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4 O PROCESSO PENAL JUVENIL NA PRÁTICA

4.2 O PROCEDIMENTO POLICIAL DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL

As informações referentes aos procedimentos policiais foram extraídas dos documentos constantes dos autos dos processos arquivados e, portanto, dos registros feitos pelos próprios oficiais de polícia. Dessa forma, informações como a presença de responsável durante o interrogatório ou a cientificação do adolescente quanto a seus direitos, por exemplo, refletem o que constou dos termos de declarações ou outros documentos, presumindo-se a sua veracidade.

Todos os casos examinados na presente pesquisa tiveram trâmite anterior nas delegacias especializadas no atendimento de crianças e adolescentes. Quando há investigação preliminar conduzida por outra delegacia de polícia, ao ser constatada a participação de adolescentes no fato investigado, encaminha-se o relatório às delegacias especializadas para que sejam tomadas as devidas providências. Todavia, a maior parte dos casos não demanda investigação prévia, haja vista o alto índice de apreensões em flagrante:

338 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Adolescentes em Conflito com a Lei – Atos infracionais e medidas

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Gráfico 6 - Houve flagrante?

Em Porto Alegre, em 35% dos casos, a autoridade policial requisitou a produção de prova técnica, sendo a mais frequente delas o exame pericial de arma de fogo, arma branca ou munição (37,1%), seguida pelo exame pericial de substância entorpecente (20%) e pelo exame de lesão corporal da vítima (17,1%). No Rio de Janeiro, a requisição de prova técnica ocorreu em 70% dos casos, na seguinte proporção: exame pericial de substância entorpecente (35,06%), exame pericial de arma de fogo, arma branca ou munição (25,97%), exame pericial de objetos (14,28%) e exame de lesão corporal da vítima (11,69%). Houve, em menor proporção, a solicitação de produção de outras variedades de provas técnicas, como avaliação psíquica do adolescente ou da vítima, auto de necropsia, perícia de local, entre outros.

Destaca-se que, em razão da celeridade dos procedimentos envolvendo menores de idade, em muitos casos os procedimentos policiais foram encaminhados ao poder judiciário sem o resultado das perícias solicitadas. Mais adiante, em tópico específico, analisar-se-á se houve a efetiva produção das provas solicitadas antes da prolação da sentença.

A principal prova, todavia, é a prova testemunhal, que, em Porto Alegre/RS, foi produzida em 87,5% dos casos e, no Rio de Janeiro, em 98,2% dos procedimentos policiais, conforme a proporção abaixo ilustrada:

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Gráfico 7 - Pessoas ouvidas pela autoridade policial - Porto Alegre

Gráfico 8 - Pessoas ouvidas pela autoridade policial - Rio de Janeiro

Em Porto Alegre, nos casos em que era cabível a realização de reconhecimento de suspeito, em 45,45% deles houve reconhecimento pessoal do adolescente; em 29,09% dos casos foi realizado o reconhecimento fotográfico do suspeito; em 25,45% o adolescente não foi reconhecido ou o procedimento não foi realizado. No Rio de Janeiro, o reconhecimento pessoal ocorreu em 82% das situações, seguido pelo reconhecimento fotográfico (10%), e, em apenas 8% dos casos, o adolescente não foi reconhecido ou não foi submetido a esse procedimento.

Não foi possível verificar qual o rito seguido para a realização dos reconhecimentos na etapa policial. Todavia, em Porto Alegre, houve relatos de testemunhas, em audiências de continuação, que apontaram para a inobservância do art. 226 do CPP, que orienta o procedimento de reconhecimento de pessoa, havendo narrativas, inclusive, de pressão por parte dos agentes policiais para que o adolescente apresentado (pessoalmente ou por fotografia) fosse reconhecido.

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Os adolescentes foram interrogados pela autoridade policial em 82,8% dos casos em Porto Alegre e em 85,6% dos casos no Rio de Janeiro, sendo que, na capital gaúcha, a cientificação dos adolescentes quanto aos seus direitos foi registrada em 88,4% dos procedimentos, contra 84,4% na capital carioca. A principal diferença entre as cidades observadas reside no acompanhamento do adolescente por advogado ou defensor público durante o interrogatório:

Gráfico 9 - O adolescente foi ouvido na presença de defensor?

Quanto à imperatividade do acompanhamento dos adolescentes por advogado ou defensor público durante o interrogatório pela autoridade policial, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) prolatou decisão no sentido de que não há nulidade no feito quando o adolescente é interrogado sem a presença de defensor, pois, por se tratar de mera investigação, ainda não há qualquer acusação formal contra o adolescente, sendo-lhe garantido o devido processo legal durante a fase processual339.O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não se pronunciou a esse respeito no período analisado. Todavia, tomou decisão similar em casos em que foi suscitada a nulidade do feito pela ausência de defensor durante as oitivas informais perante o Ministério Público340, o que induz a crer que, provocado nesse sentido, também não reconheceria a nulidade do interrogatório do adolescente pela autoridade policial sem a assistência de defensor.

339 “(...) Não há falar em nulidade do feito, ante a ausência de advogado quando da oitiva do adolescente na

polícia. Ocorre que tal fase se trata apenas de investigação, não havendo qualquer acusação formal pesando sobre o jovem. Ademais, na fase processual lhe foram asseguradas todas as garantias processuais e

constitucionais, respeitando-se assim o devido processo legal (...)”. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 70068619196. Câmara julgadora: Oitava Câmara Cível. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Julgado em 28/07/2016)

340

RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal 0004037-78.2015.8.19.0054. Câmara julgadora: Primeira Câmara Criminal. Relator: Antonio Jayme Boente. Julgado em 17/11/2016. Para verificação da ementa, vide nota de rodapé n. 336.

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Quanto à presença dos pais ou de responsável pelo adolescente durante o interrogatório, nos casos analisados, a presença foi registrada em 37,2% dos casos em Porto Alegre e em 45,9% dos casos no Rio de Janeiro. Em 29,1% dos interrogatórios conduzidos pela polícia gaúcha, o adolescente estava desacompanhado; no Rio de Janeiro, essa situação se repetiu em 34,4% dos casos. No restante das situações, não houve registro de acompanhamento, de modo que não foi possível depreender se o adolescente estava ou não acompanhado pelos pais ou por responsável (33,7% em Porto Alegre; 18,8% no Rio de Janeiro).

Na capital gaúcha, onde o acompanhamento por advogado é mais frequente, o adolescente exerceu o direito ao silêncio em 69,8% das situações; em 18,6% dos casos, houve negativa de autoria; 5,8% dos adolescentes confessaram integramente a prática do ato, e 5,8% confessaram parcialmente. No Rio de Janeiro, o índice de silêncio perante a autoridade policial foi de 52,1%; 17,7% dos adolescentes negaram a autoria do fato; a taxa de confissão integral atingiu 27,1% dos casos, e 3,1% confessaram parcialmente.

Por fim, detectou-se que, em Porto Alegre, 46,2% dos adolescentes permaneceram apreendidos após o registro da ocorrência policial, enquanto na capital carioca a taxa foi de 66,7%, sendo as apreensões mantidas, pelo menos, até a audiência de apresentação perante o Juízo ou até a expedição de ordem judicial de liberação.

Depreende-se, dos dados obtidos, que, seja no Rio de Janeiro, seja em Porto Alegre, os índices de violações às garantias dos adolescentes na fase policial são, ainda, significativos. A realização de interrogatórios sem a presença dos pais ou de defensor ocorre com certa frequência, sendo visível o impacto que a presença de defensor provoca na postura que o adolescente assumirá perante a autoridade policial. Quanto mais frequente o acompanhamento por advogado, menor é a taxa de confissão, o que, considerando a garantia à não autoincriminação, demonstra que a assistência por profissional é recomendável, ainda que os Tribunais gaúcho e carioca entendam que sua ausência não enseja nulidade.

Essa situação vem agravada pelo alto número de procedimentos policiais encaminhados ao judiciário sem o resultado das provas técnicas solicitadas, bem como pela prevalência da prova testemunhal produzida na etapa policial, em detrimento das demais formas de prova. Nesses casos, a confissão ganhará relevância e, por vezes, pode ser o principal elemento (ou o único, nesta fase) a indicar a autoria do ato infracional investigado.

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4.3 A OITIVA INFORMAL PELO PARQUET E O OFERECIMENTO DE