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Em grego práxis significa ação para a consecução de algo, mas uma ação que tem seu fim em si mesmo, a qual não cria ou produz um objeto que esteja alheio ao agente ou a sua necessidade. Assim, pode-se entender a práxis como a categoria central da filosofia, a qual concebe a si mesma, não só a interpretação do mundo, mas está também destinada a orientar sua transformação. A filosofia em questão é a marxista, que transcende do idealismo para um nível de consciência mais elevado, em razão de uma vinculação mais profunda com a práxis real.

Vázquez (1977) salienta que na filosofia marxista a práxis é utilizada para designar uma relação dialética entre homem e natureza, na qual o homem, ao transformar a natureza com seu trabalho, transforma a si mesmo e à sociedade. Gadotti (1995, p.30) tem entendimento assemelhado a Vázquez, pois evoca o

conceito de práxis na tradição marxista da educação, nesta a práxis significa ação

transformadora. Assim, visualiza uma pedagogia da práxis com o intento de projetar

uma educação transformadora. Nesta, percebe os educandos como seres criadores, sujeitos da história, “que se transformam na medida em que transformam o mundo”. Para Freire (2005), a possibilidade de transformação relaciona-se à capacidade de ação e reflexão dos sujeitos.

Em Freire (1998), a práxis é ação e reflexão, engajamento com o compromisso da transformação social. Freire valoriza a prática, contudo, concerne à prática educativo-crítica da relação entre ensinar-aprender e aprender-ensinar em oposição à educação de transferência de conhecimentos. Diante disso, a reflexão sobre a prática incorre em uma exigência na relação teoria/prática, sem a qual a teoria esvai-se no discurso e a prática se dá pela primazia da ação. De forma assemelhada a Freire, Vázquez (1977), defende que a atividade prática pode se dissolver em atividade teórica. Conseqüentemente, a verdadeira concepção de práxis transcende a concepção teórica, sendo que é na prática que se efetiva como atividade social. Vázquez (1977, p.6) defende que a práxis “marca as condições que tornam possível a passagem da teoria à prática, e assegura a íntima unidade entre uma e outra”. Freire (1997) salienta que a práxis educativa necessita se dar em um contexto concreto, social, cultural, econômico e político.

Tardif (2005, p.56) salienta, com base em Marx, que toda a práxis social é de certa maneira um trabalho de realização que culmina com a transformação do trabalhador. Nesta forma de entender de Tardif, se o trabalho modifica o trabalhador, conseqüentemente modifica também o seu saber trabalhar. Assim, “trabalhar remete a aprender a trabalhar, ou seja, a dominar progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho”. Assim, observa-se que a ênfase na prática constitui-se uma forma de reducionismo, fato evidente na enfermagem, em que os sujeitos desenvolvem suas atividades tendo como base a prática. Desta forma, os sujeitos vivem e agem na praticidade, pois nesta forma de agir a significação está relacionada aos resultados da prática na vida cotidiana. Contudo, esta ênfase no objetivismo, ao afastar-se do teórico, fica reduzida a apenas uma dimensão, a do prático-utilitário, pois para a consciência comum o prático é produtivo e vantajoso.

Em sentido contrário, projeta-se uma educação para a cidadania dos sujeitos e a conseqüente contribuição para a sociedade. Sobre esta questão, Gadotti (1995, p.73) refere que “se a educação reproduz a sociedade, não poderia transformar o

que reproduz. E não haveria nenhuma educação transformadora”. Ou seja, as propostas educativas podem ser reprodutoras ou transformadoras.

Freire (2000a) defende que o pragmatismo neoliberal reduz a prática educativa ao treinamento, em detrimento da formação12. Salienta que a formação técnico-cientifica dos educandos não tem nenhuma relação com o acanhamento tecnicista e cientificista que caracteriza o treinamento. Porém, ao buscarem satisfazer as aspirações eminentemente técnico-práticas, os sujeitos tendem a desenvolver um trabalho que leva a deformar, cercear e esvaziar sua consciência política, ou ainda, são esvaziados pelo próprio sistema. Embora não faça referência à educação, Vázquez (1977, p.137-8) fortalece o posicionamento de Freire na relação homem e trabalho. Salienta que se o “trabalho por um lado, nega o homem, por outro lado o afirma, na medida em que o produz como tal”, assim, “o homem é produto do que ele mesmo faz de seu trabalho”. Somem-se estas questões os fatores condicionantes e determinantes que influenciam a presença/posição/ação dos sujeitos no trabalho (op. cit).

