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2 SOCIEDADES

2.3 SOCIEDADE SIMPLES

2.3.1 Sociedade Simples Limitada

A sociedade simples limitada é, no fundo, uma sociedade do tipo limitada. É esta regida juridicamente com relação à constituição, gestão, dissolução e, principalmente, com relação aos direitos e obrigações dos sócios como uma sociedade limitada, só que, com relação à atividade, esta não é detentora de caráter empresarial, embora sob a égide regulatória da limitação da responsabilidade dos sócios com relação ao capital social.

Conforme aduz Fábio Coelho:

Uma sociedade limitada, em decorrência, poderá ser empresária ou simples: se for exercente de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços, será empresária; caso contrário, se dedicando a atividade econômica civil (sociedade de profissionais intelectuais ou dedicada à atividade rural sem registro na Junta Comercial), será simples.48

Sem desprezar a menção ao art. 983 do Código Civil, este que prevê a possibilidade de constituição de uma sociedade do gênero simples em concomitância com a espécie limitada, leciona Bruno Silva que:

De acordo com o art. 983 do novo Código Civil, a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um dos tipos de sociedade empresária e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias. Mas a opção pelo tipo empresarial não afasta a natureza simples da sociedade. Ou seja, a sociedade simples pode não ser regida pelas normas que lhe são próprias. Pode parecer estranho, mas é o que dispõe o art. 983 do novo Código Civil, que faculta às sociedades simples (exceto a cooperativa) constituir-se como uma sociedade empresária, hipótese em que ela será regida pelas regras do tipo societário escolhido. Nessa hipótese, o órgão competente será o registro civil das pessoas jurídicas, que deverá obedecer às regras do Registro Público de Empresas Mercantis, a teor do art. 1.150 do novo Código Civil Devemos entender que o art. 983 não tem o condão de transformar a sociedade simples em sociedade empresária, ou seja, as regras que serão aplicadas à sociedade simples que adotou a forma de sociedade empresária são apenas as regras de caráter societário, não importando aquisição de regime jurídico empresarial. Em outras palavras, a sociedade simples, ainda que na forma de sociedade empresária, não será uma sociedade empresária: não se sujeitará à falência, não terá registro na Junta Comercial etc. [...] Muito ao revés, o novo Código Civil dispõe no art. 983 que é possível à sociedade simples se constituir sob a forma de qualquer sociedade empresária: após apontar os dispositivos legais que abrangem todas as sociedades empresárias (incluindo, portanto,

a sociedade anônima e a comandita por ações), afirma que a sociedade simples poderá se constituir por um desses tipos [...].49

Neste sentido, resume-se o presente tópico ao estudo do regramento societário da espécie limitada, ou seja, às normas que regulam a responsabilidade dos sócios com relação ao capital social da sociedade limitada, sem nenhuma relação com a atividade exercida pela sociedade nem tampouco com seu caráter empresarial ou não. Como principais características das sociedades limitadas, tem- se a contratualidade e a limitação da responsabilidade patrimonial do sócio junto ao capital da sociedade, conforme suas cotas.

Assim, uma vez integralizado todo o capital da sociedade, os credores sociais não poderão executar seus créditos no patrimônio particular dos sócios, o que a coloca como o tipo societário mais comum no Brasil, especialmente entre as sociedades empresárias. Desta forma, os sócios só poderão ser responsabilizados pelas obrigações da sociedade até o limite de seu respectivo capital subscrito não integralizado, sendo solidária a responsabilidade de um sócio com relação ao capital não integralizado pelo outro. Como exemplifica Fábio Coelho:

O limite da responsabilidade dos sócios, na sociedade limitada, é o total do capital social subscrito e não integralizado. Capital subscrito é o montante de recursos que os sócios se comprometem a entregar para a formação da sociedade; integralizado é a parte do capital social que eles efetivamente entregam. Assim, ao firmarem o contrato social, os sócios podem estipular que o capital social será de $ 100, dividido em 100 quotas no valor de $ 1 cada. Se Antônio subscreve 70 quotas e Benedito, 30, eles se comprometeram a entregar respectivamente $ 70 e $ 30 para a formação da sociedade. Podem fazê-lo à vista, no ato da constituição, hipótese em que o capital integralizado será igual ao subscrito desde o início da sociedade. Mas, podem fazê-lo a prazo. Imagine que Antônio integraliza $ 50 e, assume o compromisso de integralizar o restante de suas quotas em 2 anos, enquanto Benedito integraliza os $ 30 correspondentes às suas quotas no ato da constituição da limitada. No primeiro caso, o limite da responsabilidade dos sócios é zero; quer dizer, os credores não podem cobrar dos sócios nenhuma obrigação social. No segundo, o limite é $ 20, já que o capital social subscrito é $ 100, e o integralizado, $ 80 ($ 50 por Antônio e $ 30 por Benedito). Os sócios, na limitada, têm responsabilidade solidária pela integralização do capital social. Em decorrência, no exemplo em foco, os credores poderão cobrar o que falta à integralização do capital social tanto de Antônio como de Benedito. Claro que sendo este último responsabilizado pelos $ 20 devidos por Antônio, terá ele direito de regresso contra o sócio titular das quotas não integralizadas. Em suma, se o contrato social estabelece que o capital está totalmente

integralizado, os sócios não têm nenhuma responsabilidade pelas obrigações sociais.50

Ocorrem, porém, casos em que a responsabilidade dos sócios é ilimitada mesmo no âmbito de uma sociedade limitada, contudo tais exceções, além de serem casos raros diante do universo de sociedades deste tipo, aplicam-se mais às sociedades empresárias, assim sendo discussão irrelevante no âmbito da presente proposta. No caso de uma sociedade da espécie simples, a sociedade responde ilimitadamente perante terceiros, não podendo, conforme Patrícia Mendes, “invocar a limitação da responsabilidade para justificar o seu inadimplemento”. Porém, “a responsabilidade dos sócios irá depender do tipo societário adotado, pode ser limitada ou ilimitada51”, dependendo do quanto declarado no contrato social que funda a instituição.

Desta forma, em uma sociedade simples de espécie limitada, gozam os sócios da limitação da responsabilidade ao capital social subscrito, direito este que a os sócios de uma sociedade de gênero simples não teria se constituísse a sociedade simples na espécie simples. Neste ponto, acrescenta Mônica Gusmão que “dificilmente encontraremos uma sociedade simples em que os sócios assumam responsabilidade ilimitada, arriscando o seu patrimônio pessoal em caso de inadimplemento das obrigações sociais52”, ilustrando que é recorrente na economia brasileira, em que pese sua diminuta dimensão patrimonial e econômica, a ocorrência de sociedades simples de espécie limitada.

Além da limitação, outra característica tida como vantagem deste instituto é a maior margem de negociação de que os sócios dispõem no âmbito do processo decisório, vez que fundamentada em suas vontades contratuais53 e não em rígidas

previsões legais. As sociedades limitadas são regidas pelos artigos 1.052 a 1.087 do novo Código Civil, que dispõem, em síntese, sobre a disposição de suas quotas, sua administração, seu conselho fiscal, a deliberação dos sócios, o aumento ou redução do capital social, sobre a resolução da sociedade com relação ao sócio minoritário e sobre sua dissolução.

50 COELHO, Fábio Ulhôa. Manual..., p. 155 e 156.

51 MENDES, Patrícia Freiras. Breves Considerações acerca da Sociedade Simples. Âmbito

Jurídico.com.br. Disponível em: http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6444#_edn4.

52 GUSMÃO, Mônica. Lições de Direito Empresarial. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.

136.

Quanto à deliberação, esta na prática ocorre na rotina diária da atividade social, exceto para algumas matérias em que a lei exige o cumprimento de certas formalidades, especialmente quando as deliberações afetam incisivamente a natureza da sociedade e direitos dos sócios e de terceiros. São, portanto, matérias em que o ordenamento prevê maiores contornos formais para que seja válida uma dada deliberação: designações e destituições de administradores; remuneração dos administradores; votação das contas anuais dos administradores; modificação do contrato social; operações societárias, dissolução e liquidação; e expulsão de sócio minoritário. Pretendendo tratar destas matérias, devem os sócios reunirem-se em assembleia para assim cumprir as exigências legais e validar a decisão que tomarem54.

