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CAPÍTULO 2 – ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS: Educação Inclusiva versus Educação Bilíngue

2.1 Concepção de Surdez

Quando lemos:

a) “As pessoas com surdez enfrentam inúmeros entraves para participar da educação escolar, decorrentes da perda da audição e da forma como se estruturam as propostas educacionais das escolas” (DAMÁZIO, 2007, p. 13, grifo nosso);

b) “Do ponto de vista da natureza humana, não nos falta nada para vivermos como os ouvintes, se tivermos a língua de sinais como acesso principal de comunicação e via de aprendizado” (CAMPELLO et al., 2012, p. 2, grifo nosso);

c) “Grande parte dos pesquisadores e estudiosos da cultura surda têm se apropriado da concepção de diferença cultural, defendendo uma cultura surda e uma cultura ouvinte, o que fortalece a dicotomia surdo/ouvinte. (BUENO, 1999, apud Damázio 2007, p. 21, grifo nosso);

d) “A postura segregadora não parte de nós, mas dos que não aceitam nossas especificidades e necessidades” (CAMPELLO at al., 2012, p. 2, grifo nosso);

Fica evidente o confronto de ideias, cujo destaque encontra-se nos negritos acima, as quais demonstram diferentes formas de pensar a pessoa surda.

Pensamentos como estes estão no imaginário das pessoas e, segundo Jodelet (1989), são conhecidos como representações sociais, isto é, são sistemas de interpretação que afetam nossa relação com o mundo e com os outros. Para esta autora:

[...] compartilhamos o mundo com outros, neles nos apoiamos — às vezes convergindo; outras, divergindo — para o compreender, o gerenciar ou o afrontar. Por isso as representações são sociais e são tão importantes na vida cotidiana. Elas nos guiam na maneira de nomear e definir em conjunto os diferentes aspectos de nossa realidade cotidiana, na maneira de interpretá-los, estatuí-los e, se for o caso, de tomar uma posição a respeito e defendê-la (JODELET, 1989, p. 1).

Do mesmo modo, a representação social “é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e compartilhada, que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 1989, p. 5). Dentro dessa lógica identificamos como objeto a surdez e como sujeitos os ouvintistas e os surdos. Além disso, entendemos como representação, de um lado, o entendimento da surdez enquanto deficiência, e do outro, da surdez enquanto identidade linguística e cultural. Isso nos permite entender o porquê da dicotomia entre os grupos sobre a surdez. Para Skliar (2011), as pessoas ouvintes estão sempre querendo subordinar as pessoas surdas para que estas se tornem semelhantes a elas (ouvintismo) e, por isso, ao olhar para a surdez, percebem somente a falta de audição (visão clínica da surdez) e agem para procurar meios de suprir essa falta.

Complementando esta linha de pensamento, encontramos que Strobel (2013), doutora surda e grande precursora dos estudos da cultura surda, apoiada em autores pós-modernos, considera a questão cultural como plural, isto é, entende cultura como manifestação de diferentes grupos, através da sua forma de transformar e ser transformado pela sociedade. Diante dessa concepção, segundo a autora, os surdos têm cultura quando percebem o mundo pela visão; se comunicam pela língua de sinais (gestualizada ou escrita); produzem literatura surda (artigos, poesias, contos, piadas, histórias infantis, etc.); quando se unem entre si para vida social e esportiva e atuam através da política.

Os estudos desses autores vêm no sentido de mostrar que podemos ter um outro olhar sobre a surdez e o universo das pessoas surdas para somar com elas nossas forças, a fim de que possam decidir pelo modelo educacional que melhor os atenda e os represente.

Dentre esses aspectos relatados, acreditamos que na escola inclusiva, ao invés de existir uma inclusão de fato, o que acontece na realidade é a exclusão. Coadunam-se conosco Perlin e Quadros (1997, p.38) quando afirmam que, na verdade, na escola dita inclusiva, acontece a segregação dos alunos surdos com relação à comunidade escolar, gerando na criança surda sentimentos como o de ser estrangeira e discriminada, levando-a a manter-se na fronteira surdo-ouvinte12.

Os estudos destes autores vêm ao encontro do que defendemos como modelo educacional ideal para alunos surdos. Para sermos mais exatos, nessa menção unimo-nos aos apelos de Campello et al. (2012), em carta ao Ministro da Educação, ao pedirem uma escola que contemple toda especificidade surda, quer seja educacional, linguística, social, afetiva e/ou cidadã.

Várias pesquisas mostram que os surdos melhor incluídos socialmente são os que estudam nas Escolas Bilíngues, que têm a Língua de Sinais brasileira, sua língua materna, como primeira língua de convívio e instrução, possibilitando o desenvolvimento da competência em Língua Portuguesa escrita, como segunda língua para leitura, convivência social e aprendizado. Não somos somente nós que defendemos essa tese. Reforçamos que há um número

12 Essa fronteira, a nosso ver, está relacionada à distância entre as línguas. Se o ouvinte não aprende a

língua de sinais e não houver comunicação entre surdo e ouvinte, o surdo ficará sempre apartado de tudo que acontece, visto que uma escola para ouvintes é pautada pelo mundo de sons e é muito pouco visual.

relativamente grande de mestres e doutores, pesquisadores de diversas áreas de conhecimento, além de professores de ensino básico e superior, que identificam essa realidade e atuam nessa luta conosco. Todos os pesquisadores sérios proclamam que as ESCOLAS BILÍNGUES PARA SURDOS, cujas línguas de instrução e convívio são a Libras (L1) e o Português escrito (L2), são os melhores espaços acadêmicos para a aprendizagem e inclusão educacional de crianças e jovens surdos (CAMPELO et al., 2012, destaques dos autores).

Thoma et al. (2014, p. 3) defendem que a Educação Bilíngue é a proposta política que oferece ao aluno surdo, um espaço educacional que desloca a pessoa surda de uma condição puramente auditiva para uma condição de identidade surda, linguística e culturalmente. Estes autores se contrapõem à proposta inclusiva, afirmando que nela existe um primeiro e primordial erro: o de insistir com a lógica médica da surdez13.

Nesse sentido, estes autores baseiam-se na lei de Libras (Lei 10.436/2002) e no decreto que a regulamenta (Decreto 5.626/2005), para apresentarem o direito que os surdos têm de serem assistidos por professores bilíngues qualificados, bem como o direito a intérpretes e, por fim, até o de escolher a modalidade escolar que julgarem melhor para si. Além do mais, apoiados no artigo 4º do decreto 6.949/2009, ressaltam o direito que os surdos têm de participarem do processo de criação e definição das políticas públicas que os envolvam.

Sendo assim, discutiremos nos próximos itens os aspectos mais importantes da diferenciação entre a escola inclusiva e a escola bilíngue, trazendo discussões sobre a escola, as práticas educativas, as línguas de instrução, culminando no ensino da LP.