Gadotti (1995) complementa o posicionamento de Freire e Vázquez ao acrescentar outros fatores restritivos, que são a exploração do trabalhador, com jornadas extenuantes, associadas ao duplo emprego, horas extras, o tempo de deslocamento, tornando-o escravo de uma sociedade em que o imperativo está na produção e no consumo. Qual o tempo que sobra para a vida social, lazer, educar- se e refletir?.

A despolitização cria um vazio nas consciências, que interessa de forma contundente às classes dominantes, ao procurarem entremear este consciente vazio com atos, preconceitos, hábitos, lugares comuns. Posturas apolíticas em determinados segmentos da sociedade fecundam a privação na participação consciente da resolução dos problemas econômicos, políticos e sociais, fato que leva a uma minoria apossar-se destas atividades, de acordo com os interesses particulares de grupos ou classes, ou do próprio estado, que Vázquez (1977), chama de práxis social, ou seja, a participação política. Na qual Freire (2005) chama a atenção em que numa sociedade regida por interesses de grupos ou classes, a educação libertadora constitui-se numa forma fecunda de participação e intervenção.

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Freire evidencia que a concepção de formar está em construir, em que os sujeitos são formados e formadores, e que na formação não é passiva o sujeito formador dá forma a um sujeito não formado. A formação é intencionalmente concebida e constituída entre os sujeitos.

Vázquez (1977) acrescenta que em um mundo regido pelas necessidades práticas, a atividade teórica, quanto mais afastada da prática, apresenta-se à consciência comum como uma atividade parasitária. Assim, habitualmente o homem valoriza os práticos e despreza os teóricos. Contudo, os sujeitos vivem em razão das necessidades, objetos e atos práticos que impõem a si mesmos, como algo perfeitamente natural. Pois em um mundo regido pelas necessidades práticas imediatas, algumas atividades são consideradas improdutivas ou não práticas.

Teoria e prática, na visão de Freire (1997, p.17) são inseparáveis, o que não deve ser confundido com o falso pensar e a argumentação vazia. Vázquez (1977) faz uma crítica à primazia de uma concepção sobre a outra, em decorrência de quanto mais a atividade teórica estiver afastada das necessidades práticas imediatas, mais irá se caracterizar como uma atividade que vive à custa de discursos não práticos, e em razão deste fato os ‘sujeitos teóricos’ e suas ‘teorias’ serão menosprezados pelos ‘sujeitos práticos’ e as suas ‘práticas’.

Na concepção marxista, diz Vázquez (1977), os sujeitos são produtos do seu próprio trabalho, porque este produz objetos e relações sociais com um caráter que pode ser alienante em ambos os casos. Freire (2001) defende que se existe a pretensão de libertação dos sujeitos, esta se dá a partir do momento em que o processo educativo esteja voltado para a não alienação dos sujeitos, assim, esta se efetiva a partir da ação e da reflexão, de uma práxis que permita aos sujeitos serem transformadores de sua transformação.

Leopardi, Gelbcke e Ramos (2001) afirmam que o processo educativo não deve incidir somente sobre o aperfeiçoamento técnico, mas possibilitar aos sujeitos- trabalhadores buscarem sua autonomia, cidadania, assim como resgatar sua multidimensionalidade, a qual poderia constituir-se como fundamento de desalienação. Em razão disso, é possível entender que a alienação dos sujeitos está relacionada ao ‘assumir-se’ em relação à adoção de determinados comportamentos. Assim, as relações de trabalho, a construção de conhecimentos, a conscientização do papel como sujeito-trabalhador e a repercussão, pessoal, social, econômica e política representam um enorme passo na subjetivação dos sujeitos como seres sociais.

Para Vázquez (1977), a práxis criadora é determinante na criação, produção, e na constante re-criação em razão de novas necessidades e situações. A criação faz parte da natureza humana, porque é através da criação que se transforma o

mundo e a si mesmo. Assim, a práxis é essencialmente criadora. Na criação, necessita-se levar em consideração o seu processo, que inclui a atividade da consciência e de sua relação, o subjetivo e o objetivo, o interior e exterior. A práxis criadora se evidencia na proposta de Freire (1998) ao associar a educação através da pesquisa; no respeito aos saberes dos educandos; na criticidade, na estética e na ética; de assumir riscos, aceitar o novo e rejeitar todas as formas de discriminação [...].

