• Nenhum resultado encontrado

ANEXO I – Técnica 4 – Acrescentando Informações

2. Bases teóricas para a aprendizagem da escrita

2.8 Papéis Sociais: encontros incontestáveis

Considerar teorias envolvendo papéis sociais é fundamental porque respalda as reflexões ligadas diretamente ao objetivo geral desta tese. Além disso, contribui para que a análise dos dados, resultantes das declarações proferidas, ao longo da pesquisa, pelo público alvo, não seja conduzida de maneira ingênua. Isso significa reconhecer que a relação que se estabelece entre alunos investigados e professora mediadora não exclui o fato de a pesquisadora ser a titular da disciplina que comporta o desenrolar de todas as atividades e, no final do semestre, ter o compromisso acadêmico de atribuir uma nota pelos trabalhos desenvolvidos durante determinado período. Para compreender melhor as posições assumidas por professor e aluno, é necessário retomar a teoria de Bronckart (2003) e de Bakhtin (2003). O primeiro apresenta considerações diretas sobre papéis e o segundo estabelece uma imbricação entre locutor e interlocutor que, também, reflete na constituição desses papéis e, por conseguinte, nos discursos proferidos por eles, ou mesmo nos resultados obtidos em diferentes tarefas.

Bronckart (2003) afirma que a produção textual sofre influência do mundo físico, social ou subjetivo, isto é que o texto proferido por alguém nasce impregnado pelas representações sociais interiorizadas pelo seu produtor. Essas representações são interpretações, ou como o autor nomeia, são “versões particulares” (p.91) desses mundos formais e sobre os quais não é possível perceber a noção fiel da constituição interna dessas versões, mas apenas uma hipótese sobre o que elas são de fato. Tanto contexto de produção quanto conteúdo temático a ser externalizado influencia a organização textual.

Os fatores de interferências localizam-se em dois contextos, um físico e um sociosubjetivo. O físico abrange o lugar em que ocorre a produção, a extensão de tempo dessa produção, o emissor e o receptor envolvidos,

independente da presença física ou não. O contexto sociosubjetivo, plano de maior interesse nesta pesquisa, implica, ainda segundo Bronckart (2003); “ o mundo social (normas, valores, regras, etc.) e o mundo subjetivo ( imagem que o agente dá de si ao agir)” (p.94), nos quais estão envolvidos quatro parâmetros: o lugar social, a posição social do emissor e do receptor e o objetivo.

De acordo com Bronckart (2003), o lugar social, revela “no quadro de qual formação social, de qual instituição ou, de forma mais geral, em que modo de interação o texto é produzido: escola, família, mídia, exército, interação comercial, informal, etc.”(p.94) Isso significa que seja qual for o lugar onde a produção aconteça, ela sofrerá interferência das diferentes constituições internas que determinam, por exemplo, que um comportamento é adequado ou não. Algumas atitudes, que poderiam ser consideradas, perfeitamente, naturais em uma família, podem ser classificadas como inaceitáveis no exército. Existe, assim, certa conformidade na adequação de reações envolvidas nessas instituições mesmo que de forma sutil.

A posição do emissor (enunciador) e do receptor (destinatário), determinará o papel social conferido a cada um deles pela relação que se estabelece no grupo. Influi, igualmente, o objetivo dessa interação, o qual será determinado a partir do ponto de vista do enunciador ao imaginar os possíveis efeitos provocados no receptor, considerando as representações que esse emissor faz sobre o papel ocupado pelo outro nessa interlocução e no lugar social. Sabendo-se que essa representação é particular, pode-se apenas estabelecer uma idéia sobre o porquê determinado indivíduo se coloca como tal diante de outro e faz certas escolhas ou combinações lexicais. Sobre essas relações Bakhtin (2003) registra:

Esse outro que se apossou de mim não entra em conflito com meu eu-para-mim, uma vez que me desligo axiologicamente do mundo dos outros, percebo a mim mesmo numa coletividade: na família, na nação, na humanidade culta. Aqui a posição axiológica do outro em mim tem autoridade e ele pode narrar minha vida com minha plena concordância com ele. (p.140)

Nessa afirmação, existe a noção de valor do outro, que interfere na postura assumida pelo indivíduo não, necessariamente, de forma negativa,

mas como se fosse uma reação natural em dada circunstância. Localizando os parâmetros no âmbito escolar, a relação que se estabelece entre professor e aluno, não deve ser vista, unicamente, como uma relação em desnível de autoridade, considerando a existência de uma valor numérico no final de cada período letivo. Nesse encontro, poderia ser pensada a existência de uma carga cultural que carrega a possibilidade real de ser o professor o facilitador da aprendizagem. Isso implicaria que, talvez, o aluno sinta que deve testemunhar que aprendeu, porque, supostamente seria esta a resposta natural a um trabalho desenvolvido em sala de aula: aprendizagem.11 No momento em que esse aluno declara validade de resultados ou métodos de ensino, não significa que ele esteja agindo de má fé ao manifestar concordância com certo processo empreendido. Ele poderá, apenas, estar externando aquilo que acredita que seja verdade ou, ainda, que precisa ou pode vir a ser.

A respeito desse contato que pode se estabelecer entre interlocutores, Bakhtin (id. ibid) traz a seguinte reflexão:

O fato de que o outro não foi inventado por mim para uso interesseiro mas é uma força axiológica que eu realmente sancionei e determina minha vida (como a força axiológica da mãe que me determina na infância) confere-lhe autoridade e o torna autor interiormente compreensível de minha vida; não sou eu munido dos recursos do outro mas o próprio outro que tem valor em mim, é o homem em mim. Não sou eu mas o outro, investido de afetuosa autoridade interior em mim, quem me guia, e eu não o reduzo a meios (não é o mundo dos outros em mim mas sou eu no mundo dos outros, familiarizado com ele); não é parasitismo. ( p.141)

Se existe chance de uma valoração ratificada na interferência do outro, há que se considerar a interferência professoral como essencial no processo de construção do conhecimento. Nessa relação de sala de aula, o professor precisa, então, ter compromisso em organizar situações de real construção de aprendizagem, no sentido de favorecer, impulsionar e compor uma base de trabalho consistente o suficiente para facilitar a construção de saberes. É, nesse sentido, que se aponta a necessidade de sustentar os trabalhos em um

11 Para maiores detalhes sobre esse fenômeno seria interessante a leitura do artigo de Marcos Gustavo

Richter: “Salvai-os porque eles sabem o que fazem ou da consciência cínica à autonomia no cotidiano escolar.” In Linguagem & Ensino, Vol. 2, no. 1, 1999 (87-106).

enquadramento consistente e capaz de ser reconhecido pelos aprendizes como uma sistemática promotora de promover avanços.

Documentos relacionados