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Estratégias de escrita da Língua Portuguesa usadas por estudantes surdos jovens e adultos

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

REGINALDO DE OLIVEIRA COELHO

ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA

USADAS POR ESTUDANTES SURDOS JOVENS E

ADULTOS

CAMPINAS, SP 2020

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REGINALDO DE OLIVEIRA COELHO

ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA

USADAS POR ESTUDANTES SURDOS JOVENS E

ADULTOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Escolar da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Educação Escolar, na área de Educação Escolar.

Orientadora: LILIAN CRISTINE RIBEIRO NASCIMENTO

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DE DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO REGINALDO DE OLIVEIRA COELHO, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. LILIAN CRISTINE RIBEIRO NASCIMENTO.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO ESCOLAR

ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA

USADAS POR ESTUDANTES SURDOS JOVENS E

ADULTOS

REGINALDO DE OLIVEIRA COELHO

COMISSÃO JULGADORA:

Profa. Dra. Lilian Cristine Ribeiro Nascimento Profa. Dra. Heloisa Andreia De Matos Lins Profa. Dra. Cássia Geciauskas Sofiato

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a duas pessoas muito especiais que, além de apostarem todas as suas “fichas” em mim, me ajudaram, aturaram, motivaram, enxugaram minhas lágrimas e me trouxeram até aqui: Lilian Nascimento e Roberto Massucci.

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AGRADECIMENTOS

De coração eu agradeço:

A você, Lilian Nascimento, minha orientadora, amiga, irmã e mãe. Ao trazer-lhe todos esses adjetivos, demonstro o quanto você foi, é e será um “Titã” na minha carreira acadêmica.

A você, Roberto Massucci, meu grande parceiro de 13 anos, hoje meu amigo, por todas as “brigas” que compramos juntos e vencemos.

A você, Marcos de Moura Pimentel, que chegou em minha vida em um momento de muito trabalho, me motivou e ajudou a enfrentar as barreiras encontradas até a conclusão deste trabalho.

A você, Heloisa Mattos Lins, grande mestra e amiga, que no seu silêncio acredita e torce por mim.

A você, Cassia Sofiato, por aceitar com presteza partilhar da minha banca e pela colaboração com grandes orientações teóricas e textuais.

A vocês, Claudia Bortolato e Lara, que se dispuseram a ficar como suplentes, aceitando, com isso, todas as implicações de tal responsabilidade.

A vocês, Pedro Coelho e Maria de Fatima Coelho, meus amados pais, que sempre foram o suporte interno que me faz ir mais longe.

A você, que é membro da minha família: meus amados irmãos (Roberto, Renata, Bertoni, Elizabete, Vanessa e David); meus queridos sobrinhos (Arthur, Paulo, Mateus, Maria Beatriz, Gabriele, Kauan, Stella, Lucas, Pietro e Maria Alice) e cunhados (Jacirene, Raquel, Michele, Rodrigo, Sergio e Dani).

A vocês, meus colegas de trabalho: Diretor Valdeci Donizete Goncalves, Diretor Adjunto Educacional Fernando Henrique Gomes de Souza, Coordenadora Fabiane Guimarães Vieira Marcondes e demais colegas professores: Andrea Liu, Caritá, Andrei, Marcos Willian, Meire, Priscila, Marina, Michael, Kelen Zaparolli, Samuel, Ricardo Moraes, Elmison e Juliana Bernardes, por toda motivação, apoio e parceria.

A você, meu alun@ de todos os tempos, séries, anos e disciplinas. Em especial aos meus super-heróis, que são os participantes desta minha pesquisa: Diana (Mulher Maravilha), Peter Parker (Homem Aranha), Bruce Banner (Hulk), Victor Stone (Cyborg), Barbara Gordon (Batgirl) e Steve Rogers (Capitão América).

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo identificar, descrever e problematizar as principais estratégias usadas por alunos surdos, jovens e adultos, no processo de escrita, em um curso de extensão de Língua Portuguesa, oferecido pelo Instituto Federal de São Paulo – Câmpus São José dos Campos. Durante o curso, aplicou-se conceitos próprios da Educação Bilíngue, em que a Língua de Sinais é a língua de acesso, como também a valorização do letramento visual e da identidade surda. Este trabalho insere-se no modelo de pesquisa qualitativa, com análise indutiva de dados, optando pelo estudo de caso como recurso metodológico. Participaram do estudo sete jovens surdos, com diferentes graus de escolaridade, perda auditiva e fluência em Libras. Para a análise, utilizou-se um referencial teórico baseado em autores surdos e ouvintes da área dos Estudos Surdos. Os resultados revelaram que os alunos se utilizaram de diferentes estratégias ao lidar com a escrita de textos, como: Estratégias Letradas; Estratégias Linguística/Cultural Surda; e Estratégias Afetivas. A contribuição deste trabalho é demonstrar que o ensino de Língua Portuguesa, numa perspectiva bilíngue, pode se apropriar destas estratégias, além da visualidade e da interlocução em língua de sinais.

Palavras-chave: Língua Portuguesa; Aquisição de segunda língua; Escrita; Estratégias; Educação Bilíngue.

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ABSTRACT

This present paper aims to identify, describe and problematize the main strategies used by deaf, young and adult students, in the writing process, in the extension course of Portuguese language, offered by the federal institute of São Paulo – Câmpus São José dos Campos. During the course, concepts of bilingual education have been applied, in which sign language is the main access, as well as the enhancement of visual literacy and deaf identity. This academic paper is part of the qualitative research model, with inductive data analysis, adopting a case study as a methodological resource. Seven deaf young people with different levels of education, hearing loss and fluency in LIBRAS (Brazilian sign language) took part in this study. The analysis was carried out in the theorical framework based on deaf and listeners authors from the deaf studies areas. The results revealed that students used different strategies when dealing with the writing of texts, such as: literate strategies; deaf linguistic/cultural strategies; and effective strategies. The contribution of this paper is to demonstrate that the Portuguese language teaching, in a bilingual perspective, can appropriate of these strategies, in addition, to visuality and sign language interlocution.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Resultado da atividade do Victor Figura 2: Narrativa de Steve

Figura 3: Recorte 1 da Narrativa da aluna Diana Figura 4: Recorte 2 da Narrativa da aluna Diana Figura 5: Obra de arte observada pelos alunos

Figura 6: Frases escritas pelos alunos Steve, Selina, Bruce, Diana e Victor Figura 7: Frase escrita pelo aluno Peter

Figura 8: Atividade: Narrativa de Steve

Figura 9: Recorte da Narrativa feita pelo aluno Steve

Figura 10: Primeiro recorte da Narrativa feita pelo aluno Steve Figura 11: Segundo recorte da Narrativa feita pelo aluno Steve Figura 12: Terceiro recorte da Narrativa feita pelo aluno Steve Figura 13: Primeiro recorte da Narrativa feita pela aluna Diana

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Marcos Legais da Educação Bilíngue

Quadro 2: Comparação entre modelos escolares para surdos Quadro 3: Tipos de Abordagens

Quadro 4: Abordagem Interacionista

Quadro 5: Níveis Comuns de Referência: escala global Quadro 6: Resumo dos Ciclos em CCSP

Quadro 7: Sugestões para práticas docente Quadro 8: Descrição do perfil dos participantes Quadro 9; Regras usadas na descrição dos diálogos Quadro 10: Exemplo de transcrição de cena

Quadro 11: Transcrição da Atividade 1 – Cena 1 Quadro 12: Transcrição da Atividade 1 – Cena 2

Quadro 13: Trecho do diálogo de Victor com o Professor Quadro 14: Transcrição do diálogo sobre bullying

Quadro 15: Transcrição da Atividade 2 – Cena 2 Quadro 16: Transcrição da Atividade 2 – Cena 3 Quadro 17: Transcrição da Atividade 3 – Cena 1 Quadro 18: Bruce auxilia Diana

