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ANEXO I – Técnica 4 – Acrescentando Informações

1. Bases teóricas da escrita

1.5 Interlíngua

Neste momento, serão consideradas algumas reflexões acerca da interlíngua, uma vez que a noção sobre esse processo cognitivo ajuda a compreender o que ocorre quando o aluno está envolvido em atividades de aquisição da uma língua. As discussões situam-se em pesquisas sobre a aprendizagem de uma segunda língua (L2), visão que pode amparar discussões sobre o mesmo processo em língua materna como uma espécie de metáfora.

O termo interlíngua foi instituído por Selinker (1972), com o intuito de referir-se ao processo percorrido pelo aluno durante a aquisição de uma segunda língua. Para aprender essa segunda língua, o aluno parte de sua própria língua, construindo uma série de gramáticas interpostas entre sua língua materna e a L2. Essas gramáticas acabam apresentando regras únicas, que não fazem parte de nenhuma das duas citadas anteriormente. Tais regras não são fixas, mas mudam ao longo do processo de aquisição da L2, tornando- se bem mais complexas ao passo que o aluno progride no domínio da nova língua. O autor considera esse novo sistema altamente estruturado.

O conceito sobre interlíngua, de acordo com esse autor, acabou assumindo um papel importante para as pesquisas em Linguística Aplicada, uma vez que traz implicações psicológicas. Essas implicações são localizadas por Selinker (op. cit.) ao levantar a hipótese sobre uma estrutura latente, a qual é ativada sempre que alguém dá início ao processo de aprendizagem de uma L2.

Esse autor aponta cinco processos nessa estrutura psicológica que são supergeneralização, transferência de treinamento, transferência linguística, estratégias de comunicação e estratégias de aprendizagem.

O processo de supergeneralização ocorre quando a aluno aplica uma regra para casos, nos quais esse emprego não corresponde. Não deixa de apresentar validade porque é uma testagem de hipóteses, no entanto se tais inadequações não forem resolvidas, existe o risco de serem cristalizadas. A transferência de treinamento dá-se quando alguns elementos da interlíngua são provenientes das experiências anteriores do aluno, isto é, o aluno acaba aplicando um conhecimento experienciado a partir de atividades prévias ou da utilização de determinados materiais de ensino-aprendizagem. Na transferência linguística, acontece um repasse de regras da L1 para a L2, podendo envolver pronúncia, sintaxe, vocabulário ou significado.

As estratégias de comunicação se manifestam a partir de tentativas do indivíduo em comunicar-se com falantes nativos da L2. A natureza dessa estratégia estará vinculada ao nível de proficiência em que se encontra o usuário da língua, o qual determinará as escolhas dos termos a serem empregados. As estratégias de aprendizagem, por sua vez, envolvem a elaboração de regras da interlíngua resultantes da aplicação de estratégias. Essa aplicação envolve auxílio de pares ou do professor, exploração do contexto, aplicação de regras formais e até a memorização e são usadas pelos alunos na tentativa de facilitar a compreensão da L2. Na aprendizagem da escrita em L1, as tentativas estão relacionadas à busca do aprendiz em aprimorar sua própria escrita, aproximando-a de uma forma de escrita mais proficiente.

Ellis (1987) explica interlíngua como um sistema de transição criado pelo estudante ao longo da aprendizagem da L2, o qual é influenciado pela língua materna, mas ao mesmo tempo independente dessa. Afirma, ainda, que esse fenômeno envolve algumas características. A permeabilidade é a característica natural das regras organizadas pelo aprendiz. Isso significa que o conhecimento elaborado é sensível a contribuições externas, permanecendo aberto a influências. A dinamicidade, segunda característica, implica uma gramática transicional, isto quer dizer que a gramática construída pelo aprendiz vai mudando com o passar do tempo. Ao longo do processo de aquisição, ele

altera regras, constrói novas, reconfigurando8 todo o sistema elaborado e tornando seus conhecimentos mais complexos.

A terceira característica é a sistematicidade e está relacionada à construção de regras linguísticas específicas da interlíngua, que funcionam como parâmetro norteador para a compreensão e/ou produção da língua-alvo. Além dessas, outras características podem ser acrescidas, como a varialibidade (Corder, 1978) que envolve duas hipóteses sobre a interlíngua. A primeira trata de uma suposta natureza variável das regras construídas, considerando que elas não funcionariam em todos os contextos. A segunda hipótese contesta essa variabilidade e afirma que as inadequações são erros cometidos pelos usuários da L2 na tentativa de manter comunicação.

