• Nenhum resultado encontrado

5. Um Modelo Evolucionário de Desenvolvimento

5.3. Resultados e Conclusões Preliminares

Essa última seção do Capítulo 5, apresenta os dados que foram necessários imputar para se simular o modelo apresentado na seção anterior, bem como seus primeiros resultados e conclusões.

Em primeiro lugar, foi necessário determinar os valores iniciais para o estoque de capital e de trabalho. O mais importante aqui, não é reproduzir fielmente o montante em valores correntes do estoque de fatores de produção para a economia brasileira, mas sim a dinâmica do desenvolvimento da mesma. Assim, a distribuição inicial dos fatores entre os dois setores é que se torna a variável a ser ajustada para se iniciar a simulação.

As estatísticas históricas de produção industrial compiladas pelo IBGE57, permitem que se construa uma série da proporção dos trabalhadores (totais ou operários), no setor moderno da economia em relação ao número total de trabalhadores, desde 1952 até 1995, com algumas interrupções ao longo desse período.58 Para os anos cuja informação inexiste, fez-se uma interpolação linear simples para se preencher a série. Em ambas as séries, trabalhadores totais ou operários, a participação dos trabalhadores do setor moderno no ano inicial situa-se entre 31% e 32% do número de trabalhadores totais. Portanto, adotou-se para o período inicial uma proporção dos trabalhadores no setor moderno em relação ao total de 0,31.

Já para a mesma relação, referente ao estoque de capital, não há nenhuma fonte primária de informação, que possa ser utilizada como guia. Sabe-se, entretanto, que devido a maior relação capital/ trabalho do setor moderno, a proporção de capital no mesmo, em relação ao total, deve ser maior do que a mesma razão para o fator trabalho. Tendo isso em mente escolheu-se, portanto, uma relação inicial de 0,4.

Os coeficientes da FP, tanto do setor moderno como do setor artesanal, foram ajustados de maneira a se adequar às hipóteses explicitadas em (68), às condições iniciais da distribuição dos fatores entre os dois setores e de forma a se obter o maior diferencial de produtividade entre os setores moderno e artesanal.

57 Série: Produção Industrial – Resultados da Apuração do Registro Industrial. Fonte primária:

Departamentos Estaduais de Estatísticas e Secretaria-Geral do Conselho Nacional de Estatística. Tabela extraída dos Anuários Estatísticos do Brasil e disponível no capítulo sobre trabalho nas Estatísticas do Século XX (IBGE, 2003).

58 A divisão dos setores da indústria de transformação entre moderno e artesanal tem, sem dúvida, um

grau de arbitrariedade, pois deriva do julgamento do autor, baseado na história da industrialização brasileira e mundial, do que seriam indústrias modernas e artesanais. Nesse caso consideraram-se as seguintes indústrias como artesanais: Madeira, Mobiliário, Borracha, Couros, Peles e Similares, Têxtil, Vestuário, Calçados e Artefatos de Couro, Produtos Alimentares, Bebidas, Fumo, Editorial e Gráfica, Indústrias Diversas. Foram consideradas como sendo do setor moderno da economia, as seguintes indústrias: Transformação de Minerais Não-metálicos, Mecânica, Metalúrgica, Material Elétrico e de Comunicações, Material de Transporte, Papel e Papelão, Química, Produtos Farmacêuticos e Medicinais, Produtos de Perfumaria, Sabões e Velas, Produtos de Matérias Plásticas.

A dinâmica do fator capital está bem descrita nas equações do modelo, porém, diversas especificações para a evolução do fator trabalho são compatíveis com o modelo descrito na seção anterior. Como o trabalho é um fator de produção abundante no Brasil, em especial para o período analisado, assumiu-se que o fator trabalho não é um limitante para o desenvolvimento. Assim, seu ritmo de crescimento é totalmente endógeno, sendo dado pelo crescimento do estoque de capital. Ou seja, o estoque de trabalho cresce ao longo do tempo de maneira a manter constantes as relações descritas em (68).

