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2. QUESTIONANDO CONCEITOS: natureza, educação, sujeito e realidade

2.1. Concepções de Natureza

Ao compreendermos nossas relações com o ambiente natural e o seu repertório de sentidos, podemos ampliar e dialogar com percepções e conceitos estabelecidos no senso comum, muitas vezes marcadas por visões ingênuas e que atendem a interesses específicos. Quando questionamos, trocando as “lentes” e desnaturalisamos modos de ver que eram óbvios. Com isso,

24O método dialético serviu como base de inspiração e diálogo para inúmeros autores, referências centrais para a educação ambiental. Em alguns projetos, num movimento de desconhecimento das raízes conceituais, são reforçadas linhas teóricas contraditórias e até antagônicas a perspectiva emancipatória, pois são pautados em pensamentos não contextualizados. (LOUREIRO, 2006).

aprendemos concepções diferentes das afirmadas hegemonicamente, sobretudo nos meios de comunicação.

Nesta perspectiva, apresentamos segundo Carvalho (2004) algumas visões de natureza que formam nosso ideário ambiental a partir dos valores sócio-históricos contidos na sua construção.

A visão de natureza selvagem, por exemplo, foi alimentada pela crença do progresso humano medido pela capacidade de dominar e submeter o mundo natural. Desde o século XV, firmou-se um modelo urbano mercantil e de civilização como pólo oposto à natureza. A proposta era de domesticação da natureza e da animalidade. Constrói-se então, historicamente a representação do mundo natural como lugar de rusticidade, do inculto, do selvagem e do feio. Sair da floresta para a cidade era um ato civilizatório25.

Contrariamente, na Inglaterra no século XVIII, iniciou-se uma mudança importante no padrão de percepção do mundo natural. A visão de natureza boa e bela era fortalecida conforme se evidenciavam os efeitos da degradação ambiental, da exploração da força de trabalho e da baixa qualidade de vida nas cidades, fruto da Revolução Industrial. A intensa migração campo- cidade, impulsionada pela expropriação camponesa e pelos processos de produção primitiva acelerava o desordenado crescimento das cidades industriais que não tinham coleta de lixo, nem saneamento básico, ocasionando grandes epidemias.

Esta experiência urbana condensava violência social e degradação ambiental como duas faces indissociáveis do novo modo de produção, impulsionando um sentimento estético e moral de valorização da natureza não transformada pelos humanos. Essa cultura de valorização da natureza26 apontava novas sensibilidades27 e o sentimento estético sobre as paisagens naturais, plantas e animais. Neste contexto, é que florescem as práticas naturalistas de educação ambiental que vigoram até os dias atuais.

25Este pensamento influência a concepção de limpeza de muitas pessoas, como as que consideram “sujeira” os frutos, sementes, folhas secas e galhos de árvore caídos naturalmente na calçada e no quintal.

26 A valorização da natureza foi fortalecida com o movimento romântico europeu do século XIX e, na perspectiva de uma tradição de longa duração, permanece presente até os nossos dias.

27 Importante mencionar que esse sentimento pode ser considerado por sensibilidade burguesa, pois era a burguesia que efetivamente podia dispor de tempo e recurso para cultivar os novos hábitos de convívio e admiração da natureza.

A visão de natureza pedagógica é marcada pela valorização da natureza e dos sujeitos naturais. Surge a esfera pedagógica com base no aprendizado pelos sentidos mediante a observação dos fenômenos naturais. Rousseau é o pensador do século XVIII que valorizou a natureza como dimensão formadora do humano e de fonte de vida aprendida pelos sentimentos. Este autor valoriza a natureza como um estado hipotético do ponto de vista social: “observai a natureza e segue o caminho que ela vos indica”. (ROUSSEAU, 1995).

A natureza constitui uma unidade perfeita e anterior a sociedade, é enaltecida e corresponde a toda solução para a superação das desigualdades. Rousseau reafirma o sentimento íntimo da vida que conduz ao respeito e a inseparabilidade dos seres que estão “com” e “na” natureza. Incentiva na educação a idéia de natureza primeira como modelo para pedagogia e para psicologia científica contrapondo-se à educação tradicional.

Cada concepção de natureza vista até aqui faz parte de uma história que continua vigente em seus significados como elementos constituintes da nossa cultura que incide em nosso presente. Estes significados são construídos em nossas vidas historicamente, em permanente transformação e diálogo com os outros.

Resgatando estes elementos, podemos despertar para um tipo de sensibilidade ambiental fundada na relação de alteridade entre os interesses da sociedade e os processos naturais. Esta relação, delineada com o projeto educativo, possibilita nosso posicionamento frente o imperativo do capitalismo que intensifica as desigualdades e as injustiças socioambientais, além de possibilidades de novas leituras sobre a natureza.

Neste sentido, empenhamo-nos na construção de uma educação ambiental que fortaleça e articule as sensibilidades ambientais aos valores emancipadores. Ao assumirmos esta perspectiva localizamos e problematizamos com maior nitidez diferentes interesses e forças sociais organizadas atualmente sobre as questões ambientais. Assim, podemos identificar e construir nossos sentidos para o “ambiental” sem supor a revelação de um sentido autêntico de uma univocidade escondida, mas na interpretação relacionada ao mundo da vida e do universo cultural do sujeito que a interpreta e a transforma. (CARVALHO, 2004).

Esta idéia de leitura do mundo como processo de aprendizagem e produção de sentido na interação criativa entre sujeito e mundo é parte do legado deixado por Paulo Freire, quando afirma que a aprendizagem é um ato criador onde são produzidos novos sentidos culturais. A

aprendizagem muda o sujeito e seu campo de ação, pois lhe confere a possibilidade de novas leituras do mundo e de si mesmo. Aprofundamos as concepções trazidas por este autor no item 3.2.

Apresentamos na próxima seção descrições históricas e reflexões consolidadas na educação que destacamos para promover o diálogo no âmbito da educação ambiental. Estas descrições servirão para analisar as falas das educadoras, sobre suas atuações docentes conforme nosso objetivo de pesquisa. A seguir, iniciamos o aprofundamento do conceito de educação.