Selinker (1972) informa sobre a possibilidade de fossilização da interlíngua, que envolve os erros já internalizados e, por esse motivo, de difícil eliminação. Selinker e Han (1996) fazem referência à existência de recaídas durante o processo (backsliding), que se manifestam com a reutilização de estruturas que supostamente já tinham sido superadas.

A interlíngua foi pensada, originalmente, considerando a aprendizagem de uma segunda língua, porém o interesse desta tese está na viabilidade de reconhecer características do processo comentado, anteriormente, na aquisição da escrita em língua materna na fase adulta. Isso é possível, pois o indivíduo que está empenhado em ampliar suas habilidades no registro escrito percorre um caminho no qual se estabelecem encontros entre conhecimentos já sedimentados e aqueles que estão em construção. Muitos desses conhecimentos estão situados não, apenas, em saberes anteriores sobre a língua escrita, mas também na oralidade.

No primeiro caso, no contato entre conhecimento antigo e conhecimento a ser adquirido, pode ocorrer o emprego de regras que não representam normas que são marcadas na escrita, as quais respeitam a linguagem mais culta, mas que, também, não são aquelas empregadas pelo indivíduo antes do processo de aperfeiçoamento dessa escrita. Como exemplo, regras sintáticas sobre o uso da vírgula, a marcação do sinal indicador da crase, entre outros, poderiam estar entre as manifestações da construção de uma interlíngua

8 Nas palavras do autor: “This process of constant revision and extension of rules is a feature of the

dentro do aprendizado da língua materna. Como foi considerado o desenrolar do processo de aprendizagem, não se pode classificar esse desvio da norma como um mero erro. Imaginando que os elementos da língua estariam sendo exercitados com orientação do professor, acredita-se que a observação de variáveis no emprego revelam a tentativa de construção da regra.

Na aprendizagem da escrita, ocorre a manifestação de uma gramática intermediária, que revela marcas da oralidade e construções realizadas sobre normas da escrita, acomodadas de forma que não se pode afirmar que é a transcrição fiel da oralidade ou que seja uma forma aprimorada da escrita. Essa transição é característica da interlíngua e pode ser identificada a partir, por exemplo, do registro de expressões comuns na fala, numa devida concordância verbal ou nominal com os outros elementos da oração. Nessa linha de raciocínio, ainda seria possível considerar o emprego de certas expressões e analisá-las a partir de critérios semânticos ou pragmáticos, a fim de estabelecer reflexões sobre a evolução de um aprendiz nesses níveis da interlíngua. Nesta tese, o conceito de interlíngua pode ser entendido e empregado metaforicamente no que tange aos mecanismos de aquisição próprios do letramento, caso da língua materna. Mesmo assim, convém, para evitar mal-entendidos, substituir o termo interlíngua por sistema lingüístico transicional9.

Corder (1973,1974) faz referência à existência de quatro estágios no processo de aprendizagem de uma língua: erros aleatórios, emergente, sistemático e de estabilização (pós-sistemático). O primeiro ou estágio dos erros aleatórios manifesta-se quando o aprendente tem pouca consciência de que existe regras características de um sistema. No segundo, ou estágio emergente, ocorre um avanço, o indivíduo já está mais ciente de que existe um sistema a ser observado mas, ao cometer uma falha, não é capaz de identificá- la ou de explicá-la, mesmo se essa lhe for indicada pelo interlocutor. No sistemático, as regras que já foram internalizadas são mais próximas do sistema alvo e o aprendiz, quando comete erros, se receber feedback negativo, mesmo que sutil, ele é capaz de identificar a inadequação e empreender uma nova tentativa de acerto. O estágio de estabilização

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apresenta menos frequência de erros e, após serem cometidos, a pessoa consegue identificá-los, explicá-los e corrigi-los, num processo de autogerenciamento.

Qualquer um desses estágios pode ser reconhecido durante a aprendizagem da língua escrita. O acompanhamento de atividades de refacção, por exemplo, quando adotadas longitudinalmente, revela que o aprendiz avança de estágios mais frágeis de consciência sobre a língua para outros, nos quais manifesta domínio adquirido sobre convenções de registro. Na próxima seção, serão discutidos conceitos envolvendo concepções de ensino-aprendizagem como forma de promover uma relação entre as idéias existentes neste capítulo e uma possível repercussão na sala de aula de linguagem.

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