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CONCLUSÕES PARCIAIS: A CAMINHO DE UMA RENOVAÇÃO DA FILOSOFIA Para um pensar que se limita à lógica reflexiva ou da contradição, a compreensão do ser

III. A PROPOSTA ATUAL

3.4. CONCLUSÕES PARCIAIS: A CAMINHO DE UMA RENOVAÇÃO DA FILOSOFIA Para um pensar que se limita à lógica reflexiva ou da contradição, a compreensão do ser

ou a ontologia será sempre contraditória, antinômica, porque não se pode admitir o diverso, o não ser; porque não se pode admitir, ao mesmo tempo, que o conhecimento seja processual — e, assim, que ser e conhecer sejam distintos — e que ele seja um conhecimento do ser; porque, limitando-se à reflexão, só as ideias podem ser conhecidas, só das ideias pode se afirmar que são.

De fato, como o afirmara a tradição eleática, o não-ser não pode ser conhecido. Abstraída, porém, do seu contexto originário, essa afirmação ganha um significado completamente diverso em razão do modo como o conhecimento veio sendo interpretado pela tradição filosófica, ou seja, como processo, reflexão ou especulação. Com efeito, a meta da especulação não é justamente uma fiel reprodução ideal do ser? Ora, não há problema em estabelecer tal meta como algo realizável caso se pudesse demonstrar que as leis que valem para a reflexão de alguma forma reproduzissem as próprias leis do ser. Sob essa crença injustificável, repousará todo o abuso de competência ligado ao uso do pensar reflexivo e, ademais, à metafísica.

Todavia, para a tradição eleática o produto da especulação ou do conhecimento processual não é um verdadeiro saber, mas apenas um erro e uma mistura, um caminho a ser evitado. Nesse sentido, segunda ela, se conhecer equivale a um saber consumado e completo do ser, de modo que conhecimento e ser são idênticos, a especulação não é um verdadeiro conhecimento justamente porque na reflexão ser e conhecimento (reflexivo) não podem ser idênticos, porquanto o produto do conhecimento (reflexivo) não é o ser, mas sua representação. Em outras palavras, se pensar é apenas representar, ou o pensamento será sempre estranho ao ser ou a representação será o único ser. Em todo caso, não há como justificar adequadamente nem uma, nem outra interpretação antinômica.

A compreensão do conhecimento restrita à especulação e à lógica abstrata, que a caracteriza, nos levará a nos deparar sempre com esse dualismo insuperável entre ser e conhecer. Restringindo conhecer a representar, a menos que se possa provar de alguma forma que a representação é equivalente ao ser (ao que não é mera representação), não é só o contraditório do ser a não poder ser conhecido pela especulação, mas também o próprio ser (o que não é mera representação). Em síntese, se conhecer é representar, a consideração filosófica do conhecimento somente poderá conduzir a uma representação da representação.

Diversamente, a partir do ponto de vista da lógica da stérēsis ou da lógica da vida moral, a relação entre ser e conhecer pode ser reinterpretada e a filosofia, com sua típica racionalidade metafísica, renovada. Para uma lógica baseada na stérēsis continuará sendo válida a afirmação segundo a qual “o não-ser não pode ser conhecido”, mas em um sentido inteiramente novo. O não-ser não é conhecido porque só o ser é, porque conhecer não tem por meta a reprodução do ser, mas sua realização, e só o ser se realiza, ou melhor, só o que se realiza é.

Assim, do ponto de vista da filosofia da ação e da lógica da stérēsis, que a caracteriza, o extremo oposto do ser não é a antíphasis do ser, mas a stérēsis positiva. Do ponto de vista da ação, o ser verdadeiro é o ser moral: é a héxis, síntese de stérēsis (privação) e de kthésis (possessão), que admite em si contrários, mas não possui contrários. Consequentemente, como do ponto de vista da ação, não há ser sem mortificação, sem privação, o extremo oposto do ser também se realiza:

Somente a mortificação realiza a contraditória do não-ser e por um tipo de experiência metafísica produz nosso ser no ser; realizou a solução antagonista na privação, a qual não é a inexistência. Porque, diferentemente da lógica intelectual, que se limita em afirmar a igualdade abstrata no âmbito do possível e a incompatibilidade formal das soluções opostas, a lógica moral, justificando este exclusivismo do qual manifesta a utilidade, o supera, porque

no fundo de todas as soluções possíveis resta um mesmo sujeito de inerência em vista do qual elas são inegáveis e de sinal contrário. Assim, encontra-se verificada esta visão de Aristóteles: a substância, o ser verdadeiro, o ser moral admite contrários, mas não possui contrários. Neste sentido a realidade metafísica escapa às determinações lógicas do entendimento e é preciso restituir ao princípio real de contradição a fórmula original de Parmênides, embora interpretada de modo totalmente diferente: o não-ser não é, nem em si nem em nós; o ser moral não morre; e, sob o ponto de vista real, não é a antíphasis, mas a stérēsis positiva que é o extremo oposto do ser (Principe élémentaire, p. 384).

A questão importante não é mais a da identidade entre ser e conhecer, mas aquela que diz respeito à capacidade da reflexão em iluminar a prospecção e contribuir por meio da circunsessão aí criada para o progresso da vida humana, para a expansão da ação até suas extremas possibilidades. Nesse sentido, ainda que não acabado e definitivo, um conhecimento é legítimo quando, apesar de suas limitações e sem dispensar o esforço constante por superá- las, contribui para a realização do ser, para a realização da tarefa que lhe é própria. Ainda que nunca subjugado pelo pensar, o ser poderá sempre se abrir à experiência, de modo que o que nunca se poderá saber de forma consumada pode ser reintegrado à ação e nela, talvez, consumar-se.

Não significa isso, como procuraremos mostrar com mais clareza quando do estudo da Action (1893), a ser realizado a seguir, a relativização do conhecimento a uma questão de utilidade, mas a subordinação da lógica formal e da gramática a essa lógica mais primitiva, segundo a qual: “a antíphasis [o não-ser, a negação] não é senão um símbolo inadequado da stérēsis [da privação]” (Principe élémentaire, p. 386). E, diga-se claramente, essa subordinação não é uma imposição arbitrária, mas uma necessidade descoberta quando da investigação da própria genealogia do pensar filosófico, como já mostramos.

Tendo partido do estudo do verdadeiro sentido das oposições à metafísica e tendo compreendido o significado da reproposição blondeliana da filosofia, como uma tarefa a ser realizada, por meio de uma dialética que subordina a reflexão à lógica da vida, chegamos ao momento de procurar acertar concretamente em que sentido a filosofia poderia ser assim construída.

Revisitando as observações formuladas por Lorenz Puntel (2007) sobre as críticas à metafísica, lembremo-nos que se anunciavam dois sentidos de metafísica que permaneciam intocados pelas críticas históricas contra ela dirigidas. Nesses dois sentidos, novas formulações de doutrinas metafísicas permaneceriam ilesas porque feitas de modo a não coincidir com nenhuma das metafísicas historicamente já propostas.

A diferença das duas fórmulas de reproposição, porém, dizia respeito ao modo como a metafísica seria apresentada ou reconhecida: a priori ou a posteriori. A apresentação a priori partiria de uma definição própria e autônoma da expressão e do conceito “metafísica”, que estaria na origem de uma teorização posterior, como sua condição prévia. O segundo modo de apresentação corresponderia a um reconhecimento a posteriori que uma teoria, anteriormente explanada, articulava-se à grande intuição histórica sobre a “metafísica”, embora sem partir de uma noção já pré-definida do que seja metafísica.

Ainda, acenamos também para o fato de que uma crítica à metafísica em geral poderia ser justificada como um abandono do próprio modo do pensar ocidental, fundamentalmente caracterizado como reflexivo, em direção a um pensar livre da lógica da não contradição. Em outras palavras, se a lógica da não contradição, que comanda o modo de pensar reflexivo, é realmente a substância única da racionalidade metafísica, então um comprometimento dessa lógica poderia levar a um comprometimento de toda metafísica futura, inclusive dos dois sentidos, há pouco mencionados, desvinculados daquele das metafísicas historicamente determinadas.

