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4. LATITUDE, LONGITUDE: Produção independente, Estado e a Política de

4.3. CONCLUSÃO DO CAPÍTULO

Este estudo compartilha a perspectiva de autores da Ciência Política (DYE, 1995; DEUBEL, 2002; MARQUES, 2013) que compreendem política pública como o conjunto de ações e programas tendo o Estado como ente executor e cujos desenhos resultam da conformação entre regras e arenas em disputa, com forte influência dos agentes econômicos.

Em escala supranacional, a implementação de políticas comuns para o audiovisual em blocos regionais enfrenta a dificuldade de conciliação entre desenhos de Estado distintos, o que inclui os interesses políticos em jogo e o relacionamento com o campo produtivo. A efetivação de políticas regulatórias supranacionais é ainda mais complexa do que políticas de financiamento à produção, pelo poder de pressão dos grupos econômicos na instituição de normas regulatórias que atendam às suas demandas.

A adoção da cota de tela em diferentes contextos políticos expressa uma tentativa de conciliação entre cultura e economia. Aplicadas aos mercados de televisão, representam o acolhimento de pautas democráticas, em geral sustentadas pelo discurso de desconcentração dos mercados de mídia, sem comprometer o poder dos agentes já estabelecidos, com variações a depender das regras em cada modelo.

No contexto brasileiro, são três os pilares da Política de Fomento com repercussão direta na produção de conteúdos independentes para televisão: A Agência Nacional do Cinema (Ancine), instituição gestora da Política; o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que concentra os recursos e linhas destinadas a estes mercados; e

160 Publicado em 05/02/2018. Não estão computados os canais similares em tecnologia HD. Disponível

em: https://www.ancine.gov.br/sites/default/files/classificacao-canais-programacao/lista-classificacao- canais-05022018.pdf

a Lei 12.485/2011 (Lei da TV Paga), pelos mecanismos indutores ao fortalecimento da produção independente e ao aprimoramento das linhas de investimento do FSA.

As bases dessa Politica estão na criação da Ancine, em 2001. Mesmo reivindicada pela classe produtora, com destaque para o papel do Congresso Brasileiro de Cinema, sua criação representou um projeto de suporte público ao audiovisual orientado por uma lógica econômica.

Certamente a migração da Ancine do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior para o Ministério da Cultura (MinC), em 2003, foi um marco importante. O audiovisual passa a ser abrigado no guarda-chuva da cultura, em um cenário político em que esta área é acolhida de forma estratégica no projeto de governo. O audiovisual enquanto política pública, a partir daquele momento, posiciona-se institucionalmente entre a comunicação e a cultura.

Mas a vinculação da Agência ao MinC não representou o enfraquecimento das forças econômicas sobre o desenho da Política para o audiovisual no país. O que aconteceu foi uma conformação possível dentro de um contexto neoliberal global, mesmo durante um governo progressista. O fortalecimento da Ancine e desprestígio da Secretaria do Audiovisual (SAv) na condução da Política refletem esse quadro.

A conformação se manifesta pela incorporação de outras pautas, que não a econômica. De fato, o acolhimento de agendas como diversidade da produção, regionalização, valorização do campo público de TV, todas elas associadas aos investimentos para a produção independente, efetiva-se gradativamente nas ações geridas pela Ancine.

Por outro lado, as regras estabelecidas para o acesso das produtoras ao fomento público são formuladas em função do objetivo de desenvolvimento de uma indústria autossustentável, pela integração da produção independente aos mercados de audiovisual. Nesse sentido, tais regras contemplam a lógica destes mercados, o que cria um ambiente de permanente disputa entre as agendas. Resultados desse movimento, pensando a inserção dessas produções nos mercados de televisão, serão discutidos a partir do próximo capítulo.

5.TRAVESSIA DE OLHARES:Apresentação e análise dos dados empíricos- Parte I Travessia de Olhares (documentário)

Trem Chic Belo Horizonte, MG Aprovado no Prodav 11 em 2015 Exibido na TV Brasil em 2017

Entre 2012 e 2017, 4.353 produtoras independentes brasileiras se cadastraram na Ancine. Na Brasil Audiovisual Independente (Bravi)161, uma das principais entidades representativas do setor em âmbito nacional, o número de associados foi de 250 para 644 no mesmo período162.

