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III. A PROPOSTA ATUAL

3.3. O PRINCÍPIO ELEMENTAR DA LÓGICA MORAL E DE TODA LÓGICA

elas são, então, ao mesmo tempo, um chamado permanente ao exercício do poder crítico do espírito para nos fazer sair do dado e um trampolim para o impulso das resoluções que engajam o destino humano (Principe élémentaire, p. 377).

Isso, a título de exemplo, como já acenamos, é o que ocorre com o princípio de contradição. Ele supõe que de algum modo nada pode ser para nós sem passar pelo crivo de sua adequação ou inadequação em relação à nossa destinação e sem que a realização dessa adequação ou inadequação possa a cada momento se estabelecer de uma vez para sempre (Cf. Principe élémentaire, p. 378). Em outras palavras, o princípio de contradição é a tradução simplificada da eterna posição de cada escolha realizada. É a tradução de cada ação posta de uma vez por todas em relação ao nosso destino, contribuindo para seu progresso ou não.

Em suma, a lógica da antíphasis e da apóphasis vinculada a suas origens vitais e subordinada a seus fins morais ganha todo seu sentido como verdade relativa. Ela é “o fenômeno objetivo e inadequado da dialética real” (Principe élémentaire, p. 379). Inadequada enquanto não é capaz de dar conta da riqueza desta dialética. Objetiva, porquanto a realização da dialética real — como trabalho de adequação do pensamento em ato à vida, da reflexão à prospecção visando ao progresso da vida — se dá por seu intermédio (Cf. Principe élémentaire, p. 378-379).

Tendo sido suficientemente elucidadas seja a reflexão, seja a lógica das ideias que lhe caracteriza, podemos partir para o esclarecimento do sentido da lógica da stérēsis. Seguindo o percurso proposto por Blondel, procuraremos nos concentrar sobre o sentido do princípio fundamental que a sustenta e das leis lógicas que dele derivam.

3.3. O PRINCÍPIO ELEMENTAR DA LÓGICA MORAL E DE TODA LÓGICA

A lógica formal governa o modo de compreensão que se fundamenta a partir do ponto de vista da reflexão representativa. Essa compreensão possui sua utilidade, mas também seus limites. Sem ela a evolução em nossa ação estaria comprometida. Entretanto, apenas com ela

não podemos pretender que nosso conhecimento possua qualquer alcance real e seja, assim, ontológico.

Mas sejamos cuidadosos. A ontologia, do ponto de vista filosófico de que estamos falando aqui, não se constitui como um discurso sob a forma de uma representação adequada do real. Pensar assim seria continuar aderindo ao dualismo que procuramos a custo superar. Sendo a filosofia uma tarefa, a ontologia se identificará com o conhecimento em ato, síntese do processo de elucidação da prospecção pela reflexão e do renovamento da reflexão pela prospecção.

No conhecimento em ato, procurando realizar nossa ação e a nós mesmos de modo sempre mais adequado, incorporamos tudo o que é. No conhecimento em ato, passamos constantemente do ponto de vista da linguagem ao ponto de vista da verdade vivente, não mais considerando a simples relação abstrata dos conceitos, como que desprovida de sua interioridade e suporte vital, mas “as relações de atos, estados, fatos assimilados ou eliminados por um organismo que combina, compensa, digere” (Principe élémentaire, p. 379), ou seja, considerando a síntese que é cada vida. Ora, como tal trabalho de consideração da vida pode ser dita ainda uma lógica, ou seja, “uma razão reguladora e determinante” (Principe élémentaire, p. 379), é o que ainda resta a esclarecer.