Quadro 19: Transcrição da Atividade 4 – Cena 3

Quadro 20: Recorte da Transcrição da Atividade 4 – Cena 3 Quadro 21: Recorte da Narrativa feita pelo aluno Victor

Quadro 22: Segundo recorte da Narrativa feita pela aluna Diana Quadro 23: Resumo das Estratégias de Escrita usadas pelos surdos

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AADA – Associação de Ajuda ao Deficiente Auditivo

AADAS - Associação de Atenção ao Deficiente Auditivo e Surdo AEE - Atendimento Educacional Especializado

EJA - Educação de Jovens e Adultos ELiS - Escrita da Língua de Sinais

IFSP/SJC - Instituto Federal de São Paulo/Campus São José dos Campos INES - Instituto Nacional de Educação de Surdos

L2 - Segunda Língua

Libras - Língua Brasileira de Sinais LP - Língua Portuguesa

LPE - Língua Portuguesa Escrita LS - Língua de Sinais

MEC - Ministério da Educação e Cultura

PL2 - Língua Portuguesa como segunda língua PO - Português Oral

SEL - Sistema de Escrita para Libras

UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14

CAPÍTULO 1 – EDUCAÇÃO PARA SURDOS NA ATUALIDADE:

Educação Inclusiva e Educação Bilíngue 20

1.1 A Educação Inclusiva: Conceitos e Diretrizes 22

1.2 A Educação Bilíngue: Conceitos e Diretrizes 25

1.3 Quadro Resumo dos Modelos 29

CAPÍTULO 2 – ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS:

Educação Inclusiva versus Educação Bilíngue 32

2.1 Concepção de Surdez 34

2.2 O afeto dos surdos no espaço escolar 37

2.3 A organização da vida escolar no tempo na escola 40

2.4 Segregação ou respeito à singularidade 42

2.5 Língua de Sinais como Primeira Língua 44

CAPÍTULO 3 – ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUES PARA SUDOS:

Questões Gerais 46

3.1 Abordagens Pedagógicas 48

3.2 Currículo e Avaliação 50

3.3 Espaço Físico 54

3.4 Atividade de Escrita: Metodologias 55

CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA 60

4.1 – Local de Realização da Pesquisa 62

4.2 – Participantes da Pesquisa 62

4.3 – Sobre o Projeto de Extensão 64

4.4 – Coleta de Dados 65

4.5 – Análise dos Resultados 66

CAPÍTULO 5 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 68

5.1 – Descrição das observações a partir das Atividades de Escrita 68

5.1.1 – Atividade 1: Narrativas de Memórias 68

5.1.2 – Atividade 2: Escrita de palavras a partir do

tema gerador “bullying” 75

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5.1.4 – Atividade 4: Descrição de uma obra de arte 81

5.2 – Análise e Discussão 86

5.2.1 – Estratégia de Repetição de Palavras ou Cópia 87

5.2.2 – Estratégia de Memória Sonora 89

5.2.3 – Estratégia de Mútuo Auxílio 90

5.2.4 – Estratégia de Uso da Língua de Sinais 91

5.2.5 – Estratégia de Uso de Memória Datilológica 92

5.2.6 – Estratégia de Uso de Memória Visual 93

5.2.7 – Estratégia de Hipóteses Gramaticais 94

5.2.8 – Estratégia de Tentativa e Erro 98

5.2.9 – Estratégia de Uso de Recursos Multimodais 99

5.2.10 – Estratégia de Busca de Recursos nas Tecnologias

de Informação e Comunicação (TICs) 100

5.3 – A Afetividade no Processo de Escrita 101

CONSIDERAÇÕES FINAIS 106

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INTRODUÇÃO

Há quinze anos estou envolvido diretamente com a prática e a reflexão do trabalho educacional com alunos surdos, de todas as idades. Também tenho participado de discussões de vários temas, seja com meus pares, seja com autores da academia, seja com diferentes pessoas nas redes sociais e, até mesmo, num processo interior de leitura, dialogando com variados temas, tais como: educação bilíngue; educação inclusiva; implante coclear; ensino de primeira e segunda língua; escrita de sinais; cultura surda; subjetividade; minorias; alfabetização e (multi)letramento; tradução e interpretação; política linguística, etc.

A motivação que gerou a presente proposta de pesquisa se deu inicialmente pelas muitas inquietações e desejos de obter diretrizes e materiais que auxiliassem a prática pedagógica, pois para aqueles que estão na lida da sala de aula essa atitude é muito comum: a de se inquietar com o fazer docente e tudo que o cerca. Nesse sentido, Lins e Nascimento (2015, p.30), em seu artigo em que pesquisam sobre o “Estado da Arte” no que se refere à educação de surdos, apontam que no período de 2009 a 2014 houve crescimento constante no número de publicações sobre surdez e Educação de Surdos, o que demonstra uma “crescente discussão na área da educação sobre as especificidades da educação de surdos” (LINS; NASCIMENTO, 2015, p.30). Esse aumento revela que existem inquietações sobre o fazer docente que precisam ser resolvidas.

Porém tal motivação não é a única que existe. Essa outra encontra-se na crença de poder fazer um recorte tal que ofereça elementos significativos para discussão entre a teoria e a prática educacional, teorias essas que tragam alternativas sobre o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua, (PL2)1

que observem a visualidade desta língua, que respeitem a subjetividade, bem como valorizem a “escuta” dos próprios agentes da aprendizagem.

E, por fim, a terceira motivação é de cunho prático, que teve início em 2018, quando, no cargo de professor do Instituto Federal de São Paulo,

1 A forma de sigla PL2, referente ao ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa como segunda língua,

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pude oferecer um curso de extensão de ensino/aprendizagem de PL2 para jovens e adultos surdos. Durante a realização de tal trabalho, passei a ter novas reflexões sobre as possibilidades didáticas a serem usadas, isto é, passei a me perguntar: por onde começar? A partir de qual abordagem teórica? Quais conteúdos, metodologias, materiais e avaliações?

Cabe aqui apresentar um sucinto histórico das minhas experiências profissionais, que se deram ao longo dos últimos quinze anos vividos em sala de aula com alunos surdos em escolas regulares.

De 2004 a 2007, trabalhei no município de Cunha – SP, em uma sala multisseriada com oito crianças surdas de 6 a 14 anos de idade. O maior problema encontrado nesses alunos era falta fluência em língua de sinais para se comunicarem, uma vez que faziam parte de famílias ouvintes, em que eram os únicos surdos. Além disso, viviam em uma cidade onde não havia surdos fluentes e nem associação de surdos que desse suporte complementar a eles. Então, essas crianças cresceram com uma capacidade de comunicação muito limitada, baseada em apontamentos, expressões através de mímica, ou ainda, explosões emotivas em situações de tensão, seja através de choro, birra, expressão de raiva, etc. Nesses casos, nem sempre se faziam entender.

De 2008 a 2009, fui trabalhar em São José dos Campos – SP, na Associação de Ajuda ao Deficiente Auditivo (AADA)2, como professor de Libras

para crianças surdas de diversas idades. Este local oferecia aos alunos um espaço de atendimento bilíngue, visto que a língua de acesso era Libras, e a Língua Portuguesa era trabalhada como língua instrumental. Quem dirigia a instituição era uma surda, formada pelo Letras Libras3, que servia de modelo

social/político e linguístico para os alunos ali atendidos.

De 2010 a 2016, trabalhei na rede de ensino da Prefeitura da Estância de Atibaia – SP, no cargo de Professor/Intérprete de Libras. Durante esse tempo, participei de diversas experiências, nas quais tive a oportunidade de levantar questionamentos e realizar ações políticas ligadas à educação dos surdos. Da minha experiência profissional até então, esse era o melhor trabalho

2 A partir de 2019 esta Associação passou a chamar-se Associação de Atenção ao Deficiente Auditivo e

Surdo – AADAS.

