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Com o presente estudo, observou-se que, de um lado, o ordenamento jurídico brasileiro concebe as uniões de pessoas, bens e esforços – as sociedades – como enquadradas em dois possíveis gêneros: as sociedades empresárias e as sociedades não empresárias, simples. Para enquadrar uma dada sociedade em um dos dois grupos, a própria norma traz os elementos que, uma vez aferidos na prática, caracterizam a sociedade como empresária, de igual forma que, em estando ausente alguns dos requisitos que caracterizam a empresarialidade da sociedade, está será, portanto, tida como sociedade simples.

Geralmente, é o elemento da organização que termina por sedimentar a distinção entre as sociedades simples e empresárias, uma vez que na maioria das vezes há atividade econômica profissional voltada para o mercado, há comunhão de alguns bens e finalidade de lucro em ambas as sociedades. Em havendo sociedade que apresente pessoas incumbidas tão somente de alocar fatores, estar-se-á diante de uma sociedade empresária, contudo, se a atividade é feita de forma pessoal e sem maior estrutura a ser organizada, está-se diante de uma sociedade simples, cujo dinamismo e a capacidade de capitalização é deveras reduzida em comparação com o primeiro gênero societário mencionado.

Para além destes gêneros – simples e limitada -, traz o direito civil brasileiro a obrigatoriedade das sociedades, independentemente do gênero, constituir-se em uma espécie societária. Tais espécies são, em seu cerne, regras de administração da sociedade, quando então fica assente em ato constitutivo público as normas que aquela união escolheu adotar para regular suas relações patrimoniais internas e com terceiros.

Neste ponto, insta reiterar a vedação à atipicidade societária, razão pela qual toda e qualquer sociedade, independentemente de gênero, deve optar uma das sete possíveis espécies previstas pela norma. E em que pese algumas proibições excepcionais, em regra toda e qualquer sociedade – simples ou empresária – pode escolher qualquer uma das possíveis espécies para se constituir, não havendo nenhuma regra no ordenamento que impeça a constituição de uma sociedade simples na espécie limitada.

Paralelo a tais institutos cíveis, o ordenamento jurídico tributário prevê a possibilidade da sociedade de prestadores de alguns serviços pessoais gozar de uma tributação mais benéfica do ISS. Em que pese a competência municipal para a instituição e administração do referido tributo, determina lei nacional que, no caso de algumas sociedades profissionais cujos prestadores de serviços sejam por estes pessoalmente responsáveis, o referido tributo não incidirá sobre o preço do serviço conforme a regra de incidência, mas sim sobre base de cálculo que terá como referência o número de prestadores de serviço que atuam em nome da sociedade.

Interpretando o benefício tributário previsto às sociedades profissionais, diversas foram as construções doutrinárias e jurisprudenciais sobre o instituto, em especial nos tribunais superiores, quando algumas vezes foram criados requisitos para sua incidência, para além do que trazia o texto legal. Como exemplo, observa- se que é assente na doutrina e na jurisprudência a não incidência do benefício sobre as sociedades empresárias, uma vez que exegese teleológica conduz à interpretação de que só é possível sua aplicação às sociedades simples.

Contudo, após enorme controvérsia no STJ ao longo dos anos, lá se firmou o entendimento de que a constituição de uma sociedade simples na espécie limitada teria o condão de afastar a responsabilidade pessoal do prestador junto a seu serviço. Entendeu a Corte que, uma vez que a responsabilidade do sócio junto ao capital social limitou-se, estaria limitada também sua responsabilidade pessoal pelo serviço prestado, este último que é taxativo requisito trazido pelo texto que institui o benefício fiscal. Entendeu ainda a Corte que, tal limitação da responsabilidade patrimonial, por si só, conduziria à empresarialidade a natureza da atividade exercida pela sociedade, descaracterizando-a como destinatária do benefício.

Neste contexto, entendendo hipoteticamente haver uma confusão entre os conceitos de responsabilidade patrimonial e responsabilidade pela prestação do serviço, bem como entendendo ainda em sede hipotética ser abusivo o pressuposto da empresarialidade - mediante a inobservância dos requisitos trazidos pela norma para sua caraterização - fora proposto o presente estudo com o seguinte problema de pesquisa: é possível a incidência do benefício tributário que prevê base de cálculo de ISS favorecida às sociedades simples constituídas sob a espécie limitada? Ocasião em que foram empreendidos estudos no sentido de responder a esta indagação.

Neste intuito, fora desenvolvido estudo em matéria civil que trouxe as nuances que envolvem a matéria, e após digressão histórica para a compreensão da natureza do instituto societário foi apresentado o conceito de sociedade e os dois gêneros em que o direito brasileiro concebe sua existência. Em seguida, empreendeu-se estudo acerca das espécies societárias, culminando na inconteste possibilidade da sociedade simples constituir-se sob a espécie limitada sem prejuízo de descaracterizar-se a forma com que sua atividade é desenvolvida.

Adentrando especificamente em matéria tributária, o trabalho apresentou estudo sobre a espécie tributária em comento: o municipal Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza. Em análise cronológica, discorreu-se sobre a concepção e evolução do tipo tributário, quando então se deixou assente que, mesmo hodiernamente sendo o imposto regulado por um diploma legal específico, referencial, um decreto-lei anterior ostenta ainda vigente alguns institutos, dentre estes o que prevê o benefício tributário a algumas sociedades profissionais.

Neste ponto, estudou-se especificamente o instituto do benefício tributário alvo da discussão, destacando-se todas as características necessárias à compreensão de sua incidência e alcance, inclusive contemplando o que se lhes determinou os tribunais superiores. Neste contexto, fora feito o confronto entre os institutos cíveis e tributários, bem como procedida analise das interpretações doutrinárias e jurisprudenciais sobre o benefício e seu destinatário, concluindo pelo equívoco do entendimento vigente no âmbito do STJ e pela plena possibilidade de aplicação do benefício tributário da base de cálculo diferenciada às sociedades simples, ainda que quando constituídas sob a espécie limitada.

Observou-se que, ao contrário do quanto decidido pelo STJ, não se pode confundir a responsabilidade patrimonial do sócio junto à firma com a responsabilidade legal do prestador junto a seu serviço. Que quando o legislador impõe como requisito ao usufruto do benefício a responsabilidade pessoal do serviço nos termos da lei, estava este referindo-se à responsabilidade legalmente estipulada para a atividade do prestador de serviço, e não qualquer outra forma de responsabilidade.

Ademais, é equivocado o entendimento quando, ao arrepio da lei, presume que todas as sociedades que venham a se constituir sob a forma limitada são, consequentemente, empresariais. Como visto, o ordenamento cível traz claramente os elementos para a caracterização da empresarialidade, de forma que a noção de

empresa, portanto, só pode ser atestada após aferição empírica da realidade em que a atividade econômica é exercida, e não por qualquer outro meio, sob pena de grave ofensa a texto de lei.

Concluiu o presente estudo que a incidência do benefício tributário às sociedades simples limitadas não pode ser distinguido de sua aplicação às outras formas de constituição das sociedades simples, quando análise da própria teleologia do instituto sugere sua aplicação incontinenti à referida espécie societária sem distorções ao sistema tributário. Concluiu-se que a vedação da incidência do benefício às sociedades simples limitadas viola os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia material, sendo, portanto, até inconstitucional.

Ademais, concluiu o presente estudo que a responsabilidade pessoal do serviço nos termos da lei, sobre a qual se refere o texto que institui o benefício, é a responsabilidade regulamentada em lei sobre a atividade profissional – como o estatuto da OAB para os advogados e etc. – e não a responsabilidade do sócio junto à sociedade, especialmente porque o próprio benefício admite que nem todos os prestadores de serviço que atuem em nome da sociedade sejam dela sócios, e isso sem descaracterizar sua qualidade de beneficiária da diferenciação tributaria.

Por fim, concluiu ainda o trabalho que é equivocada a presunção de empresarialidade procedida pelo STJ, tão somente à partir da análise da forma de sua constituição junto ao órgão de registro competente. Desta forma, está a Corte Uniformizadora, data vênia, excedendo tanto o texto legal que concede o benefício tributário quanto o texto que institui e regulamenta a atividade empresarial, enquadrando como empresária uma sociedade que não reúne todos os elementos legais para sê-la.

Desta forma, em resposta ao problema de pesquisa proposto, entende-se após o estudo cá empreendido que é plenamente possível ás sociedades simples limitadas a incidência do benefício tributário pela consideração de base de cálculo distinta, que venha a minorar o tributo a pagar. Assim, conclui o presente estudo que é tecnicamente – e até politica e economicamente – equivocado o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, firmado em sua Primeira Seção, pela vedação à incidência do benefício tributário previsto no § 3º do art. 9º do DL 406/68 às sociedades não empresárias - simples – construídas sob a forma limitada.

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