Em virtude da argumentação sustentada até esse ponto, já podemos afirmar com segurança que a fonte vivente de toda noção lógica é a decisão refletida e voluntária que escolhe e atua, fixando o ser de um ato entre os inúmeros possíveis, ou seja, a fonte da lógica é a prática moral. Ainda, também podemos afirmar que toda decisão é uma possessão e uma privação de algo, de modo que tanto o que possuímos quanto aquilo de que nos privamos contribui para fixar o ser de nossa ação e a nos definir. Esse é o determinismo da ação, segundo o qual tudo o que realizamos e que deixamos de realizar forma uma síntese que nos define, e que governa a lógica geral a partir da qual é possível toda compreensão: “Há um determinismo que, envolvendo todos os empregos possíveis do pensamento e da liberdade, exprime uma ligação ao mesmo tempo inteligível e real de todos os nossos estados, compõe nossa vida como um problema único, e requer uma solução integral” (Principe élémentaire, p. 379). Ora, o estudo da lógica da vida moral é o estudo desse determinismo. Mas, qual o seu princípio elementar e quais são suas leis?

3.3.1. O Princípio Elementar: a Stérēsis

Devendo muito a Aristóteles, para Blondel a noção de stérēsis “implica a privação de algo que seria devido ou natural, e cuja possessão foi adquirida, poderia ou deveria ser” (Principe élémentaire, p. 379). Desde que uma exigência se constitua como parte da natureza de um agente, possuirá sempre consequências correlativas ao emprego de sua atividade, seja ela atendida, rejeitada ou desconhecida. Seja por sua satisfação, seja por sua não satisfação, essa exigência natural será julgada em relação à solução do problema posto pela vida, segundo a lei imanente à vida mesma e que nos coloca diante da decisão fundamental, origem orgânica do princípio de contradição. Em outras palavras, depois de ser parte da natureza de um agente, uma exigência não é nunca mais indiferente. Blondel significará o termo stérēsis com a expressão “privação positiva”.129

Seguindo de perto Simone D’Agostino (2003), em um texto que tem como título “Privation positive”,130 é possível esclarecer o sentido que o sintagma stérēsis terá para a filosofia blondeliana, diferenciando-o justamente de sua origem aristotélica.

No primeiro capítulo do livro XII da Metafísica, Aristóteles significa a stérēsis a partir do estudo da substância sensível enquanto sujeita à mudança (transformação ou movimento). A mudança terá lugar na passagem entre contrários, mediante um intermediário material, ou seja, a mudança explica-se como a passagem de um substrato de um contrário a outro. O substrato que se transforma, assim, apropria-se de um contrário (forma) e se priva de um outro contrário (stérēsis). Consequentemente, Aristóteles acredita ser impossível a subsistência concomitante de dois contrários. A stérēsis aqui terá uma acepção puramente negativa: é a privação em um intermediário material de uma forma, dando lugar a outra forma. Enfim, é na estrutura da mudança, da metabolē, enquadrada nos moldes de uma lógica opositiva, que a stérēsis ganhará seu sentido em Aristóteles.

Em Blondel, porém, essa concepção será ressignificada. Seu contexto se altera com as molduras da ação. Na ação os elementos interpretativos serão análogos, mas bem diversos, porque a metabolē e, consequentemente, a stérēsis são interpretadas em um sentido diverso. A stérēsis continuará a ser significada a partir do contexto da mudança, mas a mudança a ser

129 Com afirma Álvaro Pimentel (2008, p. 101, nota 170), stérēsis e privação positiva são expressões

sinônimas que aparecerão já na Action (1893), p. 368 e 438, mas cujo sentido será explicitado apenas no Príncipe élémentaire d’une logique de la vie morale, ainda que a expressão “privação positiva” não apareça propriamente nesse texto.