3 O Letras Libras é o primeiro curso de graduação (Licenciatura e Bacharelado) criado pela Universidade

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no modelo inclusivo que tive a oportunidade de participar, visto que ele era bem organizado e dispunha de uma escola polo, onde os alunos estudavam em suas séries regulares acompanhados de um professor/intérprete4, e numa casa, que

ficava próxima à escola, onde estava montado o ambiente necessário para a realização do Atendimento Educacional Especializado (AEE) no contraturno, somente para os alunos surdos, através de uma equipe multidisciplinar formada por professor bilíngue para o ensino de LP2, professor de Libras, professores intérpretes, e fonoaudióloga. Porém, olhando esse sistema educacional como um todo, sempre considerei que ali faltavam alguns quesitos indispensáveis, tais como: a presença de professores surdos como referência e profissionais fluentes em Libras. Além disso, outros problemas eram: a língua de acesso era a Língua Portuguesa na modalidade oral, os alunos ficavam inclusos em sala regular, geralmente sem companheiros linguísticos, etc. Ou seja, era uma boa escola, porém moldada em valores inclusivos.

Ainda em Atibaia, trabalhei também como intérprete educacional, com jovens e adultos surdos, em escolas municipais de propostas inclusivas, matriculados no Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Lá ocorria o mesmo problema encontrado nas escolas inclusivas de ensino regular: os surdos eram inseridos em sala regular com a proposta de alfabetização idêntica à oferecida aos alunos ouvintes. A partir disso, confesso que sentia vontade de assumir o aluno como eu sendo o seu professor, com o intuito de realizar o trabalho pedagógico totalmente voltado para ele, respeitando seus aspectos linguísticos, culturais e do ensino/aprendizagem de segunda língua. Porém, isso não me era permitido.

Quando o tema é ensino de Língua Portuguesa como segunda língua, encontramos muitos embates entre defensores da Educação Bilíngue e os da Educação Inclusiva. É sabido que a comunidade surda, através de seus representantes, é contundente ao defender, em diversas esferas, a existência de uma escola de qualidade para o alunado surdo, um espaço que cumpra sua missão educacional. Em 2012, por exemplo, sete doutores surdos enviaram

4 Este termo era usado pelo próprio edital de contratação, pois a intenção e exigência era que o

profissional intérprete de Libras fosse também pedagogo e auxiliasse o professor da sala em questões didáticas relacionadas à inclusão do aluno surdo.

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uma carta aberta ao então Ministro da Educação, Aloísio Mercadante, com o seguinte alerta:

Todos os pesquisadores sérios proclamam que as ESCOLAS BILÍNGUES PARA SURDOS, cujas línguas de instrução e convívio são a Libras (L1) e o Português escrito (L2), são os melhores espaços acadêmicos para a aprendizagem e inclusão educacional de crianças e jovens surdos (CAMPELLO et al, 2012, p.2), grifos do autor. E esses estão amparados por lei, visto que o próprio Decreto nº 5626, de 22 de agosto de 2005, Art. 14, parágrafo 1º, inciso II, diz que o Estado deve: “ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino de Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos” (BRASIL, 2005). Conclui-se, então, que desde essa data o ensino de PL2 já está definido nos moldes da lei, porém não nas práticas educacionais.

Por outro lado, é necessário esclarecer a respeito da Educação Inclusiva, pela qual passa a maioria das crianças surdas em fase escolar até os dias de hoje. Em 2008, o MEC lançou a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, e dentro desta política é que se implementa o AEE, que propõe que no contraturno os alunos com necessidades especiais tenham a complementação de suas formações. Para os alunos com surdez, tal proposta compreende:

• Momento do Atendimento Educacional Especializado em Libras na escola comum, em que todos os conhecimentos dos diferentes conteúdos curriculares, são explicados nessa língua por um professor, sendo o mesmo preferencialmente surdo. Esse trabalho é realizado todos os dias, e destina-se aos alunos com surdez. • Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensino de Libras na escola comum, no qual os alunos com surdez terão aulas de Libras, favorecendo o conhecimento e a aquisição, principalmente de termos científicos. Este trabalhado é realizado pelo professor e/ou instrutor de Libras (preferencialmente surdo), de acordo com o estágio de desenvolvimento da Língua de Sinais em que o aluno se encontra. O atendimento deve ser planejado a partir do diagnóstico do conhecimento que o aluno tem a respeito da Língua de Sinais. • Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensino da Língua Portuguesa, no qual são trabalhadas as especificidades dessa língua para pessoas com surdez. Este trabalho é realizado todos os dias para os alunos com surdez, à parte das aulas da turma comum, por uma professora de Língua Portuguesa, graduada nesta área, preferencialmente. O atendimento deve ser planejado a partir do diagnóstico do conhecimento que o aluno tem a respeito da Língua Portuguesa (DAMÁZIO, 2007 p. 25).

Além dessas orientações, existe também, nessa política, a definição que haverá a presença do profissional intérprete de Libras na escola, com a

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função de realizar, no ambiente escolar, a tradução e interpretação da Língua de Sinais para Língua Portuguesa e vice-e-versa.

Tendo apresentado os dois modelos que divergem, decidimos realizar uma discussão, confrontando-os ao mesmo tempo em que assumimos a Educação Bilíngue como o modelo que melhor atende à demanda educacional surda. A razão para tal escolha localiza-se na crença de que, hoje, com diversos surdos formados em universidades, eles poderiam e deveriam dizer qual é o modelo de escola que melhor os atende. Isso já aconteceu entre 1712 a 1789, na França, quando o Abade L’Epee permitiu-se aprender com os surdos a língua de sinais e, com isso, abriu-lhes espaço social, possibilitando assim grande expansão da LS e da educação dos surdos para outros países, inclusive para o Brasil.

Ao realizar um embate entre tais concepções, nosso intento é apresentar diretrizes para o ensino/aprendizagem do Português escrito no modelo bilíngue, que corresponde a discutir temas como: currículo, professor, afeto, abordagens teórico-pedagógicas, metodologias, avaliação, etc.

Por outro lado, com a possibilidade de realizar o mestrado profissional em educação e com todas as questões que eu já havia levantado a partir da minha prática de ensino/aprendizagem da LP2 para alunos surdos, em curso de extensão, decidi realizar uma pesquisa que pudesse deixar emergir respostas a partir da observação dos alunos. Para realizar tal pesquisa, optei pelo modelo de pesquisa qualitativa, com o intuito de deixar fluir livremente os acontecimentos e as interpretações, a partir do que se é proposto em sala de aula, para, então, analisar e descobrir eventuais relações. Faremos essa análise apoiados em Bogdan e Biklen (2010, p.51), que apresentam a dinâmica deste tipo de investigação como a que traz luz às situações interna, e ressaltam a figura do investigador como um aprendiz a “interpretar os dados em função do contexto” (DEUTSCHER, 1973 apud BOGDAN e BIKLEN, 2010, p. 69), como análise indutiva de dados, optando pelo estudo de caso como recurso metodológico. A proposta metodológica foi registrar as aulas através de filmagens e realizar as suas transcrições tendo como objetivo identificar, descrever e problematizar as principais estratégias usadas por alunos surdos, jovens e adultos, no processo de escrita, em um curso de extensão de Língua

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Portuguesa, oferecido pelo Instituto Federal de São Paulo – Câmpus São José dos Campos. Sendo assim, apresento a estrutura desta dissertação:

No primeiro capítulo, apresento as definições dos modelos pedagógicos de Educação Inclusiva e de Educação Bilíngue, o qual encerro com um quadro em que confronto os dois modelos.

No segundo capítulo, discuto esses dois modelos a partir de premissas como: concepção de surdez; organização do ambiente escolar; organização do tempo na escola; discussão entre segregação ou singularidade; e LS como primeira língua.

No terceiro capítulo, apresento diretrizes sobre o

ensino/aprendizagem da LP2.

No quarto capítulo, apresento a metodologia que foi usada nesse trabalho, em que é descrito o local da pesquisa, seus participantes e como foi feita a coleta e análise de dados.

