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3. Métodos de Cálculo Aplicados ao Caso Brasileiro

3.3. Modelos Alternativos: Solow-Swan e AK

3.3.3. Conclusões e Reflexões

O artigo oferece várias conclusões, implicações e desdobramentos de sua análise. Aqui serão comentados apenas aqueles pertinentes ao tema dessa dissertação. Em primeiro lugar, a Tabela 13, traz os resultados do exercício de decomposição do crescimento, no enfoque do modelo de Solow, feito no artigo, de acordo com a Equação (50)b.

Tabela 13 – Decomposição do produto - modelo de Solow (apud Pessoa et Ali, 2003)

Y' (1/v)' L' A' A'/Y' 1942-52 0,069 0,011 0,021 0,035 51,1% 1952-65 0,064 0,008 0,024 0,031 47,9% 1965-74 0,095 0,002 0,034 0,057 59,6% 1974-84 0,039 0,026 0,031 -0,017 -43,5% 1984-93 0,025 0,008 0,025 -0,008 -32,0% 1993-02 0,027 -0,001 0,016 0,012 43,1%

Dois fatos chamam atenção por si só e também por estarem em concordância com os resultados mostrado na Tabela 10. O primeiro deles diz respeito à contribuição da PTF para o crescimento. Assim como no exercício da seção anterior, a PTF

contribuiu fortemente para o crescimento até meados da década de 1970, atuando no sentido oposto, nos 20 anos seguintes, aproximadamente, para depois apresentar uma leve recuperação no período mais recente.

Além disso, vimos que o capital deepening foi uma variável relevante para explicar o crescimento durante todos os períodos com exceção do último. Porém, sua contribuição mais primaz, assim como no outro exercício, foi em meados da década de 1970 e início dos 80, coincidindo em grande parte com o período do II PND.

Os resultados acima, apesar de relevantes, não são o ponto central da conclusão do artigo. A contribuição mais relevante, sem dúvida, é a explicação tentativa que os autores oferecem para a queda das taxas de crescimento do PIB desde meados da década de 1980 e que se prolonga até hoje.

Grosso modo, eles postulam que a contrapartida de uma relação produto/ capital efetiva (v) cadente foi o aumento do preço relativo do investimento. A acumulação e aceleração dessa dinâmica teriam resultado na queda das taxas de acumulação de capital, que por sua vez redundaram na queda das taxas de crescimento do PIB.

A origem da queda de v estaria no modelo brasileiro de desenvolvimento, a ISI (Industrialização por Substituição de Importações), caracterizada como um modelo de economia orientada internamente e que gerava ineficiências, por proteger os produtores locais. Essas características se acentuaram ao longo do tempo, principalmente no governo militar e depois dos choques do petróleo. Tudo isso, na visão dos dois autores, também levou a uma diminuição progressiva da taxa de progresso técnico, a PTF, que em última instância se tornou negativa por duas décadas.

Bacha & Bonelli (2004) afirma ainda que o II PND foi o paroxismo de todo esse processo, levando ao entupimento dos mecanismos de transmissão do crescimento econômico. O crescimento verificado no período 1974-84, ainda que relativamente elevado, logrou-se as custas de um aumento na relação capital/ produto, financiada por endividamento externo e aumento da força de trabalho empregada.

Em resumo, os autores acreditam, que uma resposta mais sensata aos choques econômicos de 1970, teria evitado que a dinâmica descrita acima desaguasse no tombo experimentado pela acumulação de capital.

Essa conclusão tentativa, apesar de fundamentada em dados empíricos e gozar de certa lógica e plausibilidade, não passa por certas contraprovas empíricas, pelo confronto com outros diagnósticos do período, consagrados na literatura, e pela experiência vivida em outros países semelhantes. De forma alguma, os argumentos arrolados em seguida são motivos para se abandonar tal explicação, muito pelo contrário, esforços devem ser feitos para torná-la mais geral e compatível com os mais diversos aspectos da realidade empírica.