A assembleia, por sua vez, é instituto jurídico revestido de várias formalidades legalmente previstas, em especial com relação à publicidade do ato e de seu quórum. Todavia, para as sociedades limitadas com número de sócios inferior a dez, é facultado ao contrato social prever, em substituição à figura da assembleia, o instituto da reunião de sócios como meio de legitimação das deliberações sociais. Conforme leciona Fábio Coelho:

Se a sociedade tem no máximo dez sócios, o contrato social pode prever que as deliberações sobre as matérias indicadas serão adotadas em reunião de sócios, e não em assembleia. A diferença entre as duas modalidades de encontro não está só na designação. O contrato social é livre para dispor sobre a periodicidade, convocação, realização e registro da reunião dos sócios. Como diz a lei que as normas sobre a assembleia só se aplicam às reuniões, nas omissões do contrato social, entende-se que este pode disciplinar com ampla liberdade a instalação, funcionamento e assentamento da reunião. Pode prever, por exemplo, que a reunião dos sócios será convocada por telefone e instalada com qualquer número desde logo.55

Pode ainda, tanto a assembleia quanto a reunião, serem substituídas por documento que explane a decisão adotada, desde que firmada por todos os sócios, quando há consenso sobre a decisão. Regra geral, deliberam os sócios por maioria de votos, ressalvando-se que a maioria decisória não é de número de sócios mas sim de quotas sociais, sendo a quantidade de pessoas o primeiro critério considerado em caso de empate. Sem olvidar a previsão de diferentes quóruns para a deliberação de diferentes matérias. Conforme leciona Fábio Coelho:

54 COELHO, Fábio Ulhôa. Manual..., p. 158 e 159. 55 ibidem, p. 159 e 160.

Em certos casos, porém, a maioria do capital social presente ao encontro dos sócios não é suficiente para aprovar a matéria, devendo observar-se, então, o quorum deliberativo exigido por lei. São estes os casos: a) unanimidade, para designar administrador não-sócio, se o capital social não está totalmente integralizado (CC, art. 1.061); b) três quartos do capital social, para modificação do contrato social, salvo nas matérias sujeitas a quorum diferente (arts. 1.071, V, e 1.076, I); c) três quartos, para aprovar incorporação, fusão, dissolução da sociedade ou levantamento de liquidação (arts. 1.071, VI, e 1.076, I); d) dois terços, para designar administrador não-sócio, se o capital social está totalmente integralizado (art. 1.061); e) dois terços, para destituir administrador sócio nomeado no contrato social, se não previsto neste um quorum diverso, maior ou menor (art. 1.063, §1º); f) mais da metade do capital, para designar administrador em ato separado do contrato social (art. 1.076, II); g) mais da metade do capital, para destituir administrador sócio designado em ato separado do contrato social (art. 1.076, II); h) mais da metade do capital, para destituir administrador não sócio (art. 1.076, II); i) mais da metade do capital, para expulsar sócio minoritário se permitido no contrato social (art. 1.085); j) mais da metade dos presentes à assembleia ou reunião, para aprovação das contas dos administradores, nomeação e destituição dos liquidantes e julgamento de suas contas (arts. 1.071, I e VII, e 1.076, III).56

Ainda sobre a deliberação, contudo agora tratando especificamente deste procedimento no âmbito da sociedade simples limitada, a qual denomina sociedades limitadas com vínculo societário instável devido à possibilidade de saída injustificada de um dos sócios, leciona Fábio Coelho que:

Nas sociedades limitadas com vínculo societário instável, o desempate é feito, inicialmente, segundo o critério da quantidade de sócios (CC, art. 1.010, §2º). Apenas permanecendo o empate após a aplicação deste critério, caberá ao juiz desempatar a matéria. Nas sociedades limitadas com vínculo societário instável, a maioria dos sócios delibera sobre a destinação do resultado, podendo livremente decidir pelo reinvestimento da totalidade dos lucros gerados ou pela distribuição de todo o resultado. Isto porque, nas normas de regência da sociedade simples, não estabelece a lei nenhuma obrigatoriedade de distribuição mínima de parte dos lucros entre os sócios ou de apropriação de reservas. A sociedade limitada com vínculo instável, por se submeter ao art. 1.015, parágrafo único, III do CC (regra constante do Capítulo das sociedades simples), não se vincula aos atos praticados em seu nome pelo administrador quando se tratar de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. Trata- se de norma inspirada na vetusta teoria dos atos ultra vires.57

Já no tocante à administração, há a possibilidade da sociedade limitada ser administrada por mais de uma pessoa, contudo em geral esta é administrada por um

56 COELHO, Fábio Ulhôa. Manual..., p. 166. 57 idem.

de seus sócios, devidamente colocado no cargo observando-se o contrato social ou as formalidades legais de documentação e o quórum para a designação em ato separado. Há a possibilidade de a sociedade ser administrada por não sócios, contudo para tanto deverá haver expressa previsão no contrato social.

O termo do mandato do administrador pode ser indeterminado ou determinado, lastreado no contrato social ou no ato separado que fundamentou a condução ao cargo. E já quanto ao conselho fiscal, há na lei expressa previsão sobre sua criação, todavia tal órgão não se justifica em sociedades limitadas com poucos sócios, como na maioria das sociedades limitadas simples, cá se dispensando maiores digressões sobre o instituto para além da menção à sua possibilidade de existência.

Contudo, em eu pese sua regulação pelos artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil, importante frisar que tal regramento não é suficiente para discipliná-la, face ao grande número de questões jurídicas importantes que não puderam lá encontram suas respostas. Assim, na omissão do referido código, podem as sociedades limitadas disporem de dois regramentos supletivos, aqueles relativos às sociedades simples – art. 997 a 1.032 – que são, em regra, aplicáveis, e aqueles relativos às sociedades anônimas, caso os sócios assim dispunham em contrato social no caso destas últimas.

Assim, portanto, as sociedades simples - que assim não exploram atividade econômica de modo empresário - que são limitadas, para além de seu regramento legal específico enquanto limitadas, são supletivamente regidas pelas orientações aplicáveis às sociedades da espécie simples. Conforme Fábio Coelho:

Existem, assim, duas limitadas; ou melhor, dois subtipos de sociedades limitadas. Um, o das sociedades limitadas sujeitas ao regime de regência supletiva das sociedades simples (subtipo I); outro, o das sujeitas ao regime de regência supletiva das sociedades anônimas (subtipo II). Às sociedades do primeiro subtipo proponho chamar de limitadas de vínculo instável; às do segundo, limitadas de vínculo estável. Isto em razão da implicação que reputo mais relevante entre as diferenças existentes entre os dois subtipos: o direito de retirada imotivada nas sociedades sem prazo. A existência deste direito nas limitadas de subtipo I faz com que o sócio possa, a qualquer momento e independente de motivação, requerer a apuração dos seus haveres; isto torna o vínculo entre os sócios, neste subtipo societário, mais instável do que o do outro subtipo, em que a retirada imotivada não é cabível. As sociedades limitadas sujeitas à regência supletiva do Capítulo do CC sobre sociedades simples estabelecem entre os sócios um vínculo instável, que pode ser rompido com maior facilidade. Isto, em função das hipóteses em

que é cabível a dissolução parcial (ou, no dizer do CC, a resolução da sociedade em relação a um sócio) [...]. Nas sociedades do subtipo I, a dissolução parcial cabe em cinco casos: a) morte de sócio (CC, art. 1.028, caput); b) liquidação de quotas a pedido de credor sócio (CC, art. 1.026); c) retirada motivada (CC, arts. 1.077 e 1.029, parte final); d) retirada imotivada (CC, art. 1.029, primeira parte); e) expulsão de sócio (CC, art. 1.085).58

Ante todo o exposto, fica claro que, para além da possibilidade de existência de uma sociedade limitada não empresária, sua característica de limitação da responsabilidade do sócio com relação à sociedade em nada ameaça o cunho não empresarial da atividade social. Em outras palavras, o fato de uma dada sociedade simples constituir-se como limitada, por si só, não afasta o caráter não empresarial em que é exercida a sua atividade econômica.

Por fim, não é equivocado afirmar que, em sociedades em que o serviço é prestado pessoalmente pelo sócio, a constituição desta sociedade na espécie limitada tem sim o condão de limitar a responsabilidade deste com relação ao capital da sociedade, contudo em nada pode alterar esta responsabilidade pessoal do sócio junto ao serviço que presta. Via de regra, tal responsabilidade pessoal perante o serviço é lastreada em lei e regulamentada pelos conselhos de classe, sendo equivocado, portanto, quaisquer entendimentos que entendam pelo afastamento desta responsabilidade diante da responsabilidade limitada dos sócios junto à sociedade, sob pena de deturpação da vontade do legislador e, quiçá até, de usurpação de competência entre poderes no âmbito de um estado democrático de direito.

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