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CAPÍTULO IV BENS PÚBLICOS

CAPÍTULO 5 GESTÃO DE BENS PÚBLICOS

5.7 Concessão do direito de superfície

O Estatuto da Cidade em sua Seção VII dispôs sobre o direito de superfície, que permitiria ao proprietário urbano conceder a outrem o uso da superfície do seu terreno, por tempo determinado ou não, como se pode verificar:

“Seção VII

Do direito de superfície

Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.

§ 1o O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o

espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.

§ 2o A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.

§ 3o O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que

incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.

§ 4o O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os termos

do contrato respectivo.

§ 5o Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.

Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em igualdade de condições à oferta de terceiros.

Art. 23. Extingue-se o direito de superfície: I – pelo advento do termo;

II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário.

Art. 24. Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio do terreno, bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário no respectivo contrato.

§ 1o Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o

superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida.

§ 2o A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de

imóveis.” (g.n.)

Posteriormente, com a edição do Código Civil, em 10 de janeiro de 2002, foi novamente disciplinado o direito de superfície, mas, para os proprietários de imóveis em geral, ou seja, tanto para o proprietário urbano, quanto para o proprietário rural.

O Código Civil disciplinou o direito de superfície no Título IV, do seu

Livro III – Do Direito das Coisas, como se observa:

“TÍTULO IV Da Superfície

Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão.

Art. 1.370. A concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se onerosa, estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez, ou parceladamente.

Art. 1.371. O superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel.

Art. 1.372. O direito de superfície pode transferir-se a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros.

Parágrafo único. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer pagamento pela transferência.

Art. 1.373. Em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o proprietário tem direito de preferência, em igualdade de condições.

Art. 1.374. Antes do termo final, resolver-se-á a concessão se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para que foi concedida.

Art. 1.375. Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário.

Art. 1.376. No caso de extinção do direito de superfície em consequência de desapropriação, a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente ao direito real de cada um.

Art. 1.377. O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno, rege-se por este Código, no que não for diversamente disciplinado em lei especial.” (g.n.)

Maria Sylvia Zanella Di Pietro158 esclarece que o direito de

superfície tem natureza de direito real sobre coisa alheia, o que fica evidente pela leitura singela dos dispositivos legais acima elencados. Esclarece a referida autora:

“O direito de superfície tem a natureza de direito real sobre coisa alheia, uma vez que não afeta o domínio do proprietário do solo. Ele afasta a acessão, ou seja, a regra segundo a qual todas as coisas que se acrescentam ao solo, sejam plantações ou construções, pertencem ao dono do solo (superfícies solo cedit). Tal regra consta do artigo 1.253 do Código Civil. No caso do direito de superfície,

enquanto o mesmo perdura, a propriedade do dono do solo coexiste com a propriedade do dono das plantações ou construções que se acrescentam a natureza de direito real sobre coisa alheia; se alguma dúvida houvesse diante das normas do Estatuto da Cidade, que silenciava a respeito, ela se dissipou com a entrada em vigor do novo Código Civil, que a incluiu entre os direitos reais no artigo 1.225:”

Joel Dias Figueira Junior,159 ao comentar o instituto, traz valiosas

lições sobre a sua utilidade e importância:

Como incremento do rol dos direitos reais por meio do direito de superfície, resgata um antigo instituto jurídico, desta feita conferindo-lhe nova roupagem, com escopos de natureza sociológica, cujas origens estão chanceladas na Lei Maior, que define a exigência da consecução dos fins sociais da propriedade, perpetrados por intermédio da posse efetiva em relação ao sujeito titular do bem da vida, a manifestação do poder sócio-econômico exercido sobre ele e a abstenção de terceiros, no que concerne a esta situação. Em outras palavras, fica ainda mais robustecido o sentido constitucional e, agora, também infraconstitucional, de utilidade econômica e sócio-política da propriedade imobiliária, voltada para o cumprimento de seus desígnios metajurídicos. O novo instituto jurídico, inserto como direito real, vem também solucionar e prevenir inúmeros conflitos, porquanto o vetusto Código, até então, não oferecia qualquer regulamentação adequada ou mesmo o sistema positivo brasileiro, ficando as partes limitadas ao arrendamento, à locação ou à prática dissimulada (informal) daquilo que poderíamos denominar de pseudo “direito de superfície”, donde se terminava por realizar atos equiparados à concessão, com resultados via de regra insolúveis, que acabavam em perdas e danos. No mais das vezes, a ausência de regulamentação legislativa inibia o jurisdicionado a intensificar essa prática tão salutar de incremento do uso do solo, tornando ainda mais a propriedade social e economicamente aproveitável. Sem sombra de dúvida, avançou-se, notavelmente, com o instituto do direito de superfície nos planos jurídico, social, político e econômico.”

