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2. QUESTIONANDO CONCEITOS: natureza, educação, sujeito e realidade

2.2. Educação: fenômeno que se materializa em sociedade

Existem diversas formas de pensarmos a educação. Algumas concepções tendem a manter as desigualdades sociais e outras contribuem para superá-las. Por isso, trazemos abordagens teóricas em diferentes momentos históricos que alicerçarão nossa pesquisa, com base em autores como Libâneo (1994), Brandão (1995), Gadotti (2000), Gomes e Sacristán (1998), entre outros. Nosso foco é obter maior compreensão sobre as diferenças conceituais existentes nestas teorias para o desenvolvimento de argumentos e posicionamentos consistentes relacionados a educação ambiental integradora, crítica e transformadora.

Esta abordagem desejada requer que mulheres e homens adquiram e compartilham conhecimentos, experiências culturais, tornando-se aptas/os a atuar no meio social e natural, transformando-o de acordo com suas necessidades econômicas, políticas, sociais e culturais.

A educação nas sociedades tribais – educação difusa – é comunitária e tem a finalidade de oferecer bases comuns de conhecimento e saber sobre a vida. Os conhecimentos são transmitidos dos mais velhos experientes para os mais jovens. Estes aprendem observando, imitando gestos dos mais velhos. A educação é utilizada como um mecanismo de preservação da identidade do grupo e da sua tradição. Integram o processo da construção de sentido desta tribo. O aprendizado é para a vida nas ações cotidianas, pautadas nos ritos e atividades culturais em redes e estruturas quase invisíveis, responsáveis pelo compartilhar de saberes de uma geração com outra. (BRANDÃO, 1995).

A educação nas antigas sociedades orientais – tradicionalista – preserva os costumes e evita a transgressão às normas definidas por rígidos sistemas religiosos e morais. O conhecimento é privilégio de castas, elites religiosas e econômicas. A população composta por lavradores,

comerciantes e artesãos não tem direitos políticos, nem acesso ao saber da classe dominante. A escrita é restrita por seu caráter sagrado e esotérico. O ensino é diferenciado para o povo e para os filhos dos funcionários. Existe uma instituição chamada escola que não atende toda a população. Os excluídos ficam restritos à educação familiar.

As sociedades de matriz ocidental do século V a.C. começaram a definir a educação como um processo de formação e construção consciente dos sujeitos. As instituições de ensino desempenhavam determinadas funções específicas para cada grupo: uma educação para os que pensam (ricos e nobres) e outra voltada para a instrumentalização e ação sobre a natureza, os que executam (pobres e escravos).

Na fase de expansão, onde os impérios conquistavam novos territórios, a educação era utilizada para dominação, impondo cultura e linguagem. Destacamos os estudos de Dussel28 (1995) que revelam a condição de opressão vivida por nós latino-americanas/os. A visão de mundo hegemônica trazida pelos colonizadores prevalece até os dias atuais na nossa cultura, gostos, linguagens e pensamentos.

Na idade média temos a ascensão do cristianismo, com a igreja exercendo forte domínio sobre as concepções pedagógicas. A superação do naturalismo e do intelectualismo imposta pela moral cristã eliminava todo o conhecimento que levasse a desvios da fé. A igreja exercia domínio sobre todo o conhecimento da sociedade.

No renascimento, século XVI, ocorrem mudanças significativas na forma de pensar a educação. Esse momento marca a consolidação do modelo de produção capitalista. A educação renascentista era antropocêntrica, acreditava no poder absoluto da humanidade sobre a natureza. Sobrepunha a razão como possibilidade para alçarmos a liberdade.

Após a revolução industrial, nos séculos XVII e XVIII, a educação afirma a liberdade e a capacidade de discernir baseada no paradigma cartesiano. A natureza era usada em benefício do crescimento econômico. Desejava-se a educação neutra, laica, independente de privilégios de classe. O estado deve garantir a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino orientado para as ciências e os ofícios. O discurso educativo é direcionado a constituir os sujeitos – como cidadãos:

28 Enrique Dussel, pensador crítico latino-americano, contribui para uma nova consciência geopolítica da América Latina e outros países periféricos. Tem como ponto de partida a realidade destes povos colonizados. Hoje é a globalização que impinge seu domínio. (DUSSEl, 1995).

aptos para o convívio social e para o trabalho, capazes de decidirem em que tipo de sociedade querem viver.

