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ANEXO I – Técnica 4 – Acrescentando Informações

1. Bases teóricas da escrita

1.3 Concepções sobre a escrita

A intenção desta subseção é localizar a concepção de escrita adotada, aqui, na visão sociocognitiva de aprendizagem. Para isso, será preciso recuperar estudos envolvendo a concepção cognitivista sobre aquisição de escrita, como forma de estabelecer uma relação entre processos mentais e a interferência do meio, proposta pelo sociocognitivismo. Essa relação será

fundamental na discussão dos resultados, uma vez que a sala de aula nada mais é do que o encontro entre o particular e o coletivo.

Sobre esse possível encontro entre o cognitivismo e sociocognitivismo de Vygotsky , Camps (2006) considera:

É difícil, para não dizer impossível, estabelecer uma linha que separe os estudos estritamente cognitivos, em que o contexto considera unicamente o ponto de vista de sua representação pelos interlocutores, e os estudos de orientação sociocognitiva, em que o conceito de contexto se amplia progressivamente da situação concreta em que se desenvolve a comunicação com o entorno social em que se desenvolve cada ato comunicativo. (p.22)

Com essa afirmação, a autora reforça o contato do individual com o social. O professor precisa estar ciente que tanto questões internas quanto externas interferem nos resultados. Poderá, assim, organizar ações pedagógicas capazes de contribuir com o avanço do aluno na aprendizagem da linguagem escrita. Bohn (1999) amplia essa reflexão sobre a ação professoral, acrescentando que a partir de uma prática pedagógica eficiente, o aluno, poderá criar “planos estratégicos” (p.169) para a elaboração de seus textos.

A contribuição do modelo cognitivista envolve as operações realizadas pelo indivíduo quando ele escreve e as relações que se estabelecem entre elas. Muitos são os adeptos dessa vertente, sendo referência maior, os trabalhos de Hayes & Flower (1980), citados por Kato (2004).

Essa mesma autora ao abordar o processo da escrita, destaca sua “base componencial” (p.85), afirmando, ainda que o ato da escrita envolve metas e planos, caracterizando-se como uma resolução de problemas. No que se refere às metas ou objetivos, Kato (2004) recupera os estudos funcionalistas de Halliday (1970) os quais afirmam serem as metas de três tipos; ideacional, textual e interpessoal. O primeiro tipo diz respeito ao conteúdo proposicional; o segundo envolve a conexão de idéias de maneira coerente; e o terceiro trata da relação entre o emissor e seu receptor e das necessidades atitudinais que surgem a partir desse contato, considerando a natureza indireta dessa relação.

Kato (2004) traz uma adaptação do modelo proposto por Bruce et alii (s.d.), que por sua vez já continha alterações sobre a proposta inicial encontrada em Hayes & Flower (1980). O fluxograma foi reproduzido a seguir com as alterações propostas por Kato (2004):

Quadro 1 – Modelo de escrita (Kato, 2004. p.91)

As adaptações realizadas tencionaram redimensionar o papel de determinados processos dos componentes envolvidos ou localizá-los em momentos diferentes da visão inicial. Os três componentes (contexto da tarefa, memória de longo termo e planejamento) mantêm uma complexa relação entre si, amparados por uma recursividade que acompanha todo o processo. Essa recursividade prova que o processo de escritura não é linear ou automático, revelando que os diferentes elementos dos componentes podem provocar a necessidade de reorganização de outro elemento até o escritor chegar ao suposto produto a que se deseja chegar: o texto.

Bohn (1999) afirma que alguns processos podem ser conscientes e outros inconscientes, pois já foram estocados na memória de longo prazo. O escritor precisa, então, ser capaz de manipular estratégias a fim de controlar aqueles processos que são conscientes. Kato (2004) classifica como

metacomponente o Monitor, porque estabelece metas, planeja e promove a editoração. Pode-se pensar esse metacomponente como capaz de interferir nos demais componentes e suscetível à interferência externa. Nesse ponto, acontece com mais ênfase o contato com o contexto, que vem completar algumas reflexões sobre as possibilidades do ensino-aprendizagem da escrita, isto é, a interferência do social sobre o individual.