159 Comentários aos arts. 1.361 a 1.377 In: Novo Código Civil Comentado. Coord. Ricardo Fiuza. São

O direito de superfície, como se depreende das lições do autor, veio para corrigir algumas situações decorrentes do uso inapropriado do instituto da concessão de direito real de uso (pela leitura e interpretação, é claro que o autor referia-se a esse instituto, posto que antes da edição do novo Código Civil a concessão tinha natureza de direito real, dado por meio de lei específica), uso esse decorrente das similaridades dos dois institutos, quais sejam: a possibilidade de transmissão por ato inter vivos, ou causa mortis; é também um direito real resolúvel, caso o superficiário dê destinação diversa daquela pactuada; e pode ser onerosa ou gratuita.

Ocorre que, para efetuar citadas correções, é necessário que se configurem as diferenças fundamentais entre tais institutos, sendo que uma, em especial, ganha maior relevância, qual seja: a de que a concessão de direito real de uso deve obrigatoriamente atender às finalidades de interesse público elencadas no diploma legal que a regulamenta; enquanto que o direito de superfície deverá atender apenas às finalidades estabelecidas no instrumento contratual que o firmou.

De qualquer forma, a Administração Pública pode outorgar título de concessão de direito de superfície, como se observa do disposto no art. 1.377 do Código Civil, atendendo às disposições do referido Código caso não exista lei especial dispondo em contrário.

Entende Maria Sylvia Zanella Di Pietro160 que, para se efetivar a

citada outorga, faz-se necessário realizar procedimento licitatório, ainda que inexistente previsão legal expressa sobre isso. Tal seria decorrente da necessidade de observância do princípio da isonomia, bem como de obtenção da melhor proposta para a consecução do interesse público.

Da mesma forma, considerando que o Poder Público está adstrito à estrita observância do princípio da legalidade, é fundamental que exista lei

prévia autorizando a referida outorga, e que estabeleça as finalidades a serem atingidas com a concessão.

A lei a ser editada poderia, por exemplo, prever sua utilização como um instrumento de regularização fundiária urbana, tal qual se pode depreender

das lições de Nelson Saule Jr:161

Este instrumento pode ser utilizado para fins de regularização fundiária de área urbana, pública ou privada, ocupada por população de baixa renda. Neste caso o proprietário da área particular ou o Poder Público, no caso de área pública, concedem o direito de superfície à população beneficiária da urbanização e regularização do Direito de Superfície para fins de moradia”. (g.n.)

De outra forma, pode-se definir a aplicação do direito de superfície como uma maneira de prover a instalação da infraestrutura urbana necessária para atender demandas urbanas, como, aliás, se posiciona Lúcia Valle

Figueiredo:162

Podemos cogitar da aplicação do direito de superfície, como disposto no Estatuto da Cidade, e de suas implicações para a implantação da infraestrutura em terrenos particulares”.

Outro uso possível seria poder exercer o citado direito de superfície para construir moradias populares, o que possibilitaria uma diminuição da represada demanda de tais tipos de moradias.

161A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris

Editor, 2004, p. 521.

Deve-se considerar, ainda, que o Poder Público pode figurar como superficiário, objetivando o atendimento do interesse público.

Um exemplo disso ocorreu na cidade de São Paulo quando da implementação do denominado Parque do Povo. A área do parque é de propriedade da Caixa Econômica Federal e do Instituto Nacional do Seguro

Social – INSS, como se pode depreender da transcrição de parte do Acórdão nº

0196139-47.2008.8.26.0000 (Apelação nº 0196139-47.2008.8.26.0000;

Apelante: Prefeitura Municipal de São Paulo, Apelado: Royal Circo Escola Ltda.; 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Rel. Des. Carvalho Viana, j. 12.12.2012):

A ação de manutenção de posse foi proposta em 24 de agosto de 2006, antes mesmo de a municipalidade ter adquirido o direito de superfície, por meio do instrumento firmado com a Caixa Econômica Federal e o Instituto Nacional do Seguro Social INSS, proprietários do imóvel, publicado no diário oficial em 29 de agosto de 2006.” (g.n.)

A utilização do instrumento do direito de superfície em desfavor da desapropriação do imóvel não é conhecida; porém, imagina-se que a referida utilização atenderia melhor ao interesse público.

Deve-se considerar, entretanto, que o uso do citado instrumento pelo Poder Público municipal, seja como superficiário, seja como proprietário do imóvel urbano, necessariamente deve observar e se vincular às funções sociais da cidade; ou seja, atender a uma das finalidades de tais funções, como a do exemplo acima exposto.

5.8. Concessão urbanística