A Práxis espontânea e a práxis reflexiva para Vázquez (1977) exige um elevado nível de consciência para delinear e iniciar o processo prático, a finalidade com que o sujeito procurará efetivar sua atividade material. Diz Freire (1997) à ação humana, seja ingênua ou crítica, envolve finalidades, sem o que não seria práxis. Para que a práxis possa se concretizar, afirma Vázquez (1977) que é necessária uma complexa criação, com a agregação de uma atividade consciente da problematicidade, da improbabilidade e das incertezas quanto aos resultados. Conseqüentemente, importa dizer, na práxis criadora, independente do nível de criação, a consciência está presente, independente do grau ou da participação na criação. Diferentemente da práxis reiterativa, na qual se evidencia um distanciamento ou uma desunião entre a consciência conceptiva e a efetivação na prática, há o afastamento entre o planejamento e a execução.

Assim, na consciência da prática, a consciência atua ao longo de todo o processo prático, numa relação de intimidade entre a concepção, os objetivos, os processos, ou seja, sua efetivação. Para Freire (1997), os seres são reconhecidos pelas práxis, que está dissociada da ação e da reflexão podendo conduzir ao idealismo. Nesta forma de conceber a práxis, a consciência atua de tal forma no processo prático, que atua ou intervém durante o transcurso da atividade, para transformar um resultado ideal em real. A consciência prática se eleva na práxis criadora, e está quase inerte quando o fazer se torna mecânico, abstrato, indeterminado, rotineiro. Para Freire (1997, p.82), “a consciência crítica não se constitui através de um trabalho intelectualista, mas na práxis-ação e reflexão”.

Na práxis reiterativa ou imitativa seu modo de transformar já é conhecido, porque já foi anteriormente concebido; assim, existe uma rotina no fazer, pois os caminhos são conhecidos, há pouca margem para o improvável, o imprevisto e o inusitado. Diante disso, o resultado é certo, pois o fazer caracteriza-se por repetir ou imitar outra ação. Conseqüentemente, a lei que rege esta modalidade da ação é

previamente conhecida, basta às pessoas sujeitarem-se a trilhar caminhos já explorados (VÁZQUEZ, 1977). Em contraposição à noção de práxis reiterativa e fazendo uma relação entre treinamentos, educação e formação, afirma Freire (2000a) que a prática educativa radical, estimuladora da curiosidade crítica, procura se na razão dos fatos, da capacidade de pensar, de indagar e indagar-se, de experimentar hipóteses de ação, de não seguir repetidamente os programas propostos.

Na práxis produtiva, em trabalhos mecanizados, pode-se observar as conseqüências negativas para o sujeito prático, uma práxis reiterativa. Esta forma de conceber o processo de trabalho, como sendo em cadeia, parcelado e rotineiro, opõe-se totalmente à possibilidade de criação. No trabalho criador pressupõe-se uma atividade entre a concepção e a execução, através de atos conscientes que projetam ou modelam mentalmente e a mão que se efetiva em uma matéria, consumando um produto. Assim, o produto desta atividade unitária exprime a produção humana. No processo de trabalho criador evidencia-se a unidade entre a consciência e a atividade manual (VÁZQUEZ).

Entretanto, a atividade manual, parcelada, unilateral, fixa-se por antecedência, e de forma acabada está à finalidade da atividade. A idealização do processo já está anteriormente definida, e com o estabelecimento prévio dos passos a serem seguidos, não há possibilidade de desvios. Esta modelação está destinada a evitar qualquer forma de desvio, e assim excluir a possibilidade de imprevisibilidade. O trabalhador não intervém com sua consciência, já que o trabalho é fragmentado e parcelado, e o sujeito constitui-se como uma peça de engrenagem no processo de trabalho.

Estas reflexões têm o intento de contribuir na proposta política de educação no trabalho, ao propor ações educativas-cuidativas com vistas à possibilidade de integrar teoria e prática, numa práxis transformadora. Esta proposta destina-se a criar condições para que os indivíduos possam gradualmente ampliar as idéias acerca de si mesmos e da realidade social, na medida em que criam possibilidades de transformações necessárias para alcançar novos patamares profissionais e individuais.