No quinto, explicito o desenvolvimento das ideias, a partir das observações e análises das aulas, num diálogo com as teorias apontadas no terceiro capítulo.

Por fim, no sexto e último capítulo, são descritas as considerações finais.

Enfim, é possível pensar que tal proposta não encerrará as discussões, ao contrário, acredita-se que ela poderá contribuir com as discussões acerca do tema sugerido e auxiliar os profissionais envolvidos nessas práticas. Também espera-se contribuir para a conscientização sobre a forma usada para a alfabetização e letramento das crianças surdas em nossas atuais escolas e suas consequências para o futuro destes alunos. Além disso, essa pesquisa contribui para ampliar minha própria prática pedagógica, aprimorando-a no ensino/aprendizado da LP2.

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CAPÍTULO 1 – EDUCAÇÃO PARA SURDOS NA ATUALIDADE: Educação Inclusiva e Educação Bilíngue

Ao nos depararmos com a realidade educacional dos alunos surdos no Brasil, verificamos que há duas situações: de um lado a educação bilíngue e de outro a educação inclusiva. Desta forma, o ensino da Língua Portuguesa para surdos é um caminho com bifurcação, ou seja, não há uma única possibilidade, mas duas alternativas, cada uma atrelada a um dos modelos educacionais. Nesse trabalho, para esclarecer as diferentes formas de ensino do português para os surdos, trazemos um mapa que nos mostra mãos que direcionam (grifo nosso) para um dos caminhos da bifurcação. Enquanto isso, para o caminho oposto, há vozes que apontam o trajeto.

Nesta alegoria, as mãos representam as ideias e pesquisas de doutores surdos e não surdos, tais como Karin Strobel, Marianne Stumpf, Regina Campello, Carlos Skiliar, Ronice Quadros, entre outros, que defendem a existência da concepção de identidade, cultura e linguística próprias das pessoas surdas. Já as vozes serão representadas pelas ideias e pesquisas dos doutores ouvintes, entre os quais destacamos: Eugênia Fávero, Luíza Pantoja, Maria Teresa Mantoan e Mirlene Damázio.

Para sermos mais específicos, ao mostrar essa realidade pretendemos lançar um olhar para a questão do ensino/aprendizagem da língua portuguesa nesses ambientes e suas consequências para a vida do alunado surdo, bem como trazer as nossas inquietações quanto aos resultados da Educação Inclusiva no Brasil, desde que esta foi implementada pelo Ministério da Educação e da Cultura (MEC). Após quinze anos de publicação do decreto nº 5.626/2005, que regulamenta a lei de Libras e dá diretrizes sobre a educação dos surdos, perguntamos: o que tal decreto proporcionou de positivo para a vida educacional do aluno surdo? Sabe-se que, neste período, entre a publicação do decreto até os dias de hoje, a condução da educação dos surdos se deu não pela Educação Bilíngue, mas pela Educação Inclusiva. E, sobre esta, Campello et al (2012, p.1) apresentam a afirmativa de que o presente modelo não tem garantido o aprendizado dos surdos, justificando que os motivos são a falta da língua de Sinais como instrução e a Língua Portuguesa ensinada de uma forma

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que o surdo não tem acesso pleno. Dessa forma, os autores demonstram um resultado infeliz desta prática, pois para eles:

Entre 2006 e 2009, foram fechadas 13.552 vagas em classes e escolas específicas para alunos surdos e com deficiência auditiva e apenas 4.450 novas matrículas de alunos surdos e com deficiência auditiva surgiram em classes comuns do ensino regular, o que nos permite dizer que, entre 2006 e 2009, 9.102 alunos surdos e com deficiência auditiva foram excluídos do sistema escolar. [...] A conclusão a que pelas evidências somos forçados a chegar, com base nesses dados oficiais, é de que quando são negados os direitos linguísticos de crianças e jovens surdos, retirando-lhes classes e escolas que se constituem condição de aquisição e desenvolvimento de sua língua, também lhes são retirados, tão simplesmente, o acesso ao sistema de educação geral, ou seja, acesso este que a Convenção busca proteger e garantir (CAMPELLO et al 2012 p. 5-6).

Por outro lado, Damázio (2011), em uma entrevista para o site Portal do Professor, afirma o contrário. Para ela:

A política de educação no Brasil vem tecendo fios direcionais numa perspectiva de inclusão de todos na escola comum, com destaque para as pessoas com deficiência. Nesta perspectiva inclusiva, os olhares acolhedores para as pessoas com surdez têm se evidenciado no ambiente escolar. [...] Nos aspectos estruturais, entendemos que o fracasso escolar das pessoas com surdez é um problema da qualidade das práticas pedagógicas e não um problema somente focado nessa ou naquela língua, ou mesmo numa diferença cultural, envolvendo outra cultura, uma comunidade com identidades surdas próprias. É preciso construir um campo de comunicação e interação amplo, possibilitando que as línguas tenham o seu lugar de destaque, mas que não sejam o centro de tudo o que acontece nesse processo. Aí, deve-se discutir a presença obrigatória de quem age, produz sentido e interage: a pessoa com surdez. Isso nos faz pensar num sujeito com surdez não reduzido ao chamado mundo surdo, com a identidade e a cultura surda, mas numa pessoa com potencial a ser estimulado e desenvolvido nos aspectos cognitivos, culturais, sociais e linguísticos. Sendo assim, precisamos estabelecer um ambiente educacional rico de solicitações e acessibilidade em ambas as línguas e práticas pedagógicas que colaborem com as construções conceituais

No trecho citado, quando a autora afirma que “é preciso construir um campo de comunicação e interação amplo, possibilitando que as línguas tenham o seu lugar de destaque, mas que não sejam o centro de tudo o que acontece nesse processo” (DAMAZIO, 2011), tira o foco da principal questão da diferença das pessoas surdas em relação às ouvintes, ou seja, a linguística. A autora afirma exatamente o contrário que os pesquisadores surdos vêm enfatizando há anos. Ela defende que “o fracasso escolar das pessoas com surdez é um problema da qualidade das práticas pedagógicas e não um

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problema somente focado nessa ou naquela língua, ou mesmo numa diferença cultural, envolvendo outra cultura, uma comunidade com identidades surdas próprias” (DAMAZIO, 2011). A comunidade surda clama por uma educação de qualidade sim, mas que tenha como fundamento a língua de sinais e as práticas culturais surdas.

Ou seja, existem duas concepções que se contrapõe entre si, exigindo de todos os que atuam no campo da educação e pesquisa, sobre a educação dos surdos, constantes reflexões. Dessa forma, diante de tal embate, apresentaremos a seguir um resumo sobre a Educação Inclusiva e outro sobre a Educação Bilíngue. Em seguida, para encerrar, apresentaremos um quadro resumo confrontando tais concepções.

1.1 A Educação Inclusiva: Conceitos e Diretrizes.

O Programa de Educação Inclusiva foi implementado pelo MEC a partir de 20035, como uma proposta de transformação dos espaços educacionais,

Ensino Regular6 e Educação Especial7, de modo que a Escola seja um espaço

para todos. Nesse sentido, o Grupo de Trabalho do MEC, criado pela Portaria Ministerial Nº 555/20078, constituído por professores pesquisadores da área da

educação especial, sob a coordenação da Secretaria de Educação Especial – SEESP/MEC, elaborou a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, publicada em janeiro de 2008, que na sua introdução resume tal política:

O movimento mundial pela educação inclusiva é uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos

5 MEC/SEESP. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento

elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf, acesso em 05/11/2019.

6 Segundo Fávero, Pantoja e Montoan (2007, p. 26) é aquele que está estabelecido por lei.

7 Para Fávero (2007, p. 17) são espaços especiais ou especializados, que substituem o ensino regular

para o atendimento de pessoas com deficiência. Na proposta inclusiva, este espaço não é suprimido, apenas redirecionado para que se torne um Atendimento Educacional Especializado.

