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4 O PROCESSO PENAL JUVENIL NA PRÁTICA

4.5 A “CONCESSÃO” DE REMISSÃO

Dos casos analisados em Porto Alegre, em 30,4% deles foi oferecida remissão ao adolescente. No Rio de Janeiro, por outro lado, a remissão só foi concedida em 14,17% das oportunidades.

Na capital gaúcha, foi possível perceber que o Juízo da JIN oferece remissão exclusivamente nos casos em que o adolescente confessa a prática do ato infracional. Em muitas situações, verificou-se que o Ministério Público negou-se a oferecer remissão ao adolescente por considerar que, ante a negativa de autoria, “existe uma resistência” do adolescente em assumir a prática infracional. Em conversa informal com o Magistrado, este refere que essa postura decorre da compreensão acerca da natureza jurídica do instituto da remissão: caso se entenda que se trata de “perdão”, segundo ele, é imprescindível que haja confissão, pois não é possível perdoar algo que adolescente não admite que praticou. Diferente seria a decisão, caso o entendimento fosse no sentido de que a remissão possui a mesma natureza jurídica que a transação penal. Nesse caso, o oferecimento não dependeria de admissão de responsabilidade.

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Percebeu-se, ainda, uma variação dos critérios para oferecimento de remissão entre o Juízo da JIN, onde são realizadas as audiências de apresentação, e do 4º JIJ/POA, que conduz o processo até o julgamento, sendo este último mais flexível quanto às hipóteses de cabimento do instituto. Assim, o que se verificou, em algumas situações, foi que, após a determinação de prosseguimento do processo pelo Juízo que presidira a audiência de apresentação, o processo é encaminhado ao 4º JIJ/POA, onde, dependendo da gravidade do ato e da inexistência de antecedentes, agenda-se nova audiência com a finalidade exclusiva de oferecimento de remissão ao adolescente.

No capítulo anterior chamou-se atenção para a incerteza provocada pelo legislador ao adotar a expressão “remissão” (que remete, justamente, à noção de perdão) para nomear o instituto que, segundo a doutrina majoritária, tem caráter transacional. Essa opção legislativa acaba por conferir margem de discricionariedade do juízo na interpretação de sua natureza e dos critérios para seu oferecimento, tendo sido verificado que, inclusive na mesma comarca, não há consenso sobre essas questões.

Nos episódios em que o 4º JIJ/POA agenda audiência para oferecimento de remissão, observou-se que é marcada uma mesma solenidade para diversos adolescentes. Estes, se não estiverem acompanhados por advogado particular, são entrevistados pela Defensoria Pública antes do início da audiência, a fim de que seja explicado no que consiste o instituto e quais medidas socioeducativas serão aplicadas em caso de aceitação. Em seguida, todos os adolescentes, acompanhados de seus pais, são chamados simultaneamente para o mesmo ato, apenas para manifestar a concordância e assinar a ata de audiências.

Apenas 44% das remissões observadas nos autos dos processos já arquivados do 4º JIJ/POA foram oferecidas em audiência de apresentação pelo Juízo da JIN. As restantes foram concedidas nas audiências próprias para isso, como acima narrado, ou durante a instrução, quando se verificou seu cabimento.

Observou-se que em 58,97% dos casos, o Magistrado explicou aos adolescentes no que consiste a remissão, questionando-o sobre sua concordância quanto aos termos da concessão do benefício; em 33,33% das situações, não foi possível observar se houve essa explicação prévia, pois a forma de registro da solenidade inviabilizou essa análise; em 7,69% das audiências, não houve qualquer explicação sobre o instituto oferecido.

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O índice de rejeição da proposta de remissão foi de 10,26% dos casos analisados em Porto Alegre. Em todos os casos, a remissão foi suspensiva, ou seja, condicionada ao cumprimento de medida socioeducativa (MSE) e/ou medida protetiva previamente estipulada. A MSE fixada com maior frequência foi a de prestação de serviços à comunidade – PSC – (85,71%), muitas vezes cumulada com liberdade assistida (LA) – a MSE de LA foi aplicada, autônoma ou cumulativamente, em 37,14% dos casos; determinou-se a reparação do dano para 8,57% dos adolescentes; aplicou-se MSE de advertência em 5,71% dos casos e ordenou- se a inserção em regime de semiliberdade em 2,86% das situações. Além disso, foram fixadas medidas protetivas na seguinte proporção: matrícula e frequência escolar (14,28%), acompanhamento psicológico (5,71%), tratamento para drogadição (5,71%) e inserção em curso profissionalizante (2,86%).

