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CAPÍTULO 2 – ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS: Educação Inclusiva versus Educação Bilíngue

2.2 O afeto dos surdos no espaço escolar

No slogan da Educação Inclusiva “O direito de todos a uma escola de todos e para todos, sem exclusões, discriminação e preconceitos” (FÁVERO, PANTOJA e MONTOAN 2007, p. 6), a primeira coisa a se considerar é a identidade desse local chamado Escola, que ao nosso ver é excludente,

13 Essa concepção é apresentada por Skliar (2011) quando procura problematizar a concepção de

normalidade cultural. Para o autor, ela está atrelada ao conceito de ouvintismo, também denominada conceito clínico-patológico da surdez e é representada pelo olhar das pessoas ouvintes para com as surdas de maneira que só as vê como deficientes e, por isso, insistem nas práticas de cura e reabilitação.

discriminadora e cheia de preconceitos. Autores como Michel Foucault (2002), Paulo Freire (1996), Pierre Bourdieu (1998), entre outros, comungam dessa nossa crítica à escola brasileira; e também Cortella (2011, p. 13-14, grifo do autor) quando afirma que as elites econômicas implementaram um apartheid

social na educação. Segundo o autor, no Brasil, ainda não se deu a justiça

social de acordo com a riqueza que produzimos, o que gera a crise da Educação. Ao realizar um olhar pela história educacional constata-se que existe um privilégio em atender às demandas capitalistas em detrimento dos setores sociais, o que ocasiona efeitos desastrosos na educação.

Corrobora com essa afirmativa Rubem Alves (1995, p. 51-55), ao contar uma história verídica de um menino que, pressionado pela escola, começa a demonstrar suas fraquezas e medos. Então o autor questiona se, nesse caso, não seria a escola a doente. Por fim, compara a escola ao jacaré que devora as crianças em nome do rigor, do ensino apertado, de boa base, etc. E o autor pergunta: “Mas, e a infância? E o dia que não se repetirá mais? E os sonos perdidos, os medos? [...] que tudo não passa de crueldade dos grandes contra os pequenos” (ALVES, 1995, p 55).

A segunda coisa a se considerar, com relação ao slogan da Educação Inclusiva, anteriormente citado, é a questão afetiva dos que passam pela escola. Nesse sentido, ao lidar com jovens surdos que passaram pela escola e não aprenderam a Língua Portuguesa, percebemos diversos problemas afetivos e emocionais que impossibilitam tal aprendizagem. Isso é fundamental para o escopo dessa pesquisa, pois fatores como família ouvinte, língua diferente; falta do sentimento de pertença; falta de modelos; professores que não falam a língua do aluno; entre outros, ocasionam falha no processo de aprendizagem dos alunos surdos, dificultando-a.

Ao se tratar do tema afeto e família, tendo em vista que a maioria das crianças surdas nasceem famílias de ouvintes, o luto é a primeira marca afetiva negativa, pois esses pais não esperavam por esta situação. Para a grande maioria destas famílias, a surdez é doença que deveria ser curada e, por este motivo, investem seus recursos, inclusive os emocionais, na procura de soluções de cura. Porém, ao não conseguirem tal proeza, sentem-se incapazes, o que intensifica o luto e amplia a separação dentro da família. Como comprovação desta ideia, corrobora conosco Sandrine, no documentário, “Sou

surda e não sabia”, do diretor Igor Ochronowicz, de 2009, quando revela seus sentimentos referentes ao que viveu com sua família, após ter sido diagnosticada como surda.

A relação com meus pais, que até então era calorosa, começou a mudar, estavam frios. Uma distância se instalou entre nós. Eu sabia que algo mudara, que não me viam da mesma forma. Tentei restabelecer o contato, mas algo nos separava. Tinha sensação muito forte de que choravam por dentro. O olhar deles me afastava, e eu me perguntava o que fizera de errado. Eu podia ter feito alguma besteira, alguma coisa grave. Eu não sabia.

Ao se falar em desafetos dos surdos com relação à escola, autores como, Mattos e Ramires (2013), Dias (2014), Gomes (2014), Oliveira (2014), Munis (2014), Pereira (2015) e Martins e Meneses (2016) apresentam diversos aspectos traumáticos na vida dos surdos com relação à educação, ora no espaço físico escolar, ora no trabalho com a Língua Portuguesa como segunda língua, ora nos processos de avaliação ou mesmo na própria valorização da Libras.

Quando o aluno surdo chega à idade de alfabetização, o problema aumenta, pois ele e sua família se deparam com a grande dificuldade do aprendizado da leitura e da escrita da Língua Portuguesa. Essa perspectiva é corroborada por Pereira (2015, p. 261) quando ressalta que o problema está na concepção de escrita como representação da oralidade, atitude essa que reforça a representação do surdo não só como deficiente da audição, mas também como da linguagem.

Nesse mesmo sentido, coaduna com essas reflexões Venturini (2006 apud Dias, 2014, p.44) quando apresenta fatores como relações de poder, emoção, afeto, expectativas culturais, identidade e autoestima como sendo essenciais no processo de ensino e aprendizagem de uma Segunda Língua. A autora cita Krashen (1978), que apresenta a existência de um filtro afetivo, no qual a motivação é um aspecto importante e constitutiva do processo de aprendizagem.

De modo diferente ao que ocorre com a aquisição da L1, que emerge espontaneamente, aprender uma L2 requer estímulo. O filtro afetivo seria o responsável pela permissão da entrada do input, e, se o aprendiz tem baixa autoestima, o filtro funcionará como uma espécie do bloqueio aos dados oriundos do input. Por outro lado, caso o aprendiz se sinta motivado, o filtro afetivo permitiria a entrada do input

e, consequentemente, haveria mais chances de sucesso na aprendizagem [...] A hipótese do filtro afetivo destaca a relevância da afetividade no aprendizado de uma L2 (KRASHEN, 1978 apud Dias 2014, p.44).

É necessário, pois, analisar a força existente nesta questão afetiva. Os estudos de Martins e Meneses (2016, p.51) afirmam que um sistema que não considera a especificidade linguística inibe o sujeito surdo e o estigmatiza. Essas atitudes trazem prejuízos incalculáveis tanto para a educação formal quanto pessoal e cidadã desse sujeito.

Outro aspecto a considerar como desafeto são as avaliações, visto que são sempre construídas e aplicadas ignorando as especificidades surdas. Segundo Mattos e Ramires (2013, p. 44), a avaliação é um dos instrumentos que sempre exclui os surdos, justamente por serem oferecidas em Língua Portuguesa escrita. Vale ressaltar que a forma como as avaliações têm sido feitas exige desses não só conhecimento de conteúdo, mas também conhecimento linguístico de leitura e escrita em segunda língua. Tais situações geram nos alunos sentimentos de incapacidade e baixa autoestima.

Diante das questões apresentadas, evidencia-se a necessidade de estabelecer nos educadores atitudes que favoreçam os aspectos afetivos com relação à educação do surdo. Nesse sentido, em entrevista concedida à Revista Arqueiro, Oliveira (2014, p. 11) apresenta como requisitos: o conhecimento acerca das características, necessidades, e o jeito de aprender das pessoas com quem vamos trabalhar e o compartilhamento de uma língua em comum, pois isso é o que possibilitará as trocas de experiências, diálogos, etc.

Enfim, podemos compreender, com base nestes autores, que para considerarmos o aspecto afetivo do surdo, aspecto este imprescindível para os trabalhos educacionais, devemos estabelecer relações de amizade, de confiança, de consideração, de motivação, de compreensão, de língua, etc.