8 Grupo de Trabalho do MEC, criado pela Portaria Ministerial Nº 555/2007, disponível em

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humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à idéia de eqüidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (FÁVERO; PANTOJA; MONTOAN, 2007, p. 5).

Evidentemente, a exigência dos direitos é fundamental e, uma vez que ela se torna lei, obriga a movimentação de todos os envolvidos para sua implementação, que foi norteada pelo slogan “o direito de todos a uma escola de todos e para todos, sem exclusões, discriminação e preconceitos” (FÁVERO, PANTOJA e MONTOAN 2007, p. 6). Desta forma, a partir da política que determinou a inclusão, os educadores e gestores foram impelidos para uma nova ordem de ação educacional. A partir disso, podemos nos debruçar para analisar os resultados obtidos.

Além de estarmos sob a influência de um movimento mundial que direciona a implementação do modelo inclusivo, temos a legislação brasileira que, com base na Constituição Federal de 1988, preconiza a aplicação do princípio jurídico da igualdade. Todavia, quando se trata de observar este princípio, nos deparamos com especificidades humanas sobre as quais necessitamos realizar reflexões e diferenciações que nem sempre são fáceis de serem aplicadas. Com o intuito de nos auxiliar nesse processo, Fávero (2007, p.14-15) nos aponta critérios que foram desenvolvidos por consequência de convenções e tratados internacionais, tais como: identificar o fator da diferenciação; não admitir desigualdades baseadas em atributos subjetivos do ser humano, exceto quando objetivamente estejam ligadas à interdição ou proteção do direito à vida; adotar medidas especiais que visem o gozo ou exercício de direito, facultando à pessoa interessada aceitar o tratamento diferenciado.

Em virtude de tais premissas, construíram-se as diretrizes da Educação Inclusiva, na qual o aluno é atendido em sala regular em um período e, no outro período, em Atendimento Educacional Especializado (AEE), sendo que este deve ser organizado de acordo com as necessidades de cada aluno, para que possa, assim, apoiar o seu desenvolvimento. Fávero (2007, p.16) reafirma que tal proposta é um atendimento diferenciado e não excludente, que vem somar trabalhos em unidade com o ensino regular, e que é direito fundamental de todos. Sobre esse direito de todos à educação, a autora também revela que é

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preciso observar que tal ação garanta o pleno desenvolvimento da pessoa; que seja realizado em estabelecimentos oficiais, e que estes não sejam organizados de maneira que separe as pessoas por grupos específicos, ou seja, enfatiza a aplicação do conceito de uma escola por todos e para todos.

Para a implementação deste modelo educacional, a Secretaria de Educação Especial, do Ministério da Educação, em 2007, publica para cada especificidade (pessoa com surdez, deficiência física, deficiência mental e deficiência visual) um documento pedagógico, denominado “Formação Continuada a Distância de Professores para o Atendimento Educacional Especializado”. No documento orientado especificamente para a pessoa com surdez, de autoria de Mirlene Ferreira Macedo Damázio (2007, p 14), encontramos que essa política se opõe à defesa de cultura, identidade e comunidade surda, considerando-as como as diferenças que segregam. Para esta autora, é preciso promover o confronto entre as diferenças, para que novos caminhos se abram para a coletividade. Assim, o atendimento do surdo, de acordo com Damázio (2007), se dará em ambiente bilíngue e em dois períodos diários: um em sala regular, com a inserção do intérprete de Libras, que cumpre a função de ponte entre pessoas e línguas envolvidas no processo; outro no contraturno para a execução do Atendimento Educacional Especializado.

Este atendimento especializado deverá ser dividido em três momentos distintos: o primeiro deve ser reservado para o ensino dos conteúdos curriculares em Libras, preferencialmente por um surdo; o segundo para o ensino da Libras, também preferencialmente por um surdo; e o terceiro para o ensino da Língua Portuguesa, preferencialmente por um professor graduado nesta área.

Especificamente sobre o ensino da Língua Portuguesa para surdos, Damázio (2007) detalha que o atendimento deste aluno no AEE deve ser realizado por um profissional graduado, que acreditamos ser alguém formado em Letras – Língua Portuguesa. Também determina que este se proponha a realizar todas as mudanças que sejam necessárias para o ensino dos alunos surdos, de forma que consiga desenvolver neles a competência gramatical, linguística e textual. Também deverá fazer uso de recursos multifuncionais e visuais, usar amplo acervo textual em língua portuguesa, bem como ter dinamismo e criatividade na elaboração das atividades. E a autora acrescenta

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que o professor em questão deverá também atender alunos que optarem pelo trabalho oral da língua, oferecendo pistas fonéticas para a prática da fala e da leitura labial.

Outro aspecto a ressaltar, nas concepções inclusivas desta autora, é sobre a Língua de sinais, pois ela postula que os alunos devem usar e aprender essa língua, mas que isso por si não é suficiente. Em sua argumentação, declara que, mais do que utilizar essa língua, os alunos devem frequentar espaços escolares desafiadores. Também Fávero, Pantoja e Montoan (2007, p. 39), ao falarem do aprendizado de Libras, afirmam que, se for opção dos pais, devem acontecer na própria sala de aula regular, por um instrutor (de preferência surdo), juntamente com os demais colegas (ouvintes) e o professor.

1.2 A Educação Bilíngue: Conceitos e Diretrizes.

Iniciaremos a apresentação dos conceitos sobre a Educação Bilíngue no Brasil, a partir dos marcos legais que a garantem, conforme pode ser visto no quadro abaixo, que de forma direta demonstra as citações referentes a estes dispositivos na legislação pertinente.

Quadro 1: Marcos Legais da Educação Bilíngue Lei, Decreto ou

Convenção Local Citação

Lei n. 10.436/2002 Art. 1º

“É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Libras e outros recursos de expressão a ela associados”.

Lei n. 10.436/2002 Art. 1º, § único

“Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil”.

Decreto n.

5.626/2005 Art. 22, Inciso I

“escolas e classe de educação bilíngües, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngües, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental”.

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Lei, Decreto ou

Convenção Local Citação:

Decreto n.

5.626/2005 Art. 22, § 1º

“São denominadas escolas ou classes de educação bilíngue aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo processo educativo”

Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoas com Deficiência, anexada no Decreto n. 6.949/2009 Art. 24, § 3º

“b) Facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da identidade linguística da comunidade surda;

c) Garantia de que a educação de pessoas, em particular crianças cegas, surdocegas e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados ao indivíduo e em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social”. Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoas com Deficiência, anexada no Decreto n. 6.949/2009 Art. 30, § 4º

“As pessoas com deficiência farão jus, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a que sua identidade cultural e linguística especifica seja reconhecida e apoiada, incluindo as línguas de sinais e a cultura surda”.

Decreto n.

7.387/2010 Art. 1º

“Fica instituído o Inventário Nacional da Diversidade Linguística, sob gestão do Ministério da Cultura, como instrumento de identificação, documentação, reconhecimento e valorização das línguas portadoras de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.

(27)

Lei, Decreto ou

Convenção Local Citação:

Lei n. 13.005/2014 Meta 4.7

“Garantir a oferta de educação bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS como primeira língua e na modalidade escrita da Língua Portuguesa como segunda língua, aos(às) alunos(as) surdos e com deficiência auditiva de 0 (zero) a 17 (dezessete) anos, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos termos do art. 22 do Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, e dos arts. 24 e 30 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como a adoção do Sistema Braille de leitura para cegos e surdos-cegos”.

