• Nenhum resultado encontrado

Há inúmeras diferenças entre os mercados brasileiro e escandinavo de energia elétrica. Em toda Europa, por exemplo, no quesito energia elétrica já há a realidade de que ela é um produto como outro qualquer, ao contrário do que ocorre no mercado brasileiro e nos sul- americanos. O conceito de que o insumo é um serviço público e que carece de atenção especial do Estado para manter a segurança no abastecimento deixou de existir gradualmente desde o início da década de 90 em toda Europa, quando as tratativas de desregulamentação dos mercados começaram a ser discutidas no âmbito da União Europeia. Simultaneamente a essa desregulamentação dos mercados europeus, o Velho Continente como um todo (e os mercados nórdicos em especial) vêm buscando na integração dos mercados uma forma de otimizar os recursos energéticos existentes em cada país do continente. No Nord Pool, tal realidade não é diferente. Somente à guisa de exemplificação, o caso norueguês, que tem sua matriz energética prática e totalmente hidráulica, mostra a dependência que o país tem das plantas eólicas e térmicas dos países vizinhos, em especial nos meses do rigoroso inverno do país.

Como uma consequência natural desta integração, a convergência de preços do produto energia na Europa, e no Nord Pool em específico, se tornou uma realidade. O objetivo da integração é “utilizar na totalidade a capacidade de transmissão ociosa dos países, além de proporcionar mais liquidez aos mercados e assegurar que o fluxo de energia seguirá da região mais barata para a mais cara”128. Importante também registrar que esta integração nos mercados europeus foi alcançada graças ao grande apoio da Comissão Europeia, que sempre perseguiu o tripé “vontade política-isonomia-transparência” para o mercado energético do continente. A impressão ampla, geral e irrestrita é a de que os europeus se encontram em um estágio muito mais avançado que o Brasil como “major player” em um mercado sul-americano de integração energética, em especial pelos mecanismos criados pelos europeus para negociar energia elétrica e outras “commodities”, além da busca incessante pela transparência e segurança das operações relativas ao intercâmbio de energia elétrica inter países, e à obtenção de um preço “spot” que reflita real e fidedignamente o ponto de intersecção entre as curvas de demanda e oferta de energia elétrica. Em outras palavras, os preços europeus – diferentemente do que ocorrem no Brasil – retratam o verdadeiro preço da

128 PORTAL CANAL ENERGIA. Disponível em:

<http://www.canalenergia.com.br/zpublisher/materias/Retrospectiva.asp?id=91729&a=2012>. Acesso em: 24 nov. 2015.

energia como um bem em determinado momento econômico, enquanto que no Brasil, o preço “spot” é determinado complexamente por um modelo computacional focado basicamente no despacho do parque da geração brasileiro, e que vem também sendo usado

[...] para gerar o preço para ajuste de posições de vendedores e compradores de energia. A alta volatilidade que o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) apresenta o transforma em instrumento frágil de sinalização de preços futuros, fazendo com que o mercado não o adote como referência para a expansão do sistema. Este é um dos entraves para que o mercado livre brasileiro participe da inclusão de nova oferta de geração na matriz nacional129 .

Sendo tratada como um produto qualquer na Europa, a energia é taxada aos consumidores (pessoas físicas e jurídicas) como qualquer outro bem ou serviço. Por exemplo, de acordo com os balanços do Relatório Anual de 2014 do Nord Pool Spot130, os lucros sobre todas as operações de compra e venda de energia elétrica são taxados em aproximadamente 27.5% no mercado “spot”. Já no mercado sul americano, o Brasil vem exercendo

naturalmente um papel de protagonismo pela sua dimensão geográfica e potencial econômico, em uma simples análise das Declarações de Importação de energia elétrica provenientes da Venezuela, ou seja, sob o guarda-chuva do contrato de compra da energia elétrica assinado em 1997 pelas respectivas estatais (Eletrobrás Eletronorte e CORPOELEC), depura-se – sob o arcabouço jurídico da Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC) – a suspensão (alíquota zero) dos impostos de importação (II) e sobre produtos industrializados (IPI) e a cobrança das contribuições Programa de Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/ PASEP) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), nas alíquotas de 1.60% e 7.60%, respectivamente, ou seja, uma participação estatal brasileira num mercado que – na Europa – é exercido como um mercado de relações da iniciativa privada.