O prêmio pela qualificação do trabalhador (g) também foi obtido a partir das estatísticas históricas compiladas pelo IBGE. A pesquisa sobre a produção industrial traz o montante de salários e vencimentos pagos para os ramos da indústria de transformação, a partir do qual é possível calcular um salário anual médio pago em cada um. Essas médias, então, podem ser agregadas, de acordo com a taxonomia: moderno ou artesanal, para se obter o fator multiplicativo, que diferencia os salários entre os dois setores. A evolução desse prêmio pela qualificação está na Figura 24.

1,0 1,1 1,2 1,3 1,4 1,5 1,6 1,7 1,8 1952 1954 1956 1958 1960 1962 1964 1966 1968 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994

Prêmio pela Qualificação - (g)

Esse prêmio oscila entre 15% até 75% do salário pago no setor artesanal, apresentando uma inequívoca tendência crescente ao longo de todo o período. Esse crescente prêmio pela qualificação, pode ser, por um lado, um incentivo, num referencial neoclássico, para que os trabalhadores invistam em mais anos de estudo, porém, como mostra a Equação (76), diminui também a velocidade do processo de

migração do capital do setor artesanal para o setor moderno, podendo até estancá-lo. Também é necessário assumir um valor para o parâmetro (e), que representa a efetividade do empresário em responder as oportunidades de lucro que surgem no setor moderno. Em todas as simulações feitas, assumiu-se o valor unitário para o parâmetro. Esse é um valor neutro, no sentido que ele não diminui nem reforça os incentivos para a migração do capital, fornecidos pelo diferencial de lucratividade entre os setores.

Por último, é necessário imputar valores para o preço do produto (p) e para o salário (w). Quanto a isso, duas especificações distintas foram simuladas. Na primeira, mais simples, w e p foram supostos constantes ao longo de todo o período. Já na segunda situação, p é fixo, porém, w varia de acordo com o preço relativo dos bens industriais em função dos bens de consumo, representados respectivamente pelo IPC (Índice de Preços ao Consumidor) e pelo IPA (Índice de Preços no Atacado), ambos da FGV.59 A intenção é que o preço relativo entre p e w na simulação se aproxime do preço relativo entre produtos e salários na economia brasileira.

Na Figura 25, que mostra a participação dos trabalhadores no setor moderno no total de trabalhadores, três simulações com especificações e valores diferentes para w foram feitas. Na primeira e na terceira rodada, w foi mantido constante, enquanto que na segunda ele variou ao longo do período, de acordo com a regra estabelecida

59 Devido ao período de tempo coberto pela amostra, o IPC utilizado abrange somente a cidade do Rio

acima. Ademais, na primeira e na segunda rodada, o valor do salário imputado foi compatível com o ponto de break-even do setor artesanal no período inicial.60 Por outro lado, na terceira rodada o salário estabelecido foi um pouco menor, de maneira que no período inicial, a tecnologia artesanal ainda gerava um lucro para os seus produtores, porém, menor do que no setor moderno da economia.

Nas 3 rodadas, dadas as especificações do modelo e os valores imputados, o lucro no setor moderno (πm) é negativo em alguns períodos, o mesmo acontecendo

com o lucro no setor artesanal (πc) na segunda e terceira rodada. Como essa queda na

lucratividade é causada pelo aumento no prêmio pela qualificação (g), em alguns períodos a atividade no setor artesanal torna-se mais lucrativa do que no setor moderno. 30 35 40 45 50 55 60 1952 1954 1956 1958 1960 1962 1964 1966 1968 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994

Efetivo 1a. Rodada 2a. Rodada 3a. Rodada

Figura 25 – Participação dos trabalhadores do setor moderno no total: efetivo x simulações

Analisando a figura acima, vê-se que em geral, os modelos conseguiram reproduzir de maneira razoavelmente satisfatória a trajetória efetiva da variável. Em particular, a terceira rodada da simulação segue mais próxima da trajetória efetiva até

1970, ocorrendo o inverso com a primeira e a segunda, que se aproximam melhor da trajetória efetiva, a partir de meados da década de 1970.