Em ambos os casos, o crescimento gradativo no registro anual de empresas produtoras se atribui, em grande parte, às ações da Política de Fomento ao audiovisual estabelecida no país na segunda década dos anos 2000, pelas oportunidades criadas para o segmento independente, conforme abordado no capítulo anterior.

Enquanto o registro na Ancine é condição obrigatória para que as produtoras concorram a investimentos pelas linhas do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), no caso da Bravi o principal motivador é a articulação de mercado. A entidade exerce um papel mediador junto aos players e na promoção de ações voltadas para a profissionalização do setor.

Relembrando capítulos anteriores, tanto o FSA quanto os canais de TV só se relacionam com a produção independente na categoria Pessoa Jurídica. Profissionais (Pessoa Física) e microempreendedores individuais (MEI) não estão habilitados a se candidatar às linhas do Fundo nem tampouco conseguem estabelecer relações comerciais com emissoras e programadoras de televisão. Por este motivo, a pesquisa empírica desenvolvida nesta tese se direciona para o estudo de empresas produtoras independentes e não para profissionais produtores individualmente.

Os números produzidos pela indústria nacional do audiovisual nos últimos anos, amplamente divulgados pelos órgãos públicos e pela imprensa, justificam as expectativas em torno do setor. Expressiva participação no PIB, aumento no número anual de obras lançadas, abertura de novas empresas, contratações, tudo é parte desse

161 Antiga Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV)

162 Dados atualizados em novembro de 2017 disponibilizados pela Ancine (via Lei de Acesso à

movimento. Mas é preciso compreender o lugar da produção independente pelo entendimento do que caracteriza a sua recente comercialização no circuito exibidor.

O capítulo inaugura a apresentação e discussão dos dados empíricos. A proposta é construir um panorama que permita a leitura de qual tem sido o comportamento do segmento de produção independente no Brasil a partir das ações da Política de Fomento, aqui olhando especificamente para os caminhos constituídos junto aos mercados de televisão aberta e fechada.

O perfil das produtoras independentes contempladas em linhas Prodav do FSA e o seu relacionamento com os canais de TV é a preocupação central deste capítulo. O objetivo é identificar as características que compõem o setor enquanto empresa: qual a estrutura, onde estão localizadas, as principais deficiências, que tipo de conteúdo produzem, como viabilizam suas produções.

Em seguida, a análise enfatiza o que emerge das negociações entre produtoras e canais: quais as principais barreiras para as produtoras, por meio de que estratégias os conteúdos independentes têm sido absorvidos e como se dá a gestão desses conteúdos.

Os capítulos seguintes abordarão as relações entre produção independente e a Ancine (capítulo 6) e as articulações e redes que vêm sendo desenhadas a partir do impulso da Política de Fomento (capítulo 7), pela mobilização promovida em todo o setor de audiovisual.

Os dados apresentados a seguir foram produzidos com apoio em fontes indiretas, mas sobretudo através de fontes diretas, nomeadamente questionários online e entrevistas em profundidade com representantes de produtoras independentes contempladas nas linhas FSA/Prodav entre 2014 e 2015163.

Os questionários online foram respondidos por profissionais que atuam diretamente na gestão das empresas (sócios-diretores, produtores executivos, coordenadores de produção e/ou projetos) entre maio e novembro de 2017. As entrevistas em profundidade foram realizadas com diretores e produtores executivos,

163 Os dados representam perfis médios, uma vez que o corpus não integra todo o universo de empresas

contempladas nas linhas FSA/Prodav. O número de 119 produtoras participantes na pesquisa (ver capítulo 2) corresponde a cerca de 30%do universo total de empresas contempladas durante o período investigado.

tendo sido a primeira etapa piloto entre junho e julho de 2016 e a segunda etapa entre setembro e novembro de 2017, conforme detalhado no capítulo 2.