Esta ilustração tributária do contrato de importação de energia elétrica da Venezuela mostrada acima é também aplicada às demais iniciativas de intercâmbio de cooperação energética levadas pela República Federativa do Brasil com seus demais vizinhos sul- americanos. O Brasil, no intuito de exercer um protagonismo continental regional, sempre colocou sua Estatal (Eletrobrás) e demais instituições do Setor Elétrico Brasileiro nos intercâmbios de cooperação energética com os vizinhos sul americanos, que foram detalhados

129 Disponível em:

<http://www.canalenergia.com.br/zpublisher/materias/Retrospectiva.asp?id=91729&a=2012>. Acesso em: 24 nov. 2015.

130 Relatório Anual de 2014 do Nord Pool Spot. Disponível em:

<https://www.nordpoolspot.com/globalassets/download-center/annual-report/annual-report_nord-pool-spot- 2014.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2015.

nesta Dissertação de Mestrado. Itaipu Binacional é o projeto sul-americano de maior pujança, desenvolvido em época de Governo Militar estabelecido, onde as estratégias do Estado Brasileiro tinham outros nortes a serem seguidos, ou seja, época de Estado Forte e pouca participação privada em projetos desta magnitude. Com a mudança de paradigmas estratégicos e de geopolítica no continente, e em nome de um protagonismo e liderança regional do Estado Nacional Brasileiro no tocante a supremacia econômica, estratégica e militar, o projeto Itaipu Binacional não foi revisto para beneficiar o maior protagonista dele, ou seja, o Brasil. Os intercâmbios de energia elétrica realizados entre o Brasil e demais membros do MERCOSUL não são recentes (datam da década de 1970), mas as interligações com Uruguai e Argentina (a partir da década de 1990) foram finalizadas a partir do ano 2000, época em que o Brasil enfrentou gravíssima crise de abastecimento de energia elétrica, inclusive com o racionamento desta “commodity” em várias partes do país. Em nenhum destes exemplos, houve participação parcial da iniciativa privada, mas sempre a participação integral dos Estados envolvidos, ao contrário do que ocorreu na Europa e no Nord Pool.

Percebe-se também, com a maior participação estatal nos projetos de cooperação energética na América do Sul, uma maior burocracia no andamento dos mesmos como parte “do histórico pertinente às interligações entre o Brasil e esses países pode ser encontrado em meio aos diversos instrumentos jurídicos que compõem o marco regulatório brasileiro para os intercâmbios internacionais de energia elétrica – acordos internacionais, leis, decretos, resoluções e portarias”131. Importante salientar que, apesar de todo este arcabouço jurídico, e do tratamento tão específico do assunto integração energética, os acordos internacionais assinados entre o governo brasileiro e seus vizinhos sul-americanos (sejam eles do MERCOSUL ou não) são bastante genéricos e apenas indicativos, pois somente mencionam desejos de fortalecimento da integração, sem deixar claro se tais entendimentos almejam um projeto de integração produtiva ou se estão simplesmente baseados simplesmente em trocas comerciais, sem estabelecimentos de prazos para a condução de obras e projetos para a construção de usinas de geração ou linhas de transmissão, por exemplo.

