• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV BENS PÚBLICOS

CAPÍTULO 5 GESTÃO DE BENS PÚBLICOS

5.4 Concessão de uso

Celso Antônio Bandeira de Mello133 entende que a concessão de

uso de bem público é o contrato administrativo pelo qual a Administração trespassa a determinado particular o uso de um bem público para o atendimento de uma finalidade específica.

Floriano de Azevedo Marques134 aponta que o uso concedido pode

envolver uma atividade de utilidade pública (quando o particular, para o exercício de uma atividade que atenda ao interesse público como agente delegado do Estado, recebe, também, a concessão de uso de um bem público), ou apenas pode se restringir a concessão de uso propriamente dita, para uma atividade de interesse coletivo, direta ou indiretamente relacionada com tal interesse.

Esclarece, ainda, o referido autor:

“No primeiro caso, a transferência do uso do bem é acessória ao cometimento principal (prestação de uma atividade que lhe é cometida). Daí podermos dizer ser inerente à concessão da exploração de uma atividade (um serviço público ou uma atividade econômica de interesse geral como a concessão de blocos de gás canalizado, no regime da Lei nº 11.909/09) ao particular o trespasse subjacente da concessão de uso dos bens necessários àquela prestação. Nestes casos, dissemos, a outorga do direito de explorar a atividade tratará, subjacentemente, o direito de uso privativo daqueles bens públicos a ela afetados.

133 Curso de Direito Administrativo, 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 937.

134 Bens Públicos: função social e exploração econômica. O Regime Jurídico das utilidades públicas. Belo

No segundo caso, o objeto principal da relação contratual é o próprio uso do bem. Nestas duas situações, embora o regime de concessão seja o mesmo, os direitos e obrigações do concessionário e concedente não serão idênticos.”

Aponta Diógenes Gasparini135 que, para que a outorga da

concessão de uso seja considerada legítima, faz-se necessário que ela seja concretizada por meio de contrato administrativo - como bem apontou Celso

Antônio Bandeira de Mello – e ainda mediante o atendimento de determinados

pré-requisitos, que são: a) lei autorizadora; b) realização de licitação na modalidade de concorrência, salvo nos casos em que for dispensada, dispensável ou inexigível; c) desafetação, se o uso recair em bem de uso comum ou especial e a utilização for integral, exclusiva e duradora.

A questão da desafetação do bem para realizar a concessão é algo discutível. Com efeito, como bem destaca Floriano de Azevedo Marques, a concessão de uso pode ser acessória a uma atividade principal ou, melhor explicando, pode-se, por exemplo, conceder o uso de determinado bem para um concessionário de serviço público afim de que este possa efetivamente prestar o referido serviço. Ora, nesse caso não existiria razão efetiva para desafetar o uso especial do bem, já que continuaria afetado à prestação de um serviço público.

E a prestação de serviços públicos é um dos direitos englobados no direito a cidades sustentáveis e, por conseguinte, uma das funções sociais da cidade.

Encontra-se em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.725, de 2011, que altera a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, o já citado Estatuto da Cidade. Originalmente, buscava vedar a cobrança compulsória, por parte de associações de moradores, de valores destinados a manutenção da infraestrutura urbana em vilas ou localidades com vias públicas fechadas ao trânsito geral. Esse projeto foi alterado por uma emenda substitutiva apresentada

pelo Deputado Arnaldo Jardim. Facultava, agora, ao Poder Público municipal, mediante concessão de uso, permitir o controle de acesso e a transferência de gestão de equipamentos públicos situados no perímetro de determinado loteamento, para os titulares de unidades autônomas que compunham o referido parcelamento, desde que estes reunidos em uma entidade civil de caráter específico, se comprometessem com a manutenção e o custeio dos citados equipamentos.

O Projeto de Lei em comento objetiva terminar com uma situação e com um debate que se arrasta há anos nas cortes brasileiras, que é o relativo à possibilidade ou não de fechamento de vias de acesso aos loteamentos, e de cobrança de valores dos donos de lotes pela manutenção da área interna do parcelamento.

Ocorre que tal objetivo, em razão das disposições contidas no referido projeto, pode não ser alcançado, posto que, ao permitir o fechamento de vias e o decorrente repasse de áreas públicas a particulares, podem comprometer determinadas funções sociais da cidade, em especial a circulação e o transporte público e, consequentemente, o direito de ir e vir.

Observe-se que, no Relatório apresentado pelo Deputado João Carlos Bacelar à Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados, percebem-se duas preocupações que fundamentaram a emenda substitutiva: a garantia da segurança e a geração de empregos diretos, como se verifica:136

Desta forma, propomos os necessários aperfeiçoamentos ao projeto para garantir a segurança, qualidade de vida e valorização patrimonial aos moradores de lotes, pacificando as discussões em torno da cobrança de contribuições aos proprietários para preservação dos serviços de conservação do empreendimento.

136

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostraintegra?codteor=1213631&filename=Parecer

(...)

Atualmente temos mais de 15.000 associações de moradores em todo País constituídas para organização do funcionamento de empreendimentos denominados loteamentos fechados, segundo as entidades do setor imobiliário. Dada essa representatividade, o Legislativo não pode ignorar o interesse público e social de definir os parâmetros e condições dos empreendimentos de acesso controlado.

Além disso, é sempre preciso considerar o impacto social que os empreendimentos fechados promovem. Considerando que cada loteamento de acesso controlado gera aproximadamente 10 empregos diretos, essas contratações garantem a criação de mais de 90.000 (noventa mil) postos de trabalho, além da celebração de diversos contratos com pessoas jurídicas responsáveis pela terceirização de serviços de vigilância e limpeza, bem como de preservação das áreas internas criadas em torno dos lotes adquiridos. A gestão das associações visa cooperar com o Poder Público Municipal buscando garantir a manutenção dos serviços de segurança, limpeza, iluminação e preservação dentre outros necessários para a qualidade de habitação dos diversos moradores situados em loteamentos no País.” (g.n.)

É inequívoco que o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade encontra-se imbricado com o bem-estar dos cidadãos, e que tal bem- estar é voltado para o conjunto da população de um centro urbano, e não apenas para uma parcela específica. Isso implica a necessidade de que a outorga de uso privativo de determinado bem não fique restrita aos interesses de um particular, ou de um grupo diminuto deles, mas, sim, ao do conjunto da população.

Ocorre que se pode entender que a cooperação entre particulares e o Poder Público municipal, em casos como dos loteamentos fechados, deve desenvolver as funções sociais da cidade e, com isso, satisfazer o interesse público.

O fechamento de vias e o controle de acesso em áreas urbanas, mesmo que imprescindíveis para a segurança da população de determinada

região, impactam de sobremaneira na circulação de veículos e no transporte público, segregando parcelas da cidade e dificultando que os demais cidadãos tenham acesso a determinados equipamentos e infraestruturas públicas.

Por sua vez, a segurança é um direito social, assim como o trabalho. Isso implica que a faculdade concedida ao Poder Público municipal pelo projeto de diploma legal em comento deve ser sopesada ao lado de outros direitos sociais, e de outras funções sociais da cidade, para que seja efetuado a concessão de uso.

Entende-se que o Poder Público municipal, para utilizar-se da faculdade concedida pelo Projeto de Lei em comento, deve verificar se o loteamento que se pretende fechar localiza-se em área de expansão urbana, naturalmente já não tendo outros acessos ao centro urbano propriamente dito; ou verificar se a vila também não tem mais do que uma via de acesso e se essa não conflui para outra via.

Essa situação é necessária para justificar que, ao permitir a uma entidade particular fazer a gestão de bens públicos e, por conseguinte, arcar com os custos da manutenção e mesmo de instalação, não serão afetados sobremaneira os direitos de locomoção e transporte. E o Poder Público poderá destinar verbas liberadas desse custeio para outras áreas com maiores demandas, uma vez que os proprietários de lotes não apenas arcarão com os custos, como, também, pagarão os impostos.

É óbvio, porém, que a concessão não pode ser renovada indefinidamente, ou não ter prazo de vigência, visto que a cidade se desenvolve naturalmente, com crescimento meramente vegetativo, o que implica a necessidade de revisão periódica do Poder Público das condições da outorga realizada.

Existe, porém, uma situação que já foi devidamente apreciada pelo Supremo Tribunal Federal e que também afeta a situação descrita no citado projeto de lei. O Pretório Excelso em 9 de abril de 2008 apreciou ação direta de inconstitucionalidade contra Lei nº 1.713, de 3 de setembro de 1997, do Distrito

Federal (ADI 1706-4 Distrito Federal, rel. Min. Eros Grau), que autorizou a sua divisão em unidades relativamente autônomas, possibilitou a fixação de obstáculos que dificultassem o trânsito de veículos e de pessoas e, delegou a

administração e execução de serviços públicos de tais unidades a “prefeituras”,

instituindo taxas remuneratórias. Entendeu o Supremo Tribunal Federal que tal

lei era inconstitucional, pois violava o art. 32 da Constituição Federal – que proíbe

a subdivisão do Distrito Federal em Municípios; afrontava ainda o texto Constitucional por permitir que particulares prestassem serviços públicos sem a devida realização de procedimento licitatório; violação ao direito de livre associação, por determinar a obrigação de que os moradores se associassem em “condomínios”; e instituição de taxas remuneratórias em favor das ditas “prefeituras”, sem que elas tivessem capacidade tributária.

Observe-se que, em vários pontos, a decisão do Supremo Tribunal Federal atinge o cerne do projeto de lei; porém, deve-se considerar que trata-se de situações que, apesar de análogas, tem distinções razoáveis. O projeto de lei trata de parcelamentos urbanos que, pelo menos em tese, foram realizados de acordo com as normas legais e não de uma divisão discricionária de um território urbano. Outro ponto é que as associações de moradores seriam preexistentes,

enquanto que a lei distrital criava a figura das “prefeituras”. E, por fim, a execução

de serviços de manutenção de áreas comuns e vias públicas seria uma contrapartida pela concessão de uso e não um trespasse a particulares de serviços públicos.

É óbvio que tais considerações não pretendem e, tampouco podem, afastar qualquer entendimento sobre a eventuais inconstitucionalidades do referido Projeto de Lei, pois sequer sua redação final encontra-se disponível.