Fonte: Elaborado pelo autor

Fica claro, nestes excertos legais, que, a partir da publicação da Lei Nº 10.436/2002 (BRASIL, 2002), houve uma ampliação dos conceitos e das diretrizes para a Educação Bilíngue para os surdos no Brasil. Dessa forma, foram evidenciados os direitos do surdos de usarem sua língua em todos os contextos escolares, bem como os de aprenderem e usarem a Língua Portuguesa como segunda língua, e de serem atendidos por profissionais bilíngues qualificados. Ou seja, direito a participarem de uma Educação Bilíngue. Thoma et al. (2013) abrange tal conceituação da seguinte maneira:

A Educação Bilíngue de surdos envolve a criação de ambientes linguísticos para a aquisição da Libras como primeira língua (L1) por crianças surdas, no tempo de desenvolvimento linguístico esperado e similar ao das crianças ouvintes, e a aquisição do português como segunda língua (L2). A Educação Bilíngue é regular, em Libras, integra as línguas envolvidas em seu currículo e não faz parte do atendimento educacional especializado. O objetivo é garantir a aquisição e a aprendizagem das línguas envolvidas como condição necessária à educação do surdo, construindo sua identidade linguística e cultural em Libras e concluir a educação básica em situação de igualdade com as crianças ouvintes e falantes do português (THOMA et al, 2013, p. 6).

A Educação Bilíngue não é algo atual: segundo Kozlowski (1998, p.47), a proposta de educação bilíngue do surdo surgiu na década de 1970. Porém, como observamos no quadro acima, foi a partir de 2002 que ela começa, no Brasil, a se materializar, ao reconhecer-se a Libras como sendo a língua da

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comunidade surda. Dessa forma, dá-se para comunidade surda duas línguas importantes: a língua Portuguesa escrita, por ser a língua nacional; e a Libras como meio de comunicação próprio da comunidade surda. Isso passa a exigir, naturalmente, uma educação bilíngue para os surdos brasileiros.

Desde 1997, Skliar, ativista da causa surda e pesquisador sobre a educação dos surdos, já norteava discussão sobre o bilinguismo, ampliando-a para além do campo metodológico escolar. Trazia em suas discussões aspectos mais globais dos alunos, tais como sua identidade e sociabilidade, isto é, uma pessoa para além das letras:

A educação bilíngüe é um reflexo cristalino de uma situação e uma condição sócio-lingüística dos próprios surdos; um reflexo coerente que tem que encontrar seus modelos pedagógicos adequados. A escola bilíngüe deveria encontrar neste reflexo o modo de criar e aprofundar, de forma massiva as condições de acesso à língua de sinais e à segunda língua, à identidade pessoal e social, à informação, ao mundo do trabalho e a cultura dos surdos (SKLIAR, 1997, p. 53). A luta por esse modelo vem se ampliando, principalmente no campo político, a fim de que se torne realidade. Nesse sentido, segundo Thoma et al. (2013), no Relatório do Grupo de Trabalho, designado pelas Portarias nº 1.060/2013 e nº 91/2013 do MEC, contendo subsídios para a Política Linguística de Educação Bilíngue Libras e Língua Portuguesa, encontramos as diretrizes que devem corresponder ao modelo educativo bilíngue para surdos e as apresentamos em forma de resumo:

a) Selecionar e enturmar os alunos pela sua especificidade linguística e cultural;

b) Ambiente educacional bilíngue regular em Libras;

c) Espaço escolar marcado pelos artefatos culturais surdos como: Pedagogia Visual e Literatura Surda;

d) Ambas as línguas fazem parte do currículo escolar;

e) Ambientes linguísticos adequados para aquisição de Libras como primeira língua para surdos e segunda língua para alunos ouvintes;

f) Acesso precoce das pessoas surdas a uma língua de sinais plena e rica lexical e gramaticalmente;

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g) Na Educação Infantil e Creche, os profissionais de Libras devem ser prioritariamente surdos;

h) Letramento visual em leitura e escrita da Língua de Sinais; i) Estudo formal para o aprendizado de Língua Portuguesa

como segunda língua e segunda modalidade, como língua instrumental por profissionais da área;

j) Instrumentos de avaliação que foquem a verificação da apropriação conceitual e do conteúdo abordado em Libras; k) Avaliação escrita da Língua Portuguesa que leve em conta a

questão da segunda língua e modalidade;

l) Presença do Intérprete de Libras como instrumento linguístico entre a escola e o externo.

A Federação Nacional de Educação de Surdos – FENEIS (2013), em uma nota contra as alterações que estavam sendo sugeridas para a Meta 4 do Plano Nacional de Educação, caracteriza as escolas bilíngues como aquelas que têm como língua de instrução a Libras, e em que, só após a aquisição dessa primeira língua, dá-se a o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua. Também preconizam que para a implementação desse modelo é necessário que exista um espaço arquitetônico próprio, com professores bilíngues, o que dispensa a mediação de intérpretes na relação dos alunos surdos com o professor.

Sendo assim, entendemos que na Educação Bilíngue é indiscutível a presença de profissionais surdos e profissionais ouvintes bilíngues, que garantam a identidade, cultura e Língua de Sinais. De forma complementar, tão importante quanto esse ambiente de formação inicial do aluno surdo, a Língua Portuguesa deve ser ensinada como segunda língua.

1.3 Quadro Resumo dos Modelos

Encerrando as explicações, apresentamos um quadro no qual confrontamos os dois modelos de educação para surdos, a partir de temas específicos.

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Quadro 2: Comparação entre modelos escolares para surdos

Tema Educação Inclusiva

para Surdos Educação Bilíngue para Surdos Organização dentro do MEC Integrado à Secretaria

de Educação Especial Com Diretoria própria

Escola Escola aberta para

todos

Escola aberta para todos

Sala de aula Regular Com intérprete de Libras Com professores fluentes em Libras Estatuto da Língua

de Sinais Brasileira

Libras como instrumento de apoio educacional

Libras como língua de instrução e convívio

mútuo entre todos

Ensino da Língua Portuguesa

Ensino/aprendizagem de LP em sala regular,

junto aos alunos ouvintes e em outro

período em sala de AEE.

Ensino/aprendizagem de LP em sala regular como segunda língua com professor graduado

na área. Contraturno na Escola Regular Diariamente em atendimento no AEE, como apoio ao ensino/aprendizagem da Libras, da LP e dos conteúdos diários apresentados na sala regular Diariamente, em período contrário ao

ensino regular, livre para realizar atividades

diversas como arte, esporte, projetos, etc.

Profissional Intérprete de Libras

Atua como interlocutor entre o aluno e seu

universo escolar.

Atua apenas para atividades externas ao

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Tema Educação Inclusiva para Surdos Educação Bilíngue para Surdos Profissional Intérprete de Libras Atuação indefinida. (Mediador educacional, intérprete, professor intérprete, interlocutor). Atuação tradutor/intérprete.

Professor Surdo Atua preferencialmente

como parte do processo

Atua como principal agente do processo

educacional Língua de Acesso e

instrução

Língua Portuguesa falada e escrita, com

intérprete de Libras Libras sinalizada9 e Língua Portuguesa escrita. Representação Social10

Surdo visto como deficiente.

Surdo visto como sujeito bilíngue e bicultural. Visão política Defende a importância do confronto surdo versus ouvinte,

promovido pela relação entre as diferenças para

a vida em coletividade. Defende a existência da cultura, identidade e comunidade surda Concepção Metodológica Os professores precisam conhecer e

usar a Libras como ferramenta

A Libras é o principal canal de comunicação e

linguagem.

Fonte: Elaborado pelo autor

9 O termo “Libras Sinalizada”, faz referência ao motivo de existência da modalidade escrita da Libras,

sabendo-se que ainda não é usada como recurso de ensino/aprendizagem de primeira língua.

10 Para Jodelet (1989, p. 4), sobre a Representação Social, “[...] há acordo na comunidade científica. É uma

forma de conhecimento, socialmente elaborado e compartilhado, que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum, a um conjunto social.”

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CAPÍTULO 2 – ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS: Educação Inclusiva versus Educação Bilíngue

Ao iniciar essas reflexões, em que confrontamos os modelos de educação para os surdos, voltamos à ideia metafórica das mãos que nos direcionam, pois defendemos a ideia de que os próprios surdos devem apontar o modelo que consideram como o ideal de ensino/aprendizagem para si mesmos.