Os autores, como dito acima, postulam que a queda em v, ou igualmente o aumento da relação capital/ produto, tem relação com a natureza do modelo de ISI seguido pelo Brasil. A ISI, com certeza, atuou para reduzir v (ou aumentar a relação K/Y), porém, isso não é uma exclusividade do modelo específico do Brasil, tampouco é por si só um fato ruim. O aumento da intensidade do capital é uma característica estrutural dos processos de industrialização, como o brasileiro, que partem das indústrias leves de bens de consumo até a implantação do setor produtor de bens intermediários e bens de produção. Note que não há nada a priori ou automático, que ligue a natureza do progresso técnico à relação K/Y. Ademais, como o próprio artigo

mostra, a perspectiva internacional e uma dinâmica de transição no modelo de Solow, e não só a ISI, também explicam a queda em v.

Atack et ali (2003), usando dados ao nível da firma para a indústria manufatureira dos EUA, obteve um aumento real de 70% na relação capital/ produto entre 1850 e 1880. Caselli & Tenreyro (2005), analisando o processo de convergência entre os países da União Européia, mostra que o aumento da PTF e da relação capital/ produto são os dois principais fatores, que explicam, no referencial do modelo de Solow, a convergência entre os países mais atrasados e a França, país escolhido como referência. De fato, quase 50% da redução do hiato de Espanha e Portugal em relação à França se deve ao capital deepening.

O outro elo do argumento exposto acima, de que o aumento do preço relativo do investimento (p) é um entrave ao crescimento, é indubitavelmente uma questão enigmática da economia brasileira. Entretanto, o enigma acerca dessa questão é muito maior. Vários autores já se debruçaram sobre ela, sem que obtivéssemos até hoje alguma explicação confortável. E pior, não há consenso sequer sobre se o preço relativo do investimento está subindo de fato e sobre o seu poder de afetar o investimento.

Frischtak & Cavalcanti (2005) mostra que o preço dos bens de capital em relação aos preços industriais médios apresenta uma tendência de queda, que se reforçou a partir da década de 1990. Por outro lado, Souza (2004) mostra que o preço relativo do investimento, medido pelos deflatores das CN, está subindo devido ao aumento do preço dos bens da construção civil, uma vez que o preço de máquinas e equipamentos vem caindo, ainda que em ritmo menor do que no resto do mundo.

Quanto ao efeito do preço relativo do investimento sobre o mesmo, também não há consenso. A literatura empírica, aplicada ao caso brasileiro, oferece resultados

que substanciam os dois argumentos extremos. Frischtak & Cavalcanti (2003) traz resultados, onde o preço real de máquinas e equipamentos: domésticos e importados explicam, junto com outros fatores, a taxa de investimento em máquinas e equipamentos, tanto domésticos quanto importados. Lélis (2005), ao contrário, não aceita, aos níveis de significância usuais, a hipótese nula de que os coeficientes das variáveis de preço do investimento sejam diferentes de zero, num modelo onde a variável dependente é a Formação Bruta de Capital Fixo em máquinas e equipamentos.

Tampouco, é correto atribuir ao II PND e sua estratégia de aprofundar a industrialização brasileira, o golpe final que teria travado o crescimento brasileiro. A Tabela 14, mostra a variação da relação capital/ produto e do preço relativo do investimento para a Coréia, obtido na PWT e em Pessôa et ali (2003). A periodização é feita de acordo com os planos qüinqüenais de desenvolvimento coreano.

Tabela 14 – Relação K/Y sobe mais fortemente na época do 4º Plano (1977-81)

Relação K/Y Preço Relat do Investimento 1962-66 1º Plano -9,82% -13,09% 1967-71 2º Plano 9,40% 7,66% 1972-76 3º Plano 6,02% -8,03% 1977-81 4º Plano 38,15% 2,46% 1982-86 5º Plano 2,80% 9,47% 1953-00 157,98% -12,99% Fonte: (Heston et Ali, 2002), (Pessôa et Ali, 2003)

Taxa de Crescimento Acumulada no Período

Fica claro que a relação capital/ produto subiu ao longo do processo de industrialização coreano e que o preço relativo do investimento não subiu concomitantemente, de fato, ele até caiu no mesmo período. Isso levanta dúvidas à explicação, sem descartá-la totalmente, que postula uma relação entre o aumento em K/Y (ou queda em v) e o aumento do preço relativo do investimento no Brasil.