130 As análises de Simone D’Agostino (2003) são conduzidas fundamentalmente a partir da leitura de três

textos de Blondel: da Action (1893), do Príncipe élémentaire d’une logique de la vie morale e de algumas anotações, consagradas por Blondel em algumas páginas, como estudo preparatório ao Principe élémentaire. Desse último, pode-se colher a especificidade da noção de stérēsis em Blondel em relação ao seu significado em Aristóteles e, em seguida, uma distinção entre uma stérēsis antecedente, uma stérēsis imanente e uma stérēsis subsequente à ação (Cf. D’AGOSTINO, 2003, p. 219-223).

considerada em Blondel é a ação. Na ação humana, o substrato que marca a permanência e a continuidade, ou seja, a matéria que sustenta as alterações será o agente, mais especificamente, sua consciência moral. O contrário ou a forma que se adquire será a ideia a realizar. O contrário que se perde, a ideia ou ideias a não ser(em) realizada(s), oposta(s) à anterior (D’AGOSTINO, 2003, p. 218).

Então, completando seu raciocínio, dirá Simone D’Agostino (2003) que isso significa que, no que diz respeito à ação, os polos contrários pertencerão ao mesmo substrato que se transforma, de modo que a ação enquanto transformação do substrato é a transformação dos contrários que lhe pertencem. Consequentemente, nenhum dos contrários anteriores à escolha e à ação se conservarão os mesmos. Uma vez relacionadas na consciência, a ideia ou forma preferida e proposta à ação será oposta à ideia preterida e, daí por diante, não poderá prescindir totalmente dessa relação que estabeleceu com ela. A ação resultante não implicará tão somente uma privação (stérēsis) da forma que se perde, como também da forma que se adquire.

Assim, a stérēsis aí envolvida não será mais uma privação negativa e sim, de acordo com uma lógica inclusiva, uma privação positiva. Não só a ideia não realizada não existirá como era antes da ação que a excluiu, como também a ideia escolhida e atuada se transformará igualmente: “no sentido que ela perde sua neutralidade, sendo agora atravessada pela oposição à ideia que a eleição tornou contrária” (D’AGOSTINO, 2003, p. 218).131

A stérēsis não é uma privação meramente negativa ou mesmo simplesmente abstrata e ideal. Diferentemente, ela diz respeito à própria constituição auto-ontológica do agente, ao “ser não sendo ainda o que deve ser” próprio ao agente. A privação positiva não é só da ordem do “possível”, ou seja, de um ser disposto a ser o que ainda não é, mas que não lhe é intrinsecamente devido, mas da ordem do “potencial”: de um ser que, por virtude própria e intrínseca, é destinado a ser o que não é, desde que obstáculos externos não o impeçam.132

131 Assim, justifica-se o juízo confiado por Blondel a sua Première notule: “Des 2 contraires aucun ne

subsiste (stérēsis) (une idée réalisée n’est pas la même, que, seule, avant l’acte, avant d’avoir été opposé et préférée à une autre idée)” (D’AGOSTINO, 1993, p. 441).

132Usamos aqui de uma formulação que se inspira na interpretação de Simone D’Agostino (2003) a

respeito da privação positiva, mas levemente a retoca em virtude das preocupações que nosso estudo nos tem revelado. Se D’Agostino (2003) nos permitir observar, parece ser preferível para designar a ordem da privação positiva, conforme o que nos ensina a filosofia da ação, a formulação “a ordem do ser que, por virtude própria e intrínseca, é destinado a ser o que não é” àquela “a ordem do ser que, por virtude própria e intrínseca, é destinado a ter o que não tem” — “avoir ce qu’il n’a pas” (D’AGOSTINO, 2003, p. 224). Com efeito — e isso parece ser também a intenção de Blondel —, assim evitamos os riscos implícitos na semântica da substância e em uma concepção de conhecimento como simples representação do que é. A esse respeito, é importante precisar que, segundo a perspectiva da filosofia da ação, o modo blondeliano de interpretar a reflexão evitará tanto as aporias de uma semântica da substância, para a qual conhecer é indicar as propriedades de um substrato, quanto aquelas relacionadas à oposição entre realismo e idealismo, que surgirão da concepção da reflexão como simples reprodução do que é e, assim, que conduzem a um modo insolúvel de colocar a questão da relação entre ser e pensar, sobre o qual, diga-se, a semântica da substância lança suas raízes. Como já dissemos na introdução (nota