Se voltarmos no tempo, veremos que houve em um momento na história, entre 1712 e 1789, em que um homem conhecido como Abade Charles Michel de L’Epee valorizou a comunicação por gestos dos surdos, aprendendo-a e, a partir dela, estimulando o ensino e aprendizado da língua Francesa com métodos por ele criados.

Mesmo considerando que seus métodos possam não ter sido exemplares, uma vez que descaracterizava a sintaxe da língua de sinais, ele realizou o processo de valorização da língua de sinais, demonstrando, assim, que ela é imprescindível na vida dos surdos. Segundo Moura (2000), nesse período houve um avanço com relação aos desenvolvimentos humano, social, identitário, linguístico e educacional dos surdos. Isso se comprova pelo resultado obtido, pois nesta época se deu a formação de vários professores surdos, profissionais estes que viajaram por diversos países para auxiliar na fundação de escolas e, assim, contribuíram para a formação, valorização da língua de sinais e da Cultura Surda.

Oliver Sacks (2010) relata, aofalar de educação de surdos, que o grande impulso aconteceu na França entre 1770 e 1820 e, em seguida, espalhou-se para outros países. Um exemplo, segundo esse autor, é a história do surdo Laurent Clerc que, em viagem para os Estados Unidos, ajudou na fundação da Gallaudet University, hoje internacionalmente conhecida.

Em 1864, o congresso aprovou uma lei autorizando a Columbia Institution for the Deaf and the Bling, em Washington, a transformar-se numa faculdade nacional para surdos-mudos, a primeira instituição de ensino superior especificamente para surdos. O primeiro reitor foi Eward Gallaudet – filho de Thomas Gallaudet, que em 1816 leva Clerc para os Estados Unidos. O Gallaudet College, continua sendo até hoje a única faculdade de ciências humanas do mundo para alunos surdos (SACKS, 2010, p. 32).

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Segundo Strobel (2009, p. 24), também o Brasil foi beneficiado com tal expansão linguística e cultural dos surdos, pois, em 1855, o professor surdo Eduardo Huet, sob o beneplácito do Imperador Dom Pedro II, fundou na cidade do Rio de Janeiro a primeira escola de surdos, hoje denominada Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).

Porém, segundo a autora, seguiu-se a esse momento de crescimento um período de retrocesso, marcado principalmente pelas ideias ouvintistas11 e

proposituras veiculadas no Congresso de Surdo-Mudez de Milão – Itália, em 1880, quando:

[...], o método oral foi votado o mais adequado a ser adotado pelas escolas de surdos e a língua de sinais foi proibida oficialmente alegando que a mesma destruía a capacidade da fala dos surdos, argumentando que os surdos eram “preguiçosos” para falar, preferindo usar a língua de sinais. [...] Na ocasião de votação na assembleia geral realizada no congresso todos os professores surdos foram negados o direito de votar e excluídos, dos 164 representantes presentes ouvintes, apenas 5 dos Estados Unidos votaram contra o oralismo puro (STROBEL, 2009, p.26).

Seguiram-se, então, anos de atraso no desenvolvimento dos surdos, além de humilhação, desagravo físico e outras ocorrências contra essas pessoas. Afirma Sacks (2010):

E então – e esse é o momento crítico de toda a história – a maré virou, voltou-se contra o uso da língua de sinais pelos surdos e para os surdos, de tal modo que em vinte anos se desfez o trabalho de um século. [...] professores ouvintes, e não professores surdos, tiveram que ensinar os alunos surdos” [...] O inglês tornou-se a língua para instrução de alunos surdos (SACKS, 2010, p.33).

Podemos afirmar que a situação atual sobre a educação dos surdos no Brasil não está diferente, pois existe o modelo de Educação Inclusiva, defendida por pessoas ouvintes, que propõe políticas educacionais para os surdos, insistindo em dizer como deve ser esta educação, sem ouvi-los e sem reconhecê-los como protagonistas desse processo.

A fim de exemplificar a ação dos ouvintistas inclusivos, com relação à educação dos surdos, trazemos, a título de reflexão e crítica, a parábola escrita

11 O conceito Ouvintista encontra-se em Skliar (2011) quando procura problematizar a concepção de

normalidade cultural. Para o autor, o ouvintismo é o termo usado para definir um conjunto de representações que as pessoas ouvintes têm e pelas quais subordinam os surdos a se olharem e se assemelharem a eles.

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por Rubem Alves (1995, p. 63-64) que conta a história do Rei Leão, que decidiu que nenhum dos seus súditos morreria na ignorância e, para resolver isso, convocou o Dr. Urubu que, em sua sapiência, seguiu tal cruzada estabelecendo um currículo, no qual os pensamentos, o andar, as preferências de nariz e de língua, o canto e a cor dos urubus eram o modelo para todos, pois acreditava que sua espécie era a melhor. “Em suma: o que é bom para os urubus é bom para o resto dos bichos” (ALVES, 1995, p. 64). Imaginem o que aconteceu quando todos os outros animais tiveram que se adequar e viver como se fossem um urubu. Isso, de forma análoga, é o que acontece quando se escolhe uma forma, seja ela qual for, como padrão para todos. Em situações deste tipo não existe diálogo nem abertura para ideias diferentes ou novas possibilidades, pois não se permite a participação dos grupos minoritários na decisão de políticas para sua própria educação.

Dessa forma, ao discutirmos Educação Inclusiva e Educação Bilíngue, encontramos em Mattos e Ramires (2013); Gonzalez e Garnica (2015); Kelman, Lage e Almeida (2015) e Albuquerque (2016) que a inclusão está longe de ser uma opção justa para os surdos. Estes autores afirmam que a Educação Bilíngue é o melhor processo, visto que apresenta em sua proposta a garantia de valorização da surdez e de tudo o que dela faz parte.

Cada uma das abordagens educacionais está ancorada em um modo de conceber a pessoa surda. Portanto, faz-se necessário definir essas concepções

2.1 Concepção de Surdez

Quando lemos:

a) “As pessoas com surdez enfrentam inúmeros entraves para participar da educação escolar, decorrentes da perda da audição e da forma como se estruturam as propostas educacionais das escolas” (DAMÁZIO, 2007, p. 13, grifo nosso);

b) “Do ponto de vista da natureza humana, não nos falta nada para vivermos como os ouvintes, se tivermos a língua de sinais como acesso principal de comunicação e via de aprendizado” (CAMPELLO et al., 2012, p. 2, grifo nosso);

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c) “Grande parte dos pesquisadores e estudiosos da cultura surda têm se apropriado da concepção de diferença cultural, defendendo uma cultura surda e uma cultura ouvinte, o que fortalece a dicotomia surdo/ouvinte. (BUENO, 1999, apud Damázio 2007, p. 21, grifo nosso);

d) “A postura segregadora não parte de nós, mas dos que não aceitam nossas especificidades e necessidades” (CAMPELLO at al., 2012, p. 2, grifo nosso);

Fica evidente o confronto de ideias, cujo destaque encontra-se nos negritos acima, as quais demonstram diferentes formas de pensar a pessoa surda.

Pensamentos como estes estão no imaginário das pessoas e, segundo Jodelet (1989), são conhecidos como representações sociais, isto é, são sistemas de interpretação que afetam nossa relação com o mundo e com os outros. Para esta autora:

[...] compartilhamos o mundo com outros, neles nos apoiamos — às vezes convergindo; outras, divergindo — para o compreender, o gerenciar ou o afrontar. Por isso as representações são sociais e são tão importantes na vida cotidiana. Elas nos guiam na maneira de nomear e definir em conjunto os diferentes aspectos de nossa realidade cotidiana, na maneira de interpretá-los, estatuí-los e, se for o caso, de tomar uma posição a respeito e defendê-la (JODELET, 1989, p. 1).