A dualidade marca a educação e a sociedade entre os séculos XVIII e XIX. Havia duas grandes visões de mundo: a liberal e a conservadora. A liberal considera o cidadão como agente de transformação que exige uma educação dialógica, emancipatória e crítica. A conservadora valoriza as capacidades individuais e a transmissão de valores e conhecimentos universais. É priorizada a escolha racional individual do cidadão. (LOUREIRO, 2006).

No Brasil, os conflitos sociais que questionam o modelo educativo capitalista ocorreram, segundo Medina (1997, p. 200), a partir da metade do séc. XIX. A escola não contribuía para a emancipação da classe operária. Seus parâmetros eram voltados à manutenção do sistema. A classe trabalhadora impulsionou a criação de um novo conceito de educação. Trata-se da educação popular29, movimento deflagrado por Paulo Freire na pedagogia da libertação.

Com objetivo nítido da busca pela educação crítica, Paulo Freire colaborou decisivamente, com ressonâncias mundiais, na construção da educação crítica e transformadora, envolvendo aspectos sociais, políticos e econômicos, visando a emancipação e a superação das desigualdades.

Gadotti (2000) afirma que a educação no século XX tornou-se permanente e social, apesar de apresentar desníveis entre as regiões e os países do Norte e do Sul. Na passagem para o século XXI, o fenômeno da globalização homogeneizou os sistemas de ensino e incentivou a idéia de uma educação igual para todas e todos. Não como princípio de justiça social, mas como parâmetro curricular comum.

Terminado este percurso, onde pudemos (re)visitar algumas concepções de educação, destacamos mais uma vez que a educação transforma-se de acordo com o desenvolvimento de competências requeridas em diferentes épocas históricas e modos de organização social.

Para entendermos o contexto atual, retomamos o conceito de sociedade da informação – que exige pessoas com alta qualificação, capazes de selecionar, controlar, processar e fazer

29 O Brasil e a América Latina tornaram-se pioneiros em educação popular no mundo. Uma história inteira construída na exploração social agravou e criou desigualdades por causa de um sistema de educação formal falho e excludente. Lembremos que as práticas da Teologia da Libertação e da educação popular foram fortemente reprimidas pelo regime ditatorial, levando à prisão ou ao exílio autores como Frei Beto e Paulo Freire.

circular informações relevantes. Neste momento, fomenta-se a idéia de que não há idade limite para aprender, pois a educação se estende pela vida e não é neutra.

Gómez e Sacristán (1998) admitem que desde as sociedades industriais a escola prepara pessoas para o mundo do trabalho. Esse processo tem a função de promover a igualdade ou reproduzir e reafirmar as desigualdades sociais.

Concordamos com Flecha (1997) que a cultura transmitida na escola é um fator de distinção social. O sistema de educação formal serve de filtro seletivo e legitima as diferenças. Assim, para as classes baixas é mais difícil superar este filtro e ascender às classes médias e superiores.

Ressaltamos que não pretendemos evidenciar apenas os pontos negativos da escola e a sua função reprodutora na sociedade. Isso denotaria uma visão fatalista. Pensamos o contrário. Pretendemos superar as dificuldades a partir do diagnóstico das situações-problema encontradas nas práticas educativas.

Quando nos aproximamos efetivamente da escola, incomodou-nos perceber sua estrutura hierarquizada, homogeneizada, pouco dialógica, nada democrática e sem a participação efetiva dos estudantes e da comunidade. Entretanto, estas percepções nos apontavam também possibilidade de reflexão e de transformação da escola, num espaço de socialização, com inúmeras potencialidades, aprendizados, trocas culturais.

Consideramos a educação como fenômeno que se materializa em sociedade. Por isso, buscamos entendê-la aprofundando, a seguir, três conceitos fundamentais: sujeito, realidade e conhecimento que compõem a base dos caminhos existentes e das relações estabelecidas, distinguindo visões de mundo e formas de como nele agir.