Sobre essa questão, Vygotsky (1993) apresenta um paralelo sobre o caráter espontâneo da fala e o caráter artificial da escrita. Isso explicaria o princípio das diferenças que se estabelecem entre a aquisição dessas duas habilidades. Em relação à fala, a criança age com mais naturalidade uma vez que em função do intercâmbio social, do contato diário e frequente, a fala exterior “não tem que ser conscientemente dirigida – a situação dinâmica se encarrega disso” ( ib., ibid. p.85). A escrita, por sua vez, exige mais abstração e as razões que a motivam são intelectualizadas. O indivíduo precisa representar a situação para si mesmo, o que implica um maior distanciamento da “situação real” ( Vygotsky, 1993, p. 85)

Para a escrita, existe a necessidade de ações analíticas e deliberadas, o que na fala não acontece, pois a criança não precisa ser capaz de detalhar características conceituais dos sons ao proferi-los. Na escrita, a consciência sobre os símbolos alfabéticos deve ser construída previamente a partir de estudo, porque somente, assim, existe a possibilidade de empregá-los, o que revela um procedimento diferente da fala, na qual não precisa existir conhecimento sobre a realização de processos mentais ao falar.

Mesmo entre a fala interior e a exterior, existe diferença. Segundo o mesmo autor, a primeira é “condensada e abreviada” (ib. ibid. p.86), constituída, praticamente, de predicativos, pois todos os detalhes, isto é, o objeto do pensamento é de total conhecimento do seu autor. Já a exterior precisa ser mais detalhada para efetivar a interação social intencional, como dito anteriormente. Para Vygotsky, a fala exterior ocupa lugar intermediário entre a fala interior e a escrita.

Existem maiores obstáculos na aquisição da escrita (Vygotsky, 2003), porque nem sempre o ensino dessa habilidade tornou-a algo relevante e significativo para a vida, como a fala. Esse autor registra que, em relação à escrita, é necessário que as escolas estejam comprometidas em “ensinar às

crianças a linguagem escrita, e não apenas a escrita de letras”. (2003, p.157) Essa atitude facilitaria o domínio da ciência da escrita, o que muitas vezes fica restrito a uma atividade mecânica, enfadonha, com pouca finalidade significativa e, por isso, sem muitos encantos. Considerando que a escrita abarca “um sistema particular de signos cuja dominação prenuncia um ponto crítico em todo o desenvolvimento cultural da criança” (id., ibid, p.140), é possível admitir que não é um processo simplista, mas complexo e que precisa ser dominado pelo professor, para que ele possa conduzir esse processo complexo de forma a transformá-lo em uma necessidade, a qual o aluno queira suprir pois envolve algo atrativo.

A origem desse processo complexo, de acordo com Vygotsky (2003), está no jogo de faz-de-conta e no desenho. O jogo, apesar de ser visto, muitas vezes, como algo trivial, tem contribuição importantíssima no desenvolvimento da linguagem escrita, uma vez que, durante a brincadeira, os objetos utilizados assumem funções de signo, auxiliando na construção das representações. O desenho pode ser dividido em dois estágios. O primeiro é classificado como símbolos de primeira ordem e representam, diretamente, os objetos ou as ações. Nessa etapa, a criança encara o desenho como sendo o próprio objeto e, não, sua representação. Os simbolismos de segunda ordem evidenciam uma evolução, pois para chegar nessa fase a criança descobriu que além de desenhar coisas, também, é possível desenhar a fala.

Assim, é possível afirmar que a fim de interferir, positivamente, em todo o processo de aquisição da linguagem escrita, o professor deve estar comprometido em avaliar as diferentes fases trilhadas pelo aprendente.

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