Do mesmo modo, a representação social “é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e compartilhada, que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 1989, p. 5). Dentro dessa lógica identificamos como objeto a surdez e como sujeitos os ouvintistas e os surdos. Além disso, entendemos como representação, de um lado, o entendimento da surdez enquanto deficiência, e do outro, da surdez enquanto identidade linguística e cultural. Isso nos permite entender o porquê da dicotomia entre os grupos sobre a surdez. Para Skliar (2011), as pessoas ouvintes estão sempre querendo subordinar as pessoas surdas para que estas se tornem semelhantes a elas (ouvintismo) e, por isso, ao olhar para a surdez, percebem somente a falta de audição (visão clínica da surdez) e agem para procurar meios de suprir essa falta.

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Complementando esta linha de pensamento, encontramos que Strobel (2013), doutora surda e grande precursora dos estudos da cultura surda, apoiada em autores pós-modernos, considera a questão cultural como plural, isto é, entende cultura como manifestação de diferentes grupos, através da sua forma de transformar e ser transformado pela sociedade. Diante dessa concepção, segundo a autora, os surdos têm cultura quando percebem o mundo pela visão; se comunicam pela língua de sinais (gestualizada ou escrita); produzem literatura surda (artigos, poesias, contos, piadas, histórias infantis, etc.); quando se unem entre si para vida social e esportiva e atuam através da política.

Os estudos desses autores vêm no sentido de mostrar que podemos ter um outro olhar sobre a surdez e o universo das pessoas surdas para somar com elas nossas forças, a fim de que possam decidir pelo modelo educacional que melhor os atenda e os represente.

Dentre esses aspectos relatados, acreditamos que na escola inclusiva, ao invés de existir uma inclusão de fato, o que acontece na realidade é a exclusão. Coadunam-se conosco Perlin e Quadros (1997, p.38) quando afirmam que, na verdade, na escola dita inclusiva, acontece a segregação dos alunos surdos com relação à comunidade escolar, gerando na criança surda sentimentos como o de ser estrangeira e discriminada, levando-a a manter-se na fronteira surdo-ouvinte12.

Os estudos destes autores vêm ao encontro do que defendemos como modelo educacional ideal para alunos surdos. Para sermos mais exatos, nessa menção unimo-nos aos apelos de Campello et al. (2012), em carta ao Ministro da Educação, ao pedirem uma escola que contemple toda especificidade surda, quer seja educacional, linguística, social, afetiva e/ou cidadã.

Várias pesquisas mostram que os surdos melhor incluídos socialmente são os que estudam nas Escolas Bilíngues, que têm a Língua de Sinais brasileira, sua língua materna, como primeira língua de convívio e instrução, possibilitando o desenvolvimento da competência em Língua Portuguesa escrita, como segunda língua para leitura, convivência social e aprendizado. Não somos somente nós que defendemos essa tese. Reforçamos que há um número

12 Essa fronteira, a nosso ver, está relacionada à distância entre as línguas. Se o ouvinte não aprende a

língua de sinais e não houver comunicação entre surdo e ouvinte, o surdo ficará sempre apartado de tudo que acontece, visto que uma escola para ouvintes é pautada pelo mundo de sons e é muito pouco visual.

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relativamente grande de mestres e doutores, pesquisadores de diversas áreas de conhecimento, além de professores de ensino básico e superior, que identificam essa realidade e atuam nessa luta conosco. Todos os pesquisadores sérios proclamam que as ESCOLAS BILÍNGUES PARA SURDOS, cujas línguas de instrução e convívio são a Libras (L1) e o Português escrito (L2), são os melhores espaços acadêmicos para a aprendizagem e inclusão educacional de crianças e jovens surdos (CAMPELO et al., 2012, destaques dos autores).

Thoma et al. (2014, p. 3) defendem que a Educação Bilíngue é a proposta política que oferece ao aluno surdo, um espaço educacional que desloca a pessoa surda de uma condição puramente auditiva para uma condição de identidade surda, linguística e culturalmente. Estes autores se contrapõem à proposta inclusiva, afirmando que nela existe um primeiro e primordial erro: o de insistir com a lógica médica da surdez13.

Nesse sentido, estes autores baseiam-se na lei de Libras (Lei 10.436/2002) e no decreto que a regulamenta (Decreto 5.626/2005), para apresentarem o direito que os surdos têm de serem assistidos por professores bilíngues qualificados, bem como o direito a intérpretes e, por fim, até o de escolher a modalidade escolar que julgarem melhor para si. Além do mais, apoiados no artigo 4º do decreto 6.949/2009, ressaltam o direito que os surdos têm de participarem do processo de criação e definição das políticas públicas que os envolvam.

Sendo assim, discutiremos nos próximos itens os aspectos mais importantes da diferenciação entre a escola inclusiva e a escola bilíngue, trazendo discussões sobre a escola, as práticas educativas, as línguas de instrução, culminando no ensino da LP.

2.2 O afeto dos surdos no espaço escolar

No slogan da Educação Inclusiva “O direito de todos a uma escola de todos e para todos, sem exclusões, discriminação e preconceitos” (FÁVERO, PANTOJA e MONTOAN 2007, p. 6), a primeira coisa a se considerar é a identidade desse local chamado Escola, que ao nosso ver é excludente,

13 Essa concepção é apresentada por Skliar (2011) quando procura problematizar a concepção de

normalidade cultural. Para o autor, ela está atrelada ao conceito de ouvintismo, também denominada conceito clínico-patológico da surdez e é representada pelo olhar das pessoas ouvintes para com as surdas de maneira que só as vê como deficientes e, por isso, insistem nas práticas de cura e reabilitação.

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discriminadora e cheia de preconceitos. Autores como Michel Foucault (2002), Paulo Freire (1996), Pierre Bourdieu (1998), entre outros, comungam dessa nossa crítica à escola brasileira; e também Cortella (2011, p. 13-14, grifo do autor) quando afirma que as elites econômicas implementaram um apartheid

social na educação. Segundo o autor, no Brasil, ainda não se deu a justiça

social de acordo com a riqueza que produzimos, o que gera a crise da Educação. Ao realizar um olhar pela história educacional constata-se que existe um privilégio em atender às demandas capitalistas em detrimento dos setores sociais, o que ocasiona efeitos desastrosos na educação.

Corrobora com essa afirmativa Rubem Alves (1995, p. 51-55), ao contar uma história verídica de um menino que, pressionado pela escola, começa a demonstrar suas fraquezas e medos. Então o autor questiona se, nesse caso, não seria a escola a doente. Por fim, compara a escola ao jacaré que devora as crianças em nome do rigor, do ensino apertado, de boa base, etc. E o autor pergunta: “Mas, e a infância? E o dia que não se repetirá mais? E os sonos perdidos, os medos? [...] que tudo não passa de crueldade dos grandes contra os pequenos” (ALVES, 1995, p 55).

A segunda coisa a se considerar, com relação ao slogan da Educação Inclusiva, anteriormente citado, é a questão afetiva dos que passam pela escola. Nesse sentido, ao lidar com jovens surdos que passaram pela escola e não aprenderam a Língua Portuguesa, percebemos diversos problemas afetivos e emocionais que impossibilitam tal aprendizagem. Isso é fundamental para o escopo dessa pesquisa, pois fatores como família ouvinte, língua diferente; falta do sentimento de pertença; falta de modelos; professores que não falam a língua do aluno; entre outros, ocasionam falha no processo de aprendizagem dos alunos surdos, dificultando-a.

Ao se tratar do tema afeto e família, tendo em vista que a maioria das crianças surdas nasceem famílias de ouvintes, o luto é a primeira marca afetiva negativa, pois esses pais não esperavam por esta situação. Para a grande maioria destas famílias, a surdez é doença que deveria ser curada e, por este motivo, investem seus recursos, inclusive os emocionais, na procura de soluções de cura. Porém, ao não conseguirem tal proeza, sentem-se incapazes, o que intensifica o luto e amplia a separação dentro da família. Como comprovação desta ideia, corrobora conosco Sandrine, no documentário, “Sou

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