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5 A NATUREZA DO HOMEM: DESTRUIÇÃO E PODER NO OESTE DO

5.1 Unidades de conservação e desmatamento

A relação entre política florestal, ambiental e expansão do desmatamento está subjacente na política de ordenamento territorial e florestal. Portanto, as dinâmicas de ocupação determinantes do desmatamento estão organicamente vinculadas às políticas públicas de desenvolvimento da Amazônia (CASTRO, E.; MONTEIRO, R.; CASTRO, C. 2004b; CASTRO, 2007) O rápido avanço do desmatamento na região, desde as últimas décadas do século XX, se deu especialmente sobre os estados do Pará, Mato Grosso, Rondônia e, certamente, sobre a pré-amazônia maranhense. De rico potencial florestal, foram rapidamente desaparecendo espécies importantes, madeiras duras com forte ocorrência em várzea e em terra firme, e empobrecimento do solo pelo desmatamento.

Assim, hoje, encontra-se explorada boa parte daquele potencial florestal, o que motiva um forte direcionamento das novas políticas para o uso de florestas, a exemplo do que ocorre no estado do Pará (RIBEIRO; CASTRO, 2008). O desgaste progressivo dos recursos madeireiros no Pará se deu principalmente na zona leste do estado, onde se encontram os polos de produção de Paragominas e Tailândia. O esgotamento dos recursos obriga a atividade madeireira a se deslocar em direção a novas fronteiras, sobretudo no oeste do Pará (CORRÊA; CASTRO; NASCIMENTO, 2013, 2012).

As dinâmicas do sudeste paraense ao longo das rodovias Transamazônica e BR-163 são variadas em função de diversos fatores, que têm a ver com a história da ocupação, dos grupos sociais que ali existiam ou dos que chegaram com os programas governamentais de colonização dos anos 1970 e hoje os chegam atraídos pelos grandes projetos de infraestrutura para a região, projetos pensados para estabelecer um novo eixo de escoamento de grãos. Tais diferenças, no entanto, se articulam e se complementam, tornando fundamental o entendimento das dinâmicas socioeconômicas atuais no seu conjunto.

A criação de áreas protegidas foi uma das estratégias para frear o alto desmatamento no Brasil, em especial na Amazônia, onde ainda há grandes reservas de recursos naturais, principalmente florestais, cujo elevado valor comercial atrai altos investimentos para a região. E esse movimento tem origens

históricas, com atenção especial ao estado do Pará pelas tensões e conflitos gerados, onde essa lógica tem sido claramente exposta.

O Pará perdeu mais de 80.000 km² de floresta nativa nos últimos anos (INPE, 2016). E o desmatamento neste Estado continua a ser o maior dentro da Amazônia, ainda que reduzido quando comparado a anos anteriores, conforme dados abaixo:

Quadro 3 - Taxa de desmatamento anual na Amazônia Legal (km²/ano) Estado Desmatamento (km²) ACRE 264 AMAZONAS 712 AMAPÁ 25 MARANHÃO 209 MATO GROSSO 1601 PARÁ 2153 RONDÔNIA 1030 RORAIMA 156 TOCANTINS 57 Amazônia Legal 6207 Fonte: INPE ( 2016).

O desmatamento no Pará tem suas origens associadas aos processos de ilegalidade e impunidade que caracterizaram a apropriação violenta da terra, sobretudo, a partir dos anos 1960 e ao contrassenso de órgãos responsáveis pela titulação das terras como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e o próprio órgão estadual, hoje Instituto de Terras do Pará - Iterpa. As políticas de incentivo à migração para a região também contribuíram nesse processo de ocupação recente da fronteira amazônica e paraense.

Entretanto, medidas institucionais recentes e novas disputas legais buscavam reduzir os problemas decorrentes desse planejamento executado, sobretudo, pelos governos militares. No que concerne à região da BR-163, tais medidas não têm tido os resultados esperados. Nas UCs criadas na Amazônia, a estratégia funcionou medianamente, considerando que o desmatamento oscila entre altos e baixos índices, mas tal sucesso é certamente parcial, como evidenciam os dados

produzidos por pesquisas em UCs, que revelam a ampliação de atividades econômicas como a pecuária e a exploração florestal.