Tal fato pode ser um indício de alguma mudança num parâmetro estrutural do modelo tal como a efetividade do empresário ou a própria tecnologia, aumentando o diferencial de produtividade, o que por sua vez teria determinado esse rápido avanço do processo de desenvolvimento.

Olhando somente para as curvas geradas nas duas primeiras rodadas da simulação, percebe-se que o efeito prático de se introduzir uma variação nos salários ao longo do tempo é gerar uma maior flutuação da trajetória. Essa, entretanto, ainda é menor do que a verificada na série efetiva, sugerindo que outros fatores além do preço relativo entre salários e produtos estejam por trás das oscilações.

Por último, é nítido na Figura 25, que a partir de meados da década de 1980, o impulso do processo de desenvolvimento perdeu força, quando se tinha um pouco mais do que a metade da força de trabalho empregada no setor moderno da indústria de transformação. Os fatores, que dentro do modelo, podem explicar tal comportamento são uma queda na efetividade do empresário (e), no salário (w) ou uma alta no prêmio pela qualificação (g) . Contudo, o que mais chama atenção é, sem dúvida, o aumento do prêmio pela qualificação do trabalhador, que diminui a vantagem comparativa do setor moderno, podendo até invertê-la, tornando o setor artesanal mais lucrativo do que o moderno. Além disso, não se pode esquecer que o período de estagnação do processo de desenvolvimento, coincide também com um momento de aceleração inflacionária, que desorganiza o sistema de preços, podendo alterar preços relativos e também dificultar a prospecção de oportunidades lucrativas por parte dos empresários.

As duas próximas figuras mostram como esse processo de desenvolvimento se reflete na produtividade da economia, através da evolução da relação capital por trabalhador e produto por trabalhador.

1,84 1,87 1,90 1,93 1,96 1,99 2,02 2,05 2,08 1952 1954 1956 1958 1960 1962 1964 1966 1968 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994

1a. Rodada 2a. Rodada 3a. Rodada

Figura 26 – Evolução da relação produto por trabalhador (Q/L)

A relação produto por trabalhador dessa economia, como mostrada na Figura 26, é como explicitado na Equação (72), uma média ponderada da relação produto por trabalhador nos dois setores da economia. A relação total para a economia cresce enquanto a participação do setor moderno aumenta, uma vez que esse possui uma maior relação produto por trabalhador, o que está refletido nos anos desde o período inicial até meados da década de 1970. Em seguida, como reflexo do estancamento do processo de migração do capital, a produtividade da economia também regride a partir de meados da década de 1980. Raciocínio similar também pode ser aplicada a relação capital por trabalhador, que está representada na Figura 27.

0,74 0,75 0,76 0,77 0,78 0,79 0,80 0,81 0,82 0,83 1952 1954 1956 1958 1960 1962 1964 1966 1968 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994

1a. Rodada 2a. Rodada 3a. Rodada

Figura 27 – Evolução da relação capital por trabalhador (K/L)

As figuras acima trazem 2 pontos, em conexão com aqueles já levantados pela figura anterior, que merecem ser destacados. Em primeiro lugar, a trajetória descrita na segunda simulação se mostrou mais volátil do que a primeira, igualmente ao verificado na proporção (Lm/L), resultante da variação de w ao longo do tempo.

Novamente, a primeira e a segunda rodada mostram um maior crescimento da produtividade no período, em comparação com a terceira rodada, fruto do maior diferencial de lucratividade entre os setores.

Por último, esse modelo, assim como os apresentados anteriormente, não está livre de críticas ou limitações teóricas ou na sua implementação, que precisam ser resolvidas. No campo teórico, ele está claramente restrito a uma dinâmica de desenvolvimento industrial, quando atualmente em grande parte dos países, mesmo nos subdesenvolvidos, o setor de serviços responde por uma maior parcela do PIB. Quanto à sua aplicação empírica, a maior barreira com certeza é definir o que seria a tecnologia moderna e o que seria a tecnologia artesanal. Correspondências ao nível setorial como feito nesse exercício é, sem dúvida, apenas uma primeira aproximação.

Pois, um mesmo setor pode comportar firmas produzindo sob diferentes tecnologias com diferentes produtividades.