Todavia, a esse ponto de nossa investigação estamos mais bem preparados para um reexame do estado dessa questão. Já temos suficiente clareza de que o pensar reflexivo, com sua lógica da antíphasis e da apóphasis, não é nem o único, nem o principal modo de pensar ligado à filosofia e à racionalidade metafísica, que lhe substancia, mas apenas um instrumento subordinado e a serviço de uma lógica mais geral, a lógica da vida moral. Dessa forma, podemos assumir que uma crítica geral à metafísica, incluindo toda metafísica futura, não pode ser justificada como crítica que se estende do pensar reflexivo à toda metafísica possível, porque há modos de compreender a metafísica que estão além de sua redução à reflexão.

Mas, isso não é tudo. Ademais, podemos assumir com certeza que qualquer metafísica futura, ainda que não vinculada a nenhuma metafísica historicamente determinada e indiferentemente do modo a priori ou a posteriori como seja proposta, será sujeita às críticas gerais à possibilidade da metafísica, desde que pretenda se fundar exclusivamente de modo teórico, ou seja, exclusivamente sobre a reflexão.

E, ainda mais radicalmente, se a filosofia é uma tarefa, a metafísica não poderá ser proposta, do modo como nos sugere Lorenz Puntel (2007), a não ser a posteriori. Com efeito, como tarefa, o ponto de partida da filosofia não está em uma noção ou ideia, mas na ação, na tentativa de reintegrar para o pensar o que já é integrado no agir. A filosofia parte da ação e se orienta para a ação. Consequentemente, como filosofia, o saber metafísico não poderia comportar em sua origem uma noção ou ideia prévia da própria “metafísica”, que servisse de

condição para uma teorização posterior, porque isso equivaleria a não falar mais do que é de modo originário, mas apenas a discutir sobre nossas representações.

Na próxima parte da atual pesquisa, a partir do estudo da obra central da filosofia da ação, Action (1893), procuraremos mostrar como o pensar blondeliano, superando uma produção da filosofia baseada sobre a relação sem suporte vital de conceitos e de termos abstratos e investindo em elucidações de prospecções, oferece uma compreensão da “metafísica” como um saber ou racionalidade legítimos, articulada com a grande intuição histórica da tradição metafísica, a saber, ligada à pretensão de um conhecimento universal e radical do real ou, nas palavras de Blondel, de um conhecimento que se dá a partir do ponto de vista da “verdade vivente” (Principe élémentaire, p. 379).

A presente investigação filosófica não se volta para a demonstração da possibilidade de refutar uma ou outra crítica direcionada a uma metafísica em particular. Diversamente, procuramos estudar as condições de possibilidade da metafísica, ou seja, as condições que viabilizam um programa de conhecimento ligado à grande intuição histórica da metafísica e, nesse sentido, nossa investigação se confronta com as críticas que condenam a própria possibilidade de uma racionalidade metafísica.

Para tanto, porém, é preciso proceder com cuidado. Cuidadosamente, é fundamental saber o que caracteriza essa grande intuição histórica sobre a metafísica e, já que a metafísica, como a entendemos, guarda a pretensão de ser um programa de conhecimento, o que é propriamente conhecimento.

A respeito do primeiro cuidado, seria possível apontar uma determinação mínima de metafísica que correspondesse a essa intuição histórica sem que, para tanto, tenha-se que assumir um compromisso com uma ou outra metafísica historicamente determinada? Seria possível, ainda, apontar para uma mínima determinação da intuição histórica sobre metafísica sem que, para isso, seja necessário pressupor já uma ideia de metafísica antes mesmo de começar uma investigação metafísica? Em todo caso, seja que lidemos com as metafísicas historicamente determinadas, seja que tratemos das novas teorizações ligadas à intuição metafísica e que partem de uma concepção a priori de metafísica,135 deparar-nos-emos sempre com as insuperáveis antinomias que substanciam o pensar reflexivo.

E isso nos leva ao segundo cuidado: é preciso elucidar o que é propriamente conhecer, o que é propriamente pensar. Se o conhecimento se desse exclusivamente pelo pensar reflexivo, então nem mesmo uma concepção a posteriori de metafísica nos poderia livrar das antinomias a que um pensar fechado em suas representações é condenado. Em outras palavras, se conhecer nada mais fosse do que o resultado exclusivo do pensar reflexivo, então a metafísica e suas pretensões seriam irremediavelmente ilusórias, porque tudo o que poderia ser conhecido se resumiria a ideias e representações. Um pretenso conhecimento metafísico não nos daria acesso ao ser, mas apenas à representação do ser. Então, recairia sobre nossa investigação, sem chance

de contestação, todo o peso das teses do Parmênides, segundo as quais não há verdadeiro conhecimento da ilusória mistura entre ser e não ser.

As observações que colhemos do estudo da negação da metafísica, todavia, dá-nos novas perspectivas. Assumindo o método blondeliano de filosofar, ou seja, sua dialética filosófica, abraçamos o projeto de forçar a contradição da metafísica, de levá-la a cabo, procurando descobrir o que realmente se encontra aí implicado, tendo em vista revelar seu verdadeiro sentido. Em suma, para responder à pergunta que diz respeito à possibilidade da metafísica, de modo a alcançar uma solução verdadeiramente rigorosa, o método blondeliano nos conduz primeiramente a abraçar o compromisso de procurar investigar a negação da metafísica.

Por razões de rigor filosófico, tentando nos convencer de que a metafísica é impossível, fomos levados a investigar em que sentido se daria tal impossibilidade. Descobrimos que, enquanto uma forma de conhecimento exclusivamente reflexivo ou teórico, a metafísica não só não é possível, mas ainda é ininteligível. O conhecimento físico, como se o entende modernamente, por exemplo, seria a ordenação e a representação sob forma matemática de nossas representações sensíveis. A matemática, a representação ordenada da estrutura das representações numéricas. Em suma, uma ciência específica seria a ordenação de representações, ou melhor, uma representação de representações. Mas, o que dizer da metafísica? Fechadas as portas ao ser, ao que não é meramente representação, fundada a insuperabilidade do dualismo, não se pode compreender mais nem mesmo o que seria um “conhecimento do ser”, já que sua pretensão — a da metafísica — é a de não ser mais uma representação de representações.

Entretanto, uma revolução de perspectivas em relação ao pensar do tipo que pudemos considerar nos dois últimos capítulos muda tudo. Se pensar não se limita a pensar reflexivamente, se a filosofia não é o resultado apenas do uso reflexivo da razão, mas o cumprimento de uma tarefa, de reintegração entre prospecção e reflexão, então as esperanças na possibilidade da racionalidade metafísica como um programa de conhecimento viável se renovam.

Em se constituir como a pedra angular da proposição desse novo modo de pensar está a grande virtude da Action (1893) de Maurice Blondel. Tradicionalmente, esse escrito é interpretado como sendo um estudo sobre a ação humana. Sem negar essa interpretação, mas a corroborando e elucidando, na continuação da exposição dessa pesquisa pretenderemos tornar claro como o estudo sobre o sentido de nosso conhecimento e ciência da ação, aí abordado, é

capaz de sustentar os direitos de sobrevivência da metafísica como racionalidade ou programa de conhecimento.

O que se pretende, entretanto, não é a justificação da continuidade do discurso metafísico por virtude apenas de razões de caráter geral, ou seja, de tipo meramente psicológico ou sociológico. Essas últimas, apesar de justificarem a existência de fato da metafísica, ou seja, a insistência em sustentá-la, não justificam seu direito ou suas pretensões racionais. Esses serão manifestados a partir da Action (1893) por meio de razões de caráter filosófico-científico, ou seja, pela necessidade cognitiva de elucidação da experiência.136 Assim, veremos, no transcorrer das páginas da Action, como a dialética blondeliana nos levará a descortinar o sentido de nossa experiência, de modo a atingir algumas certezas e superar muitas armadilhas ligadas a prejuízos de compreensão, que Blondel denominará superstições.

Contudo, é preciso observar que as condições de possibilidade da metafísica não serão apenas o resultado possível dessa dialética exercitada sob a orientação da crítica à superstição, como algo que pode ser acrescido artificialmente, uma vez tendo sido derrubadas as barreiras que o impedia de ser. As condições que permitem a metafísica não são apenas o resultado possível desse exercício crítico, mas sua consequência necessária, sendo sustentadas em virtude da própria necessidade cognitiva de superação de toda superstição e, assim, também do que será chamado na Action de fenômeno da metafísica, ou seja, da manifestação necessária do desejo metafísico, que para Blondel está na raiz de todo desenvolvimento da ação humana, como de toda superstição.

Assim, o exame do que é descrito na Action nos permitirá executar uma prova. Seguindo o desabrochar da compreensão de nossa experiência, poderemos averiguar como o pensar em ato irá enriquecer a ação e a partir dela ser enriquecido, possibilitando a concepção de uma filosofia ou ciência da prática aberta não só para a possibilidade da metafísica, mas para a

136 Sobre as razões da metafísica, Enrico Berti (2004, p. 44-49) proporá a distinção entre razões de caráter

geral, ou seja, de tipo psicológico ou sociológico e razões de caráter filosófico (teórico). As razões de caráter geral não justificam a metafísica, mas só a sua existência de fato, tais como: a) o reconhecimento dos limites do conhecimento científico, com a necessidade de ir além de suas possibilidades para dar uma explicação do que é; b) o desejo de verificar a possibilidade da fé religiosa; c) o desejo de dar sentido à vida; d) o desejo e a importância de fundar a ética. Por outro lado, as razões de direito da existência da metafísica são aquelas de tipo filosófico. Segundo essas, a metafísica nasce da necessidade cognitiva de resolver o problema metafísico (não do problema religioso, ético, existencial ou científico), ou seja, de dar uma explicação para a experiência integral, perguntando- se se esta explicação deverá ser completamente imanente à experiência ou hipotetizar uma solução além da experiência. Observe-se, ainda, que todas as razões que Berti elenca como sendo de caráter geral, para Blondel serão justificadas a partir da necessidade que Berti afirma ser de tipo filosófico. Na filosofia da ação não há divisão entre o problema metafísico e aqueles outros de cunho religioso, ético, existencial ou científico. Tudo faz parte do único problema da vida e da ação. O problema metafísico se encontrará presente na base de todos os outros problemas. A exposição de Blondel é, mais uma vez, contextual.

exigência racional de sua realização, no que Blondel chamará de metafísica à segunda potência (Cf. Action, 464).

Essa terceira parte da pesquisa será composta de cinco capítulos: 1) “O ponto de partida da filosofia da ação”; 2) “A hipótese do nada”; 3) “A hipótese dos fenômenos”; 4) “O ser necessário da ação: a hipótese do transcendente” e, por fim, 5) “O problema ontológico”.

Procurando construir uma filosofia com características científicas, Blondel não poderia descuidar do rigor do discurso a ser utilizado nessa empreitada. Em razão da defesa que propunha dos direitos da pesquisa filosófica a respeito do âmbito do sobrenatural — que para ele será afirmado como suprafenomenal, como ficará claro a seguir —, como pensador posto na encruzilhada entre filósofos e teólogos, Blondel era consciente de que somente a cientificidade de sua filosofia poderia garantir a receptividade de sua obra.

Mas, que cientificidade seria essa? Aquela das ciências positivas? A cientificidade que é característica das matemáticas? Nem uma, nem outra. Na sequela de Émile Boutroux, para Blondel a cientificidade não é uma característica restrita às ciências positivas, experimentais e matemáticas. Também a filosofia possuiria sua própria cientificidade, consistindo essa na qualidade da argumentação filosófica de constituir-se em um discurso racional, crítico e criticável, ou seja, dentro dos limites de sua competência estritamente racional, de ser controlável.

Para tanto, seria preciso perseguir e desenvolver um pensar bem fundado, seguindo de perto, neste ponto particular, as pretensões da modernidade inspiradas pelo cartesianismo, de modo análogo a como fará posteriormente a fenomenologia de Edmund Husserl (LECLERC, 2000). Em suma, seria necessário o exercício de uma crítica radical, enquanto profunda e rigorosa. Essa será a condição indispensável para o que Blondel reconhecerá como cientificidade do discurso filosófico.

O subtítulo da Action (1893), Essai d’une critique de la vie et d’une science de la