Constatamos, em pesquisa na BR-163, que há índices altos de desmatamento exatamente dentro das UCs. Uma possível explicação para esse fenômeno é que a redução inicial nos índices de desmatamento com a criação de UCs provocou um recuo dos agentes responsáveis pela exploração de áreas de floresta. Passado o momento inicial e face às deficiências na fiscalização e na gestão das unidades de conservação, tais agentes voltam a avançar sobre essas áreas de forma acelerada, marcando o crescimento dos índices de desmatamento dentro das unidades. Isso sem contar com o fato de que as frentes de desmatamento avançam cada vez mais sobre as Terras Indígenas (TI), fortalecendose com a intensa mobilização de algumas bancadas de parlamentares contra demarcações e processos de desintrusão nessas terras.

Lamentavelmente, os dados continuam deploráveis, assim como os padrões de exploração predatórios, ilegais e nada sustentáveis.

Há um estudo do Gonçalves (2012) onde diz que a cada dois segundos, em todo o mundo, um campo de futebol é desmatado e que 90% desse enorme número é ilegal, gerando aproximadamente US$ 10-15 bilhões por ano. Os intermináveis zeros dessa cifra não sofrem sequer a ação do implacável fisco, pois não são regulados e, portanto, não são tributados diretamente.

O esquema criminoso de extração de madeira acontece no mundo todo, os impactos são muito significativos, no entanto as estratégias são nulas e/ou insuficientes para conter o rápido crescimento da devastação, cujo tempo é medido em segundos, tal como o fazemos com os velocistas.

Verifica-se que a legislação ambiental avança em vários países, arrisco dizer que até as políticas florestais também promovem avanços técnicos importantes. No entanto, ambas parecem afastar, sublimar, negar ou invisibilizar os rastros de sangue e destruição que cercam a atividade madeireira no mundo e, especialmente, no Brasil. Junto com as árvores que caem, muitas centenárias devo destacar, são também derrubadas vidas, comunidades são desmanteladas, costumes são mortos e animais (os que sobrevivem) fogem à procura de novo refúgio, onde ainda hajam árvores!

Muito lentamente, todos começam a entender que o crime organizado não está apenas no tráfico de drogas, nos crimes de sequestro ou assaltos sistemáticos à bancos, tão comumente noticiados pelos jornais, mas está profundamente enraizado e espalhado pela floresta Amazônia adentro, cuja a rede extrapola a floresta, alcança as instituições políticas, governamentais de comando, controle e poder de polícia, como também órgãos do judiciário. O capital social de alguns agentes dentro desse campo de disputa pela exploração desse recurso pode ser medido muitas vezes pela posição que ele ocupa dentro dessa rede.

Vislumbra-se aqui um exemplo da condição de coisa inexorável que se tornou a natureza. É como uma janela do teórico para o concreto que olhamos para o Pará, mais precisamente o sudoeste deste Estado, como um triste exemplo dessa representação.

5.2 Os novos valores na fronteira

A fronteira amazônica já foi tema de muitas pesquisas e de muitos enfoques, sejam ambientais, geopolíticos, agrários, etnográficos. O avanço da fronteira se transmuta a cada momento histórico, mas que não altera a sua essência pautada na busca pela natureza como recurso. Assim como verificamos as mudanças no conceito de natureza, Becker (2004) destaca as mudanças do significado da Amazônia. A floresta era o ―inferno verde‖ a ser vencido por muitas décadas, mas também já foi território magico e misterioso, já teve um significado forte como

―pulmão do mundo‖, mas ultimamente é vista pelos movimentos preservacionistas como um grande banco genético e talvez a área com maior biodiversidade do planeta.

Segundo Becker (2004), essa valorização ecológica tem dupla direção: vai em direção à sobrevivência humana, mas vai (principalmente) como capital natural. A Amazônia concentra muitos superlativos naturais: maior mina de ferro do mundo, 1/5 da água doce do mundo, 1/3 das florestas latifoliadas no mundo, etc. Os números tornam a região indubitavelmente uma grandiosa fronteira, seja para exploração econômica como sempre foi, como também para a pesquisa científica e, enquanto objeto de estudo parece inesgotável.