• Nenhum resultado encontrado

4 O PROCESSO PENAL JUVENIL NA PRÁTICA

4.10 OS RECURSOS

Outro ponto de exame foram os recursos interpostos tanto pelo MP quanto pela defesa. No que se refere aos recursos do Parquet, o quadro delineado em Porto Alegre e no Rio de Janeiro foi bastante semelhante. Na capital gaúcha, a interposição de recursos pelo MP atingiu o índice de 9,8% dos casos, sendo que 90,9% deles trataram-se de apelação, enquanto 9,1%

398

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 70071400279. Câmara julgadora: Sétima Câmara Cível. Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro. Julgado em 09/11/2016.

399 A presença dos elementos positivistas para a aplicação de MSE ao adolescente pelo TJRS pode ser verificada,

também, no seguinte trecho: “(...) 6. Restando incontroversa agressão praticada pelo recorrente na vítima, sua tia e guardiã de fato, e não havendo qualquer circunstância excludente de ilicitude, tendo o jovem demonstrado preocupante agressividade, a aplicação da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade se mostra adequada e necessária para que o adolescente perceba a censura pelo comportamento desenvolvido e aprenda a conter o seu ímpeto e a sua propensão para a violência, desenvolvendo nele o senso de responsabilidade, de disciplina e de limites. Recurso desprovido”. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 70070450291. Câmara julgadora: Sétima Câmara Cível. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Julgado em 26/10/2016)

173

dos recursos interpostos foram agravo de instrumento. No Rio de Janeiro, o MP recorreu em apenas 7% dos casos, sendo 83,3% dos recursos em forma de apelação e 16,7% em agravo de instrumento.

Muito diferente foi a situação ao se analisar a quantidade de recursos interpostos pela defesa nos casos examinados. Enquanto em Porto Alegre a defesa interpôs apelação contra sentença do 4º JIJ/POA em 42,7% dos casos, na capital carioca, a defesa recorreu de apenas 10,8% das sentenças da VIJ/RJ. Além disso, 33,33% dos recursos da defesa no Rio de Janeiro foram apresentados intempestivamente, contra um índice de 2,2% de intempestividade dos recursos interpostos pela defesa em Porto Alegre. Essa situação revela-se ainda mais desigual, quando se observa que o índice de condenações pela VIJ/RJ (81,75% dos casos) foi muito superior ao número de condenações observados no 4º JIJ/POA (50,53%).

O Tribunal de Justiça gaúcho manifestou-se no sentido de que, caso o adolescente tenha manifestado desejo em recorrer da sentença, se, por qualquer motivo, o recurso não foi apresentado, resta configurada ausência de defesa. Nesse caso, o juízo deverá admitir a interposição de recurso ainda que extemporânea e, caso não aporte nos autos apelação, deverá nomear defensor dativo para a interposição de apelo400.

Das matérias alegadas pelo MP gaúcho em sede de recurso, destacam-se: a necessidade de aplicação de MSE mais rigorosa (54,5%), a existência de provas suficientes de autoria e materialidade para a condenação do adolescente (45,5%), a necessidade de consideração das condições pessoais do adolescente para a aplicação da MSE (27,3%), a reiteração da conduta infracional como fundamento para a decretação de internação (18,2%), entre outros argumentos de menor frequência. O MP carioca, por sua vez, sustentou em seus

400 APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL. ROUBO. NULIDADE POR AUSÊNCIA DE DEFESA

DE UM DOS ADOLESCENTES. PROCESSO ANULADO EM PARTE EM RELAÇÃO A ESSE

ADOLESCENTE. Na medida em que a manifestação de vontade do jovem no sentido de que deseja recorrer tem o condão de tornar obrigatório o recurso para o defensor, parece evidente que, se por qualquer razão, tal recurso não é apresentado, configura-se verdadeira ausência de defesa. Poder-se-ia argumentar que o recurso não foi formalizado em razão de o juízo singular haver indeferido o prazo para tanto. No entanto, aquela decisão indeferitória, por sua vez, também era recorrível. E contra ela não foi interposto recurso, por igual! Esse contexto processual configura verdadeira AUSÊNCIA DE DEFESA, que, na dicção do enunciado sumular 523 do STF é causa de nulidade do feito. DE OFÍCIO, ANULARAM O PROCESSO EM RELAÇÃO AO ADOLESCENTE C. DA C.F., A PARTIR DA DECISÃO DE FLS. 195, INCLUSIVE, PARA DETERMINAR QUE O

DEFENSOR CONSTITUÍDO POR ESSE ADOLESCENTE SEJA INTIMADO PARA APRESENTAR SUAS RAZÕES E, CASO NÃO O FAÇA NO PRAZO, SEJA ENTÃO NOMEADO DEFENSOR DATIVO PARA TAL MISTER. A APELAÇÃO DO ADOLESCENTE R.R.S. SERÁ OPORTUNAMENTE APRECIADA EM CONJUNTO. DECISÃO UNÂNIME. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível

70068069400. Câmara julgadora: Oitava Câmara Cível. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Julgado em 31/03/2016)

174

recursos: o descabimento da extinção da MSE em razão do atingimento da maioridade pelo adolescente (75%), a necessidade de aplicação de MSE mais rigorosa (25%) e a necessidade de consideração da gravidade do ato para a eleição da MSE aplicável (25%).

Os recursos interpostos pela defesa contra as sentenças proferidas pelo 4º JIJ/POA trouxeram os seguintes pontos: ausência de prova da autoria da conduta infracional (90,7%), desproporcionalidade da MSE aplicada (81,4%), ausência de provas da materialidade do ato delitivo (20,9%), necessidade de afastamento de majorante ou qualificadora (11,7%), nulidade processual pela não realização do estudo social por equipe multidisciplinar (11,6%), nulidade do reconhecimento de adolescente efetuado por vítima ou testemunha, em razão da inobservância do procedimento disposto no art. 226 do CPP (11,6%), a necessidade de reconhecimento da participação de menor importância do adolescente (9,3%), entre outros argumentos alegados com menor frequência.

Os pontos alegados pela defesa contra as sentenças da VIJ/RJ foram menos variados. Em síntese, trataram das seguintes questões: desproporcionalidade da MSE aplicada (88,9%), necessidade de consideração das condições pessoais do adolescente e da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento para abrandamento da MSE (55,5%), ausência de provas da materialidade (22,2%) e ausência de provas de autoria (11,1%).

Os recursos, em regra, são recebidos somente no efeito devolutivo, tendo sido conferido efeito suspensivo a 18,2% dos recursos interposto pelo MP e a apenas 7,7% dos recursos defensivos interpostos em Porto Alegre. No Rio de Janeiro, não foi conferido efeito suspensivo a nenhum dos recursos interpostos, sendo que o Tribunal de Justiça carioca, em geral, quando provocado a atribuir tal efeito, argumentou que “inobstante a Lei nº 12.010/2009 ter revogado o inciso VI do artigo 198 do Estatuto Menorista, o artigo 215 prevê que tal efeito só pode ser concedido para evitar dano irreparável à parte, ou seja, em casos extremos, inexistente na espécie.”401. Quanto à possibilidade de cumprimento imediato da

sentença, assim decidiu o TJRS:

(...) Anoto que a Lei n.º 12.010/09 revogou o inciso VI do art. 198 do ECA (que estabelecia que a apelação sempre fosse recebida no efeito devolutivo, com efeito suspensivo no caso de adoção por estrangeiro) e, conquanto não ignore haver certa reticência doutrinária acerca do tema, deve-se observar, como atentamente realça Antonio Cezar Lima da Fonseca (“Direitos da Criança e do Adolescente”, Editora Atlas, SP, 2011, p. 365), a sistemática do Código de Processo Civil, como

401 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal 0511248-73.2015.8.19.0001. Câmara julgadora:

175

expressamente estatui o “caput” do art. 198 do ECA. E, sendo assim, a apelação deve ser recebida apenas no efeito devolutivo (art. 1.012, V, do NCPC, antigo art. 520, VII), de modo que a medida aplicada pode ser, desde já, executada. (...)

Com a confirmação, na sentença, da internação provisória ou da medida socioeducativa provisória, a possível apelação que venha a ser interposta será recebida apenas no efeito devolutivo, o que possibilita que seja iniciada a execução provisória da medida socioeducativa cominada. O início imediato da execução provisória encontra-se em total consonância com as bases principiológicas do direito da criança e do adolescente, eis que se encontra atendida a doutrina da proteção integral e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente” (in Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 959-960). (...) 402

Além dos fundamentos técnicos para a ordem de cumprimento imediato da sentença de primeira instância, o TJRJ trouxe, mais uma vez, como argumento para amparar a negativa de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, a necessidade de “proteção do adolescente”. Em alguns casos, inclusive, refere que “a demora na execução da MSE causará dano irreparável ao adolescente, perdendo o seu caráter preventivo e pedagógico”403

. Ou seja, o prejuízo do adolescente não será permanecer privado de liberdade sem uma sentença condenatória transitada em julgado, mas sim a demora na execução da medida. A título ilustrativo, reproduz-se trecho do acórdão a seguir:

(...) In casu, trata-se de recurso recebido apenas no efeito devolutivo, ante a necessidade do cumprimento imediato da medida socioeducativa, imprescindível à proteção do adolescente, considerando não apenas suas necessidades pedagógicas, mas, principalmente, a indispensabilidade da imposição de limites para refrear a tendência de reiteração da prática infracional.404

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reverteu integralmente 12,2% das sentenças, tendo julgado parcialmente procedentes 2% dos recursos; foram mantidas 85,7% das sentenças proferidas pelo 4º JIJ/POA. A Oitava Câmara Cível julgou 47,7% dos recursos analisados, enquanto a 7ª Câmara Cível foi responsável pelo julgamento de 54,5% das apelações. Em 14,6% dos casos, o resultado do acórdão em segunda instância foi menos gravoso do que a sentença do 4º JIJ/POA.

402

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 70070815303. Câmara julgadora: Oitava Câmara Cível. Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl. Julgado em 29/09/2016.

403 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal 0173519-52.2016.8.19.0001. Câmara julgadora:

Quarta Câmara Criminal. Relator: José Roberto Lagranha Távora. Julgado em 06/12/2016. No mesmo sentido: “(...)a procrastinação da execução da medida socioeducativa poderá causar dano aos protegidos, na medida em que impediria as intervenções necessárias à ressocialização do jovem infrator, pois manteria inalterada a situação que o levou à prática do ato infracional, sendo, portanto, negado efeito suspensivo ao recurso”. (RIO DE

JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal 0050826-66.2016.8.19.0001. Câmara julgadora: Oitava Câmara Criminal. Relator: Gilmar Augusto Teixeira. Julgado em 23/11/2016)

404 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal 0018840-94.2016.8.19.0001. Câmara julgadora:

176

O Tribunal de Justiça carioca julgou improcedentes 71,4% dos recursos interpostos, dando integral provimento a 14,3% das apelações e parcial provimento aos 14,3% dos recursos restantes. Os recursos interpostos foram distribuídos entre as diversas Câmaras Criminais do TJRJ, tendo sido julgados pelas Primeira, Terceira, Quarta, Quinta, Sétima e Oitava Câmaras Criminais, que, em 14,3% dos casos, proferiram decisão menos gravosa do que a sentença de primeira instância.

Verificou-se que, nos processos examinados, mais de 75% dos recursos interpostos foram julgados em até um ano pelos Tribunais de Justiça, sendo que, em média, metade das apelações foi julgada em até seis meses. No Rio Grande do Sul, uma parcela considerável (16,7%) dos recursos foi julgada de forma bastante célere (entre 1 e 3 meses), havendo, inclusive, casos julgados em menos de um mês (2,1%).

Gráfico 17 - Intervalo entre a prolação sentença e o julgamento do recurso

A partir do quadro exposto, conclui-se que a garantia ao duplo grau de jurisdição não encontra aplicabilidade prática em parcela significativa dos casos, especialmente na capital carioca, onde se constatou maior inércia da defesa. Ainda que se tenha verificado considerável rapidez no julgamento dos recursos, o seu recebimento apenas no efeito devolutivo implica que grande parte dos adolescentes já tenha cumprido, senão integralmente, uma fração da medida imposta em primeira instância quando do julgamento da apelação.

177