Antes de meu agir voluntário e em conformidade à percepção que eu tenho de minha destinação última, em conformidade com o acordo ou desacordo que estabeleço entre meu agir e o sentido que dou à totalidade de minha ação, a privação positiva se apresenta como obrigação. Entendendo que não sou ainda o que quero ser, percebo-me como uma privação positiva, uma falta necessária de um estado ideal a que, não obstante, devo tender. Concomitante a minha ação, percebo-me igualmente como uma privação positiva, desta vez sob a percepção do contraste entre a opção escolhida e todas as outras opções que eram possíveis e a respeito das quais decidi por me abster, entre o que eu sou e o que eu poderia ter sido. A privação, nessa acepção, apresenta-se como opção. E, finalmente, depois de minha ação, percebo-me mais uma vez como uma privação positiva, que poderá ter dois sentidos: poderá ser o estado de privação de tudo o que não é o termo último de minha existência, em função da possessão desse fim, ou o estado de privação desse próprio termo último de minha existência em favor da possessão do que não é ele. A privação positiva será aqui experienciada como sanção de minha ação. Por ela, “abro-me” ou “fecho-me” a meu destino (Cf. D’AGOSTINO, 2003, p. 220-221).

Deste modo, em todas as suas formas, a noção de privação positiva expressa a riqueza das repercussões que se encontram implicadas entre a héxis que precede e a héxis que segue a ação. Diferentemente do que presume uma lógica da apóphasis, segundo a qual o rejeitado é anulado, o que poderia ser realizado em nossa ação e não o foi deixa sempre a sua marca no que somos. Para passar do ponto de vista da linguagem para o ponto de vista da verdade vivente é preciso uma lógica diversa, que dê conta da privação positiva, uma lógica capaz de assumir que “a héxis que segue não é idêntica à héxis que precede a stérēsis” (Principe élémentaire, p. 380). É preciso uma lógica capaz de respeitar a riqueza infinita das repercussões orgânicas de nossa ação: “As relações das ideias se resumem em sim e não; e tudo é dito: é como uma

41), não seria fácil determinar o que é uma privação positiva a partir do ponto de vista de uma semântica da substância, porque isso implicaria investigar a diferença entre propriedades essenciais e propriedades acidentais de um substrato de inerência, o que é muito complicado de se fazer, mesmo porque, como afirmávamos há pouco, pressupõe nesse contexto preciso solucionar o problema insolúvel, segundo sua perspectiva própria, da relação entre ser e pensar. Na ótica da filosofia da ação, a mencionada distinção entre propriedades essenciais e acidentais não é relevante, já que conhecer não será atribuir propriedades a uma substância, mas elucidar a ação. Na Action (1893), a noção de privação positiva não significa a representação conceitual da ausência de uma propriedade essencial a uma substância, mas indica a vivência ou a experiência necessária de uma falta e, assim, um estado potencial. Em outras palavras, se conhecer não é acertar-se acerca da presença ou ausência de uma propriedade em uma substância, mas, em uma circunsessão, enriquecer a prospecção elucidando-a reflexivamente e aprimorar a reflexão pelas lições prospectivas da experiência vivida, para ela o foco da questão que envolve a privação positiva não é o da diferença entre propriedades essenciais e acidentais de uma substância, mas o de colher a necessidade ou a acidentalidade da experiência de falta. Só o primeiro desses estados implicará uma privação positiva.

geometria plana, onde duas linhas se cruzam em um só ponto. As relações reais são orgânicas infinitamente, sempre infalivelmente repercutidas e integradas” (Principe élémentaire, p. 380).

Nossas exigências ideais, nossas disposições, não se limitam a um número restrito de relações. Elas não só repercutem e se integram infinitamente umas nas outras, mas ainda tudo o que é o agente participa deste processo de integração, do qual uma dialