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CAPÍTULO IV BENS PÚBLICOS

CAPÍTULO 5 GESTÃO DE BENS PÚBLICOS

5.3 Permissão de uso

Entende Maria Sylvia Zanella Di Pietro126 que a permissão de uso

é o ato administrativo unilateral, discricionário e precário, que pode ser estabelecido de forma gratuita ou remunerada, pelo qual a Administração faculta ao particular a utilização privativa de determinado bem público.

Leciona a referida autora:127

“É unilateral, porque se perfaz com a exclusiva manifestação de vontade do Poder Público; discricionário, uma vez que depende do exame, em cada caso,

126 Uso privativo de bem público por particular. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 96. 127 Ibidem

da compatibilidade do uso privativo com o fim precípuo a qual o bem está afetado; é precário, tendo em vista que pode ser revogado pela Administração, a qualquer momento, por considerações concernentes ao interesse público.”

A precariedade do instituto pode ser mais bem compreendida pelo teor da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

"Processual Civil. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Ato

Administrativo. Permissão de uso de imóvel municipal por particular. Natureza precária e discricionária. Possibilidade de cancelamento. Previsão contratual. Ausência de direito líquido e certo. 1. A autorização de uso de imóvel municipal por particular é ato unilateral da Administração Pública, de natureza discricionária, precária, através do qual esta consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre um bem público. Trata-se, portanto, de ato revogável, sumariamente, a qualquer tempo, e sem ônus para o Poder Público. 2. Como a Administração Pública Municipal não mais consente a permanência da impetrante no local, a autorização perdeu sua eficácia. Logo, não há direito líquido e certo a ser tutelado na hipótese dos autos. 3. Comprovação nos autos da existência de previsão contratual no tocante ao cancelamento da permissão debatida. 4. Recurso não provido." (STJ. Rel. José Delgado, RMS 16280/RJ, 1ª T., DJ 19 abr. 2004, p. 154)

A revogação ou mesmo a cassação da permissão de uso outorgada por mais que o ato seja precário, demanda algumas considerações que serão feitas posteriormente.

A Administração Pública pode permitir a utilização do bem público independentemente do uso a que está condicionado; ou seja, pode ser permitido que bens afetados pelo uso comum, ou pelo uso especial, assim como o dominical, sejam utilizados privativamente por particulares.

Deve se entender, no entanto, que, em sendo a permissão de uso um ato administrativo, só se pode entender que o regime jurídico a que tal instituto encontra-se adstrito é o de Direito Público.

Para a emissão da referida permissão de uso, entende a já

mencionada Maria Sylvia Zanella Di Pietro,128 que referido ato depende da

provocação do interessado em obtê-la; o que leva a considerações relativas à necessidade ou não de realizar procedimento licitatório prévio para concretizar a outorga de tal instituto.

De fato, se, para a outorga do referido instituto faz-se necessária apenas a provocação do interessado, poder-se-ia chegar à conclusão de que não haveria qualquer possibilidade de competição, tornando, portanto, inviável o estabelecimento de certame licitatório.

Necessário então verificar se a natureza do ato de permissão de uso compatibiliza-se com o entendimento de que é dispensável efetivar procedimento licitatório; ou, ao contrário, se é necessário realizar um certame para a escolha da melhor proposta para fins de interesse público.

A natureza de ato discricionário e precário torna a permissão de uso um instituto impróprio para outorgar um uso que seja a própria finalidade do bem, como seria no caso de uso de box de mercados públicos.

Para uma melhor compreensão dessa incompatibilidade, a

classificação feita por Maria Sylvia Zanella Di Pietro129 de que tal uso seria o

denominado uso privativo normal é fundamental, como se verifica:

“O uso privativo pode ser exercido de acordo com a própria destinação legal do bem, como no caso do uso de box em mercado público. É a utilização que se diz normal, porque conforme ao fim a que o bem está afetado.” (g.n.)

128 Ob. cit. p. 96. 129 Ob. cit. p. 30.

Entende-se, portanto, que, existindo compatibilidade entre a finalidade do bem e a sua utilização por particulares, tem-se o chamado uso normal do bem.

Defende Maria Sylvia Zanella Di Pietro que a permissão de uso é um instituto mais adequado ao que por ela é dito como sendo uso privativo

anormal, uso esse que é assim explicado pela referida autora:130

A permissão, como ato precário, revela-se mais adequada nos chamados usos anormais, em que a utilização privativa, embora conferida com vistas a fim de natureza pública, está em contraste com a afetação do bem ou com sua principal destinação. É o que ocorre, principalmente, nos casos de uso privativo incidente sobre os bens de uso comum do povo. E principalmente esse contraste do uso privativo com a afetação do bem que exige seja imprimida precariedade ao ato de outorga.” (g.n.)

Leciona, ainda, Maria Sylvia Zanella Di Pietro:131

Mas o uso privativo pode ser anormal, no sentido que não se exerce em consonância com o principal destino a que o bem esta afetado; ao contrário atende a finalidades diversas ou secundárias, muitas vezes em contrastes com a principal. É o caso da captação de água de um rio navegável para fins de aproveitamento agrícola (destinação secundária); ou da utilização de calçada para construção de uma esplanada (em contraste com a circulação de pedestres).”

130Ob. cit. p. 98. 131 Ob. cit. p. 31.

Celso Antônio Bandeira de Mello132 esclarece as razões por que o

chamado uso anormal é mais adequado a ser outorgado por meio da utilização do instituto da permissão de uso, como se observa:

Quando o uso do bem, comportado em suas destinações secundárias, compatível, portanto, com sua destinação principal e até mesmo propiciando uma serventia para a coletividade, implicar ocupação da parte dele com caráter de exclusividade em relação ao uso propiciado pela sobredita ocupação. É o caso de quiosques para venda de cigarros ou refrigerantes, de bancas de jornais ou de utilização de calçadas para colocação de mesinhas diante de bares ou restaurantes. Nestas hipóteses a sobredita utilização depende de permissão de uso de bem público.”

É importante notar que contraste não se confunde com incompatibilidade; ou seja, por mais que a permissão de uso seja para outorgar a utilização de uso para finalidades diversas ou secundárias da finalidade principal do correspondente bem público, isso não significa que semelhante uso possa ser incompatível com tal finalidade principal.

O fato de a permissão de uso ser o instituto utilizado para outorgar um uso anormal, mas com determinado atendimento ao interesse público, como visto, afasta qualquer dúvida relativa à desnecessidade de efetuar procedimento licitatório prévio à sua outorga.

Nesse sentido, ressalte-se o entendimento esposado pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sobre a necessidade de realizar prévio procedimento de licitação para concretizar a permissão de uso, em determinados casos, como se observa:

“Veja-se que, desta feita, no que concerne à nova entidade que faz uso da área, a Municipalidade adotou a forma republicana, promovendo licitação prévia. E, certamente, do respectivo termo de permissão devem constar cláusulas na base das quais a associação poderá utilizar a área, tudo com a necessária transparência, como se impõe à gestão da coisa pública.

Nestes termos, julgo parcialmente procedente a ação, reintegrando a Municipalidade na posse da área descrita na inicial e documentos de fls. 12 a 15; 19 a 22 e 36 a 42, com o que se torna definitiva a liminar concedida. Por fim, condeno-a ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes devidos, a cada um dos réus, no valor de R$ 3.500,00, observados os termos do art. 20, §4º, do Código de Processo Civil”. (TJSP. Ap. 0105489-23.2007.8.26.0053. Rel. Des. Luiz Sergio Fernandes de Souza, 7ª Câm. Dir. Púb., j. 10.04.2014) (g.n.)

O próprio caráter precário da permissão de uso implica que o fato de ela ter sido anteriormente outorgada para determinado uso, ou por um período de tempo determinado, não configura qualquer direito subjetivo por parte do permissionário em relação a um procedimento licitatório relativo à outorga de nova permissão de uso do mesmo imóvel, como se pode depreender de Acórdão do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

“MEDIDA CAUTELAR. Liminar indeferida. Exploração de cantina dentro das dependências da Unicamp, mediante termo de permissão de uso. Realizada licitação, em que a agravante não se sagrou vencedora. Pretendida permanência no imóvel. Não cabimento. Interesse da autarquia estadual sobre o objeto licitado prepondera sobre o interesse privado. Recurso não provido.” (Agravo de

Instrumento nº 2031763-34.2013.8.26.0000. Rel. Des. Edson Ferreira da Silva, 12ª Câm. Dir. Púb., j. 27.11.2013)

Ocorre que, apesar da permissão de uso ser um instrumento de caráter precário - caso seja outorgado com previsão de tempo para sua validade

ou, mesmo, sem que conste cláusula resolutiva expressa no termo que consubstanciou sua outorga - faz-se necessário realizar procedimento administrativo prévio com a intenção de revogar ou mesmo cassar da referida permissão; e isso com a observância do direito de ampla defesa e do contraditório.

O C. Superior Tribunal de Justiça, em decisão análoga, reconheceu que a caracterização de esbulho possessório por parte do possuidor só é possível após prévia resolução judicial do contrato ou, no caso, termo, que possibilitou o uso de área pública pelo particular, como se verifica:

“Ademais, ainda que não incidisse o Enunciado n. 7 da Súmula/STJ à hipótese dos autos, o entendimento do Tribunal de origem encontra amparo na jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, que já se manifestou no sentido de que, a despeito da existência de cláusula resolutiva expressa, faz-se imprescindível que se promova a prévia resolução judicial do contrato, com notificação do possuidor, pois somente após a resolução é que poderá haver posse injusta e será avaliado o alegado esbulho possessório, para fins de deferimento da liminar de reintegração na posse”. (AgRg no REsp nº 1.000.779 - MG (2007/0256359-0), Relator: Min. Massami Uyeda. TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça j. 05.04.2011) (g.n.)

Em que pese o fato de processos judiciais não se confundirem com os administrativos, certo é que a caracterização do esbulho possessório demanda prévio procedimento judicial, ou administrativo, que desconstitua a outorga realizada.

E isso decorre da necessidade de a Administração Pública motivar os seus atos; com efeito, se ela outorgou uma permissão de uso por um determinado período de tempo, o que, por óbvio, levou o permissionário a efetuar determinados investimentos com base nesse lapso temporal, é de direito que os motivos da revogação ou cassação da permissão de uso sejam expressos.

Nesse sentido, destaque-se posicionamento esposado pelo já citado E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“MANDADO DE SEGURANÇA. Município de São Paulo. Comércio ambulante. Revogação de Termo de Permissão de Uso. Apesar da precariedade que caracteriza a permissão de uso e da discricionariedade do ato administrativo, aquele ato não prescinde de motivação. Requisito não preenchido pelo ato atacado, portaria do Subprefeito da Penha que revogou todos os termos de permissão de uso concedidos por aquela subprefeitura para o exercício do comércio ou serviços ambulantes. Ilegalidade reconhecida. Sentença concessiva da ordem. Recursos oficial, considerado interposto, e voluntário não providos”. (Ap. com revisão nº 0015444-94.2012.8.26.0053. Rel. Des. Antônio Carlos Villen, 10ª Câm. Dir. Púb., j. 27.01.2014) (g.n.)

A necessidade de motivação do ato que revoga ou cassa a outorga realizada, decorre também do dever de a Administração Pública observar os princípios da igualdade entre os administrados, e o da impessoalidade; na verdade, se for considerado que o permissionário, no mais das vezes, realiza determinados investimentos objetivando dar utilização à permissão que obteve, sendo que ela atende a um determinado interesse público, não cabe à Administração retirar de um para dar para outro, por mais que o ato seja precário e ela não tenha de indenizar as benfeitorias feitas no espaço cujo uso foi permitido a um particular.

De outro lado, por mais que a precariedade do ato de permissão de uso não permita qualquer indenização pelas benfeitorias realizadas na área cujo uso foi permitido, isso não implica a possibilidade de um particular locupletar às custas de outro.

Considere-se, ainda, que a permissão de uso de bem público está vinculada ao atendimento das funções sociais da cidade. Vinculação essa que demanda que a outorga da permissão de uso seja realizada objetivando tais funções, o mesmo se aplicando à precariedade do instrumento, que também

deve ter uma justificativa de observância das citadas funções, para permitir a revogação do ato de outorga de uso citado.