Mais intrigante ainda é verificar que o maior aumento da relação capital/ produto ocorreu justamente durante o quarto plano que foi empreendido quase que

simultaneamente ao II PND e cuja prioridade, entre outras, foi a promoção da indústria química e pesada, como mostram a Figura 18 e as passagens abaixo, extraídas da íntegra do plano coreano.

“Enquanto que o crescimento passado da Coréia foi liderado por uma rápida expansão das exportações intensivas em trabalho, no futuro, a ênfase deve ser direcionada às indústrias intensivas em trabalho qualificado, para manter o crescimento contínuo… Como resultado dessa mudança de foco, a proporção das indústrias química e pesada na manufatura total irá aumentar de 42% para 50%.” [Korea, 1976, p. 11].

“Ênfase será colocada nas indústrias intensivas em trabalho qualificado como máquinas, eletrônicos e construção naval durante o período do plano. Indústrias capital intensivas como ferro e aço, metais não-ferrosos e petroquímicas serão estabelecidas em escala grande suficiente para garantir competitividade internacional.” [Korea, 1976, p. 42].

Brasil Setores Coréia X Bens de Capital X X Cimento X Construção Naval X X Defensivos agrícolas X Eletrônica de Base X X Fertilizantes X X Mat. Prima p/ Fármacos

X Metais Não-ferrosos X X Novas Fontes de Energia X X Petroquímica X X Papel e Celulose X

X Siderurgia X

Têxtil X

Vidros Planos X Fonte: II PND, 3º e 4ºPlano. Elaboração do autor

Figura 18 – Brasil e Coréia priorizaram o desenvolvimento das mesmas indústrias no período do II PND

O endividamento externo também não é o fator que diferencia a industrialização brasileira e coreana do período e que, portanto, seria um candidato

para explicar o porque do aumento do preço do investimento no Brasil. O volume de empréstimos externos coreanos saltou de US$ 2 bilhões em 1970 para US$ 20 Bilhões em 1979 (Chun, 2002). Para o mesmo período, a dívida externa bruta brasileira se elevou de US$ 5,3 Bilhões para US$ 49,9 Bilhões. Como mostram os dados, Brasil e Coréia se endividaram no exterior para avançar na industrialização nesse período.

Há ainda muitas nuances entre a experiência coreana e brasileira, que não são exploradas aqui. Acredita-se que os pontos descritos acima tenham ajudado a ilustrar que a experiência histórica brasileira é muito singular e complexa e que a explicação tentativa fornecida pelos autores não dá conta de explicar por completo todos os fatos macroeconômicos do período.

Por último, o artigo ainda traz as estimativas para o crescimento potencial do PIB brasileiro num futuro próximo. De acordo com o modelo AK, a taxa de crescimento potencial do estoque de capital é 2,1%. Já o modelo de Solow fornece uma taxa de crescimento do PIB no estado estacionário de 4,3%. Como o estoque de capital cresce a uma taxa menor do que a dada pelo modelo de Solow, no curto prazo a taxa de crescimento potencial será uma média dessas duas que pode ser calculada a partir da Equação (48), o que fornece uma taxa de crescimento potencial de 3,2%.

A Tabela 15 traz uma comparação resumida das principais características dos exercícios de contabilidade do crescimento e produto potencial feitos nessa seção e nas duas anteriores

Silva Filho (2001) Seção 3.1

Pessôa et ali (2004) Seção 3.2

Bacha & Bonelli (2004) Seção 3.3 Método F.P. Cobb-Douglas Yt = At. Kαt-1. L 1-α t F.P. Cobb-Douglas, PTF é Harrod neutra Y = AK e modelo Solow-Swan Período 1980-2003 1950-2000 1940-2002

Dados SCN, PNAD e FGV PWT e IBGE para PEA

empregada SCN e FGV Correção para Utilização Em ambos os fatores (K e L) Somente em L Em L e K com ajuste parcial pelo NUCI/FGV Participação do K na renda 0,49 0,60 0,50 Estoque de K e K inicial Método do Inventário Perpétuo (PIM)

PIM e Morandi & Reis (2004)

Média geométrica de Morandi & Reis (2004) Taxa de

depreciação 5% 3,50% variável entre 3,5% e 4%