Ao contrário do que ocorre no Nord Pool, alguns instrumentos internacionais são celebrados pelos ministérios da área de energia dos países sul-americanos envolvidos simplesmente para formalizar intercâmbios internacionais somente desejados em nível

131 RODRIGUES, Larissa Araújo. Análise Institucional e Regulatória da Integração de Energia Elétrica Entre o Brasil e os Demais Membros do MERCOSUL. 2012. Dissertação (Mestrado em Energia) -

Energia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/86/86131/tde-19042012-132609/>. Acesso em: 4 set. 2015.

presidencial. Assim, à exceção de Itaipu Binacional – que possui na legislação brasileira instrumentos específicos que determinam a comercialização de energia no mercado brasileiro – não fica claramente estabelecido nos atos internacionais assinados no campo de cooperação energética qual é o real projeto de integração energética que se está perseguindo e, tampouco, se o Estado está realmente buscando a integração. Ademais, as leis e decretos brasileiros também destaca um tratamento bastante genérico aos intercâmbios internacionais de energia elétrica, mesmo após a reestruturação sofrida pelo setor elétrico brasileiro e, consequentemente, de seu marco regulatório, ocorridos na década de 1990 e em 2004. Basicamente, a legislação estabelece somente os responsáveis pela definição de diretrizes e outorga de autorizações, sem a atribuição de regramentos. No Nord Pool, ocorre exatamente o oposto, e o mercado funciona de modo mais leve, mais eficiente, com menos flutuações de preço, menos burocrático (com muito menos “Estado”), sem maiores entraves e com um intercâmbio energético muitas vezes maior que o mercado sul-americano, encabeçado pelo Brasil.

Percebe-se também nos acordos celebrados entre o Brasil e os vizinhos sul-americanos que os mesmos apresentam características bilaterais e pontuais, conforme pudemos perceber nas experiências mostradas no Capítulo 5 desta Dissertação (Acordo de Itaipu Binacional, o contrato de compra de energia da Venezuela e os intercâmbios energéticos com Uruguai e com a Argentina). Chega-se à conclusão de que há no Nord Pool e nas outras experiências europeias um caráter mais regional e multilateral nos projetos de cooperação energética. Ao contrário do que se vê no Brasil e na América do Sul no quesito interação regulatória e do organismo regional, vemos uma maior aderência dos parâmetros institucionais para a regulação elétrica no Nord Pool e na União Europeia. O instrumento de escolha do fornecimento de energia na formação de preços inferiores de energia elétrica sinaliza a grande importância do mercado único europeu, onde a concorrência regional no mercado de compra e venda de energia entre os vários países fortalece a necessidade institucional para a credibilidade e bom funcionamento regulatório do mercado. Assim, a interdependência e a demanda por regras comuns são impulsionadoras de efeitos de “spillovers”, nos moldes do neofuncionalismo. Enquanto isso, o Brasil e seus vizinhos sul-americanos, ainda não estão identificados os reais custos e benefícios da integração energética, visto que o modelo de bilateralismo, ainda em vigor na América do Sul, ainda preserva questões como autonomia dos Estados, enfraquecendo a existência de instituições regionais sólidas, que tenham o poder de formar preços regionais de energia entre os vários países do continente.

A interdependência como vemos no Nord Pool e em todo o continente europeu, é vital para que os acordos regionais deslanchem e, definitivamente, não é o quadro de autossuficiência verificado no Brasil e na América do Sul. Mais do que isso, na América do Sul, “o comércio internacional de energia está concentrado nas duas principais usinas hidrelétricas do continente, que movimentam 88% das transações. Como consequência, são predominantes os contratos bilaterais para o comércio de energia da região”132. Desta forma, custa a se acreditar que o setor elétrico venha a ser o setor-chave da economia que venha a acelerar o processo de integração do continente sul-americano, assim como vemos na área do

Nord Pool e em toda o restante da Europa, por razões essencialmente regulatórias. Estudos a

serem desencadeados podem ainda assim identificar a importância de um processo integrativo e multilateral na região. Assim, a questão da credibilidade institucional no regionalismo pode ser indicativa para a convergência em regras comuns. Como custos e benefícios estão intimamente ligados aos mercados domésticos dos países envolvidos, será condição fundamental a de considerar como atua o país com poder de mercado na determinação do instrumental regulatório, exatamente como ocorre no Nord Pool hoje e não ocorre no Brasil e nos seus relacionamentos bilaterais com os vizinhos sul-americanos.