Destaca-se um episódio em que quatro adolescentes entre 13 e 14 anos foram representados por ato infracional análogo a crime de dano, por terem acionado o extintor de incêndio de uma escola. Aos quatro foi concedida remissão, sendo-lhes aplicada medida de prestação de serviços à comunidade, por 8 semanas, além da obrigação de reparar o dano (consistente no reabastecimento do extintor de incêndio). Interessa anotar que, durante o debate prévio entre MP, Juízo e Defensoria Pública, mencionou-se a insignificância do ato; o próprio Magistrado reconheceu que a banalidade do fato, que sequer deveria ter sido encaminhado ao judiciário. Todavia, ainda assim, foi aplicada medida socioeducativa aos jovens. Destaca-se que os quatro adolescentes estudavam em escola pública e provinham de família de baixa renda.

Remete-se, nesse ponto, ao pensamento desenvolvido por Tannenbaum no primeiro capítulo, que, ao estudar “gangues” de meninos, percebeu que os atos por eles praticados não eram valorados como desviantes pelas crianças que os praticavam, mas como um comportamento tão “normal” quanto qualquer outro. Segundo sua concepção, é a reação social a essas condutas, chamada por Tannebaum de “dramatização do mau”, que dará início ao processo de rotulação do jovem e que poderá ter como resultado uma carreira delinquencial. A saída, para o criminólogo austro-americano, seria negar-se a dramatizar o mau, isto é, não dar ênfase ao ato por qualquer medida (seja castigo, tratamento ou “reeducação”).

No caso concreto, foi perceptível a compreensão do próprio juízo e da defensoria pública quanto à desnecessidade de intervenção judicial. A aplicação da remissão cumulada

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com MSE, ainda que tenha como efeito a extinção do processo e a impossibilidade de ser considerada como antecedente, produz, conforme se observou durante a pesquisa, um estigma sobre o adolescente. Observou-se que, ainda que a legislação vede tal possibilidade, a remissão é considerada como antecedente pelos promotores de justiça, ao avaliarem as medidas cabíveis em episódios posteriores. Portanto, é inegável o prejuízo aos quatro adolescentes ante a concessão de remissão por fato que sequer deveria ter chegado ao Poder Judiciário, em razão da sua insignificância.

Diferentemente de Porto Alegre, no Rio de Janeiro, 58,82% das remissões concedidas foram extintivas, ou seja, não foi aplicada qualquer MSE como condicionante da extinção do processo. Nos 41,18% dos casos restantes, a MSE aplicada foi de advertência (85,71%) ou se prestação de serviços à comunidade (14,29%).

Em 52,94% dos casos, a remissão foi oferecida em audiência de apresentação; em 35,3% das oportunidades, a remissão foi concedida nos autos do processo, sem consulta prévia ao adolescente, sendo determinada sua ciência através de intimação por oficial de justiça; 5,88% das remissões foram oferecidas em audiência de continuação, e 5,88% foram oferecidas pelo MP, em oitiva informal.

Em apenas 23,53% dos casos verificou-se que o Magistrado explicou ao adolescente no que consiste a remissão, tendo este sido consultado sobre sua concordância com os termos em apenas 41,18% das oportunidades. É dizer, em 58,82% das vezes, o adolescente recebeu a remissão sem manifestar sua anuência.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manifestou-se acerca da natureza do instituto da remissão, no sentido de que, quando concedida sem a aplicação cumulativa de medida socioeducativa, esta tem natureza de “perdão”, de modo que dispensa a consulta ao adolescente sobre sua concordância. Por outro lado, possui natureza transacional a remissão cumulada com MSE, sendo imprescindível, para a sua concessão, a anuência do adolescente e de seu representante legal, sob pena de nulidade.356

356 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal 0001716-05.2015.8.19.0011. Câmara julgadora:

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