longo desses anos, persiste a ideia em ignorar os processos qualitativos, histórico e culturais, o caminhar não-linear das sociedades, percebendo apenas fenômenos econômicos secundários, como o crescimento.

Furtado (2000) esclarece que essa concepção de progresso está presente nos discursos dos europeus desde as grandes navegações, onde as missões eram civilizatórias. Entretanto, foi após a revolução liberal-burguesa que a idéia de progresso passou a sintetizar uma visão otimista do processo histórico, destacandose dentro do pensamento europeu. O liberalismo passa a ver as relações comerciais não mais como atos de império de cada país, mas como um ato ―cooperativo‖ junto à divisão social do trabalho que se forma, considerando que cada país ao se especializar na produção ou no fornecimento de um produto está não apenas colaborando com o intercâmbio internacional, mas está ―se libertando das tradições e progredindo‖.

No entanto, essa visão vislumbrava os aparelhos técnicos, econômicos e institucionais das sociedades europeias, mas desprezava a realidade social, os conflitos entre as classes sociais que se acentuaram após a transição do capitalismo comercial para o capitalismo industrial.

O século XX é marcado pelo desenvolvimento a partir do Estado, enquanto um fenômeno político. Os anos 1930, através de Keynes, viu grandes políticas macroeconômicas e um Estado como agente direto da produção e promoção desse desenvolvimento. Através de uma solução negociada, onde o Estado era o garantidor dos direitos sociais, da segurança social e distribuição de renda.

As teorias econômicas ocupavam no entendimento e compreensão das sociedades como forma de pensar o aumento da produtividade das industrias, dos países. Uma verdadeira corrida estabeleceu-se, onde cada países organizava sua estratégia interna para chegar mais rápido ao desenvolvimento. E a natureza nesse contexto era uma riqueza, um recurso que deveria ser avidamente apropriado e explorado. As concepções utilitaristas econômicas são fortemente aplicadas e

moldam as relações do homem com a natureza, que passará à condição de recurso. Recurso natural que pode ser mensurado, valorado, negociado e transformado em bens, uma mercadoria com valor de uso e troca, futuramente capital natural, inserido dentro do jogo do capitalismo e do processo de acumulação.

Foram muitas as teorias do desenvolvimento, as disputas dentro da academia também foram intensas quanto à teoria que instrumentalizava melhor os desafios que o cenário político e econômico apresentavam. Assim, como países que não alcançaram o patamar de desenvolvidos começaram a construir criticamente suas concepções e analises para o entendimento da sua realidade e da sua sociedade.

O Brasil também vivenciou essa evolução do pensamento desenvolvimentista. Identificamos o nacional-desenvolvimentismo como expressão deste desenvolvimento de bem-estar-social de Keynes. Para Mantega (1995), o nacionaldesenvolvimentismo chegou ao Brasil através do modelo de substituição das importações, durante o governo Vargas. Após a crise de 1929, Simonsen instala um projeto com o ―Estado do Compromisso‖, da conciliação. Há apenas uma transformação burguesa conservadora, sem grandes rupturas. Apesar da satisfação de algumas classes sociais, houve reação e movimentos sociais derivados do intenso processo de urbanização e destaca-se a institucionalização do poder político das forças populares, com o reconhecimento de sindicatos e associações que lutavam por direitos de classes.

Após a II Guerra Mundial houve uma reordenação espacial do processo produtivo, onde a primeira necessidade foi a desconcentração industrial, justificada pelo discurso de distribuição territorial do desenvolvimento. Neste sentido, países como Inglaterra, França, Alemanha, Itália aplicaram tais medidas com o intuito de minimizar as desigualdades entre e dentro dos países.

Houve repercussão também na América Latina e no Brasil, consequentemente, o debate sobre o desenvolvimento também acompanhou esse processo e foi mais fecundo na década de 50. Ele apresentou com nova roupagem, mas sempre reafirmando a crença no planejamento como forma de os países alcançarem patamares mais elevados do crescimento econômico e tecnológico. Castro (1996) destaca que no Brasil, essa década é de muito entusiasmo e de investimentos que levaram a um importante surto de crescimento econômico. Foi quando se fortaleceram muitos ramos industriais, notadamente a indústria

automobilística. E é quando o sonho brasileiro de fincar sua capital no coração do país irá se realizar, com a construção de Brasília. É a década também que o país integra o sul ao norte, com a construção da rodovia Belém-Brasília. Essas decisões governamentais encontraram respaldo na ideologia nacional-desenvolvimentista que predominou no país nesse período, como dito anteriormente.

Além disso, foram criadas agências de desenvolvimento regional como forma de minimizar as desigualdades regionais, a fim de mudar sua condição também entre os países, uma tentativa de mudar sua classificação. Diversas políticas de educação, saúde, habitação, saneamento, políticas de renda e tributária foram implementadas.

Independentemente do nível que se observe, a dimensão política de desenvolvimento foi responsável por diversas transformações dentro da sociedade, no entanto ainda que houvesse esse ―impacto‖ social, esse não era o objetivo de tais medidas que por diversas vezes apresentavam-se bastante populistas e oportunistas.

A ONU através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) lançou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que considerou diversas variáveis não econômicas para ―mensurar‖ um desenvolvimento diferente daquele há décadas massificado, destacando a dimensão social do desenvolvimento. O IDH é uma medida comparativa que engloba três dimensões: riqueza, educação e esperança média de vida. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população.

Para avaliar a dimensão da educação o cálculo do IDH considera dois indicadores. O primeiro é a taxa de alfabetização de pessoas com 15 anos ou mais de idade, que na maioria dos países é uma idade onde as crianças já concluíram o primeiro ciclo de estudos (no Brasil, o Ensino Fundamental). Por isso a medição do analfabetismo se dá, tradicionalmente a partir dos 15 anos. O segundo indicador é o somatório das pessoas, independentemente da idade, matriculadas em algum curso, seja ele fundamental, médio ou superior, dividido pelo total de pessoas entre 7 e 22 anos.

A longevidade é avaliada considerando a esperança de vida ao nascer. Esse indicador mostra a quantidade de anos que uma pessoa nascida em uma localidade, em um ano de referência, deve viver.

A riqueza é aqui mensurada pela renda que é calculada tendo como base o PIB per capita do país. Como existem diferenças entre o custo de vida de um país para o outro, a renda medida pelo IDH é em dólar PPC (Paridade do Poder de Compra), que tenta eliminar essas diferenças.

Em 1990, o programa divulgou seu primeiro relatório (VEIGA, 2008) que trouxe como novidade exatamente o fato de não se restringir à renda per capita ou à renda do trabalhador, ou seja, somente aos aspectos econômicos. E portanto, marca um forte debate que se seguiu e acabou por encerrar as dúvidas de muitos que ainda entendiam o desenvolvimento como crescimento econômico. Ressalvas devem ser feitas também quanto a este método de análise, mas os créditos quanto ao salto qualitativo dado desde então são merecidos.

Na América Latina, o discurso era de desenvolvimento regional. A CEPAL apresentou propostas sobre o desenvolvimento a nível regional, buscando superar a condição de subdesenvolvimento em que se encontravam os países da América Latina. Discussões importantes surgiram a partir de então, tais como centro- periferia.

A CEPAL defendia que o atraso da América Latina devia-se à dependência estrutural que retardava o crescimento econômico desses países em condição periférica, impedindo-os de obter maior autonomia. Diversas soluções foram propostas, no entanto, a percepção de desenvolvimento a partir do progresso técnico parece ainda impregnar, ganhando apenas uma nova roupagem, considerando que agora a industrialização deveria ser internalizada. Apesar disso, reconhece-se a perpetuação das disparidades através da reprodução das relações centro-periferia. E, portanto, pela CEPAL, o desenvolvimento deveria ser baseado nas atividades industriais e na dinâmica interna da economia, de forma que pudesse proporcionar maior autonomia. Mas uma grave contradição a esse postulado é a ausência de restrições de ajuda externa. E como garantir um desenvolvimento voltado para dentro com recursos externos?

Neste sentido, o que aconteceu foi afirmação do sistema capitalista, dominada por oligopólios nacionais e estrangeiros com forte participação na economia estatal, agravamento da situação de pobreza, com uma maior concentração de renda e dificuldades de manutenção do ritmo de crescimento. O

modelo continuou agrícola-exportador, acirrando ainda mais a deterioração dos termos de intercâmbio.

Politicamente não poderia ser pior com o estabelecimento de ditaduras em quase toda América Latina. Considerando que esta teoria preconizava o Estado como centro racionalizador da economia, promotor do desenvolvimento e responsável pelo planejamento, logo uma forte intervenção estatal garante o fortalecimento das economias locais.

A CEPAL não conseguiu alcançar que o subdesenvolvimento não é a ausência do capitalismo e sim resultado deste. E, portanto não conseguiu avançar ao não considerar a luta de classes inerente ao modo de produção capitalista, tais avanços já podemos identificar nos postulados da Teoria da Dependência que se desenvolve durante as fortes implicações que a aplicação da Teoria Cepalina provocou na América Latina.

Neste contexto, começou a se configurar a Teoria da dependência como um forte contra-ponto à teoria cepalina, defendendo principalmente a relação da exploração de classes na análise do subdesenvolvimento latino-americano, bem como o subdesenvolvimento histórico-estrutural da América Latina. Avança quando demonstra que a dinâmica do desenvolvimento do capitalismo é o fator responsável pela emergência e reprodução da condição de subdesenvolvimento, considerando que não é possível um desenvolvimento autônomo dentro do sistema capitalista.

Esse debate somou-se às mudanças que aconteciam dentro dos movimentos sociais que lutavam pela democracia na América Latina. A década de 1970 representa um marco na história, pois a sociedade organizada conseguiu pressionar o poder público para garantir a elaboração de uma nova constituição. E, não por acaso, a Constituição Brasileira de 1988 é mais avançada em relação às anteriores, quanto aos direitos sociais, políticos, econômicos e mesmo direitos ambientais, pois reflete um espaço de luta política bem anterior.

Vários autores corroboraram fortemente para o debate da dependência como também para as lutas contra a ditadura e pela redemocratização, entre eles, Andre Gunder Frank (1980) que enfatiza que não existe uma dominação apenas entre nações, centro-periferia, há a reprodução da dominação de classes inerente do sistema capitalista em todos os níveis, entre e dentro de cada nação. Para haver o

desenvolvimento deve haver o subdesenvolvimento, considerando que estes estão relacionados através de influências mútuas, recíprocas.

Cardoso e Faletto (1979) destacam que os modelos de desenvolvimento são fórmulas emprestadas dos EUA e da Europa, consistindo basicamente em reproduzir as transformações sociais destes países, desconsiderando que o desenvolvimento em si é um processo social, reflexo das relações sociais de cada lugar, um processo com variáveis endógenas que apresentam condições históricas, conflitos, grupos, movimentos sociais particulares. Verifica-se uma forte tentativa de superar o estruturalismo, atribuindo ao desenvolvimento uma definição históricosocial, divergente da leitura sempre econômica.

Neste sentido, os países da América Latina entre outros possuem sua relação de dominação assentada sob duas formas: colônias X metrópoles; e sociedades nacionais. Verifica-se um Estado autoritário ―nacional‖, mas que busca impor um ―consenso‖, um novo pacto para melhor organizar e implementar a exploração capitalista. Prevalecem as burguesias associadas na produção ao capital estrangeiro ou subordinando-se ao comércio mundial.

Várias foram as contribuições deste pensamento, no entanto, algumas perguntas não foram respondidas e soluções não foram claramente expostas. Os dependentistas não indicaram qual agente histórico poderia superar a situação de dependência, tão pouco indicaram qual o caminho a trilhar: Capitalismo periférico autônomo ou a ruptura com o sistema capitalista, Sociedade socialista.

Um dos níveis de desenvolvimento, atualmente bastante discutido é o desenvolvimento local. Este processo conceituado por Buarque (2006) como ―um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da população em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos‖, ganha destaque nos dias atuais onde o processo acelerado de globalização é hegemônico e prioriza ações globais, desterritorializadas. O desenvolvimento local tem como premissa a mobilização e exploração das potencialidades locais, elevação das oportunidades sociais e a viabilidade da economia local, considerando a conservação dos recursos naturais como base e condição para tanto.

Este nível de desenvolvimento busca não apenas absorver uma escala dentro de um plano maior de desenvolvimento, mas ao contrário, trata-se de uma proposta

de ruptura com o subdesenvolvimento de localidades periféricas através de mudanças institucionais na busca por mais autonomia e retenção de excedente econômico gerado na economia local e absorvido de outras regiões.

Vários são os seus objetivos, tais como a redução da pobreza, a geração de riqueza, a distribuição de ativos – eficiência econômica, a gestão pública eficiente, mediada pela governança, políticas e investimentos públicos locais, bem como a conservação do meio ambiente e, principalmente, a internalização da riqueza e dos desdobramentos sociais da economia.

A partir desta concepção de desenvolvimento local, identificamos duas dimensões do desenvolvimento que coadunam deste caminho. Sejam eles o desenvolvimento institucional e o desenvolvimento ambiental.

O desenvolvimento institucional parte da premissa que as instituições importam no comportamento dos agentes através da governança e da governabilidade, respectivamente a operacionalização do estado (governança) e a capacidade do estado (governabilidade) em implementar, aplicar as políticas com eficiência.

Amartya Sen (apud EVANS, 2003, p 87) defende o ―enfoque da capacidade‖ que pressupõe um foco em instituições que reforcem a idéia de um ―desenvolvimento deliberativo‖ que promova a institucionalização do debate e intercâmbio públicos, garantindo o processo de escolha social. Ademais, importa em participação qualitativa do controle social das instituições, onde estas como básicas para a governança são fundamentais para o incremento do crescimento e do desenvolvimento econômico.

No entanto, a apropriação desta discussão buscou legitimar o estabelecimento de ―parcerias‖ dentro do processo de gestão que através de privatizações com o discurso de trazer mais eficiência para o Estado, deixou este com o controle apenas de setores estratégicos, sejam eles segurança, saúde e infraestrutura. A desconcentração e a descentralização são processos necessários na redistribuição das responsabilidade de gestão (BUARQUE, 2006), mas são questões controversas a aplicação desses ―institutos‖ através de privatizações.

Desde a década de 60 que o desenvolvimento vem difundindo uma nova dimensão. O ambientalismo vem se manifestando através de políticas ambientais regulatórias distantes das políticas estruturadoras e indutoras, o que pode ser

responsável em parte pelo seu insucesso. A superação de políticas superficiais, de curto prazo e sem articulações inter e transetoriais pode ser uma boa estratégia para um processo contra-hegemônico que favorece um ambientalismo complexomultisetorial, conforme demonstra Carvalho (1995).

Esses muitos setores envolvem reformas agrária e urbana, gestão participativa, aplicação do Estatuto da cidade, novos arranjos institucionais, etc. Esse debate mobilizou, portanto, os movimentos sociais associados à essas pautas e ganhou força na Europa e nos Estados Unidos, ficou conhecido como movimento ecológico. Várias correntes de pensamento político alimentaram acirrada discussão no seio do movimento ecológico em busca de soluções para as contradições crescentes pelo uso intensivo dos recursos naturais, e os efeitos da industrialização sobre a vida e a saúde das pessoas e sobre o meio ambiente.

Rememore-se que os países que mais sofrem esses efeitos hoje são aqueles que se tornaram independentes do regime colonial e estão em regiões tropicais que foram reconquistadas pelo capital no seu processo de expansão internacional, produziram e aplicaram conhecimentos e técnicas que permitiram a exploração intensiva de plantações, mantendo-se rendimentos elevados por tempo mais longo. Porém, mesmo o avanço destas transformações agroprodutivas foi deixando pelo seu caminho um saldo de destruição ecológica e de degradação ambiental, principalmente nas regiões tropicais do planeta.

Grande parte desse movimento e mobilização ganhou força depois da publicação de uma denúncia que Rachel Carson fez no livro intitulado ―Primavera Silenciosa‖. Carson não escreveu apenas uma denúncia de um crime ambiental, ela discutiu o papel da ciência e os limites do progresso tecnológico. O olhar sobre a relação entre os seres humanos e a natureza mudaria e, talvez, tenha sido neste momento que todos tenham começado a ver os primeiros resultados práticos do processo destruidor da industrialização e da crise ambiental que se instalava.

Lipietz (1997) destaca que pela primeira vez, um debate iniciou-se sobre gestão coletiva das ―crises ecológicas globais‖. No entanto, questionamos se o debate é realmente global e se realmente todos estão envolvidos numa gestão. Isso também é parte do debate sobre ecodesenvolvimento e outras dimensões do desenvolvimento pois vários questionamentos surgiram a partir de então. Alguns dizem que crises locais tem seus causadores e vítimas no mesmo território,

negando em parte as ditas crises globais. Outros discordam parcialmente e enumeram a sinergia de impactos para defender que a dimensão espacial por vezes é mal mensurada ou ignorada para efeitos óbvios de exclusão de direitos. Mas Lipietz (1997) aponta que uma crise ecológica global tem causas difusas e efeitos universais, onde o ―culpado‖ pode ser um modelo de desenvolvimento, envolvendo um continente, por exemplo, e a ―vítima‖ comunidade distante com modos de vida diametralmente opostos. Ele acrescenta, portanto, que o debate se trava entre modelos nacionais e justiça internacional, considerando que o pano de fundo desta discussão está no âmbito dos conflitos norte-sul e disserta sobre a economia política do meio ambiente global.

Desde A Primavera Silenciosa que problemas de grande magnitude vem recebendo espaço global de discussão e desde então tem feito parte da pauta política de negociação de novos arranjos.

O uso doméstico do DDT foi amplamente discutido e posteriormente proibido depois do livro-denúncia de Rachel Carson, mas a redução da camada de ozônio trouxe um risco eminentemente global. Lipietz (1997) aponta alguns dos fatores para que especialmente esse problema tenha ganhado destaque global. E um deles, talvez o principal, é que as principais vítimas são os australianos, considerados como país do norte. Pode parecer um discurso velho, ultrapassado, mas ainda muito