Finalmente, há de se ressaltar que as experiências bilaterais brasileiras na área de integração energética com os vizinhos sul-americanos são bastante marcadas por ocorrências de rompimento ou alteração de contratos, seja de intercâmbio de eletricidade ou de gás natural. Em absolutamente todos os casos, os desvios das condições originalmente pactuadas foram causados por intervenções governamentais dos países vizinhos e, em nome de um “protagonismo de liderança regional brasileira”, a reação da política externa brasileira em todos estes incidentes é de uma inacreditável “acomodação”. Tais quebras ou alterações unilaterais de contrato já causaram inúmeros prejuízos à economia brasileira e, consequentemente, aos seus contribuintes. Há um claro menosprezo governamental pelos prejuízos causados pelas quebras unilaterais de acordos de cooperação energética junto aos vizinhos sul-americanos. Tais desvios são nocivos ao país, não somente pelos impactos mais imediatos, mas também por quebrarem qualquer tentativa de planejamento para o setor. Um ex-presidente da República brasileiro chegou a ponderar em um desses rompimentos/ alterações unilaterais de contrato que o Brasil, por ser a maior economia regional, deveria ser generoso o bastante para ajudar no avanço dos países vizinhos. Ou seja, as variáveis de

132 MICHELIN, André da Cunha. Regulação, Integração e Preços de Energia na América do Sul. 2011. p. 69.

Dissertação (Pós-Graduação em Relações Internacionais) – Energia, Instituto de Relações Internacionais, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

componente político vêm superando em muito as de componente técnico, e as ditas “decisões de política externa” vêm sendo sempre sistematicamente tomadas em prejuízo do contribuinte e do cidadão brasileiro. O caso das constantes perdas ao contribuinte brasileiro no acordo de Itaipu Binacional, por exemplo, é o caso mais clássico desta assertiva.

Assim, algumas decisões importantes devem ser tomadas nesse processo de integração energética do Brasil a seus vizinhos continentais, e devem ser espelhadas no que vemos hoje na Europa e no Nord Pool em específico. Atualmente, as decisões tomadas pelo governo brasileiro em suas Políticas Externas têm privilegiado em muito o caráter político em detrimento às decisões de caráter técnico, fazendo com que o país fique refém de seus “parceiros” de contrato. Há também de se incentivar o desenvolvimento das variáveis crescimento e competitividade como fatores-chave para o desenvolvimento de políticas energéticas que realmente apontem para a integração e todos os seus frutos. A América do Sul tem ampla disponibilidade de recursos energéticos, e a integração energética do continente nos moldes do que vemos na Europa deve ser realizada multilateralmente. Tais acordos multilaterais de intercâmbio energético devem ser realizados “de maneira convenientemente implementada, gerando benefícios que coloquem os sistemas energéticos nacionais numa trajetória de custos decrescentes”133. Porém, alguns desafios provenientes das assimetrias econômicas entre os países da região são postos “à mesa”, visto que em tal ambiente de assimetria, os benefícios provenientes da integração elétrica não são divididos equitativamente nem entre os países e muito menos internamente a eles. A busca por acordos aceitáveis regionais se torna, portanto, um grande “quebra-cabeças” de características técnicas, políticas, econômicas e diplomáticas, sendo que – ao final – as vertentes de característica técnica devem se sobrepor às de característica política.

133 CASTRO, N. J. de (org), ROSENTAL, R., GOMES, V. J. F.. A Integração do Setor Elétrico na América do Sul: Características e Benefícios, p. 15, Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL), Instituto de

Economia (UFRJ), R. de Janeiro, Setembro de 2009. Disponível em: <http://www.gesel.ie.ufrj.br/app/webroot/files/publications/29_TDSE10.pdf>. Acesso em: 7 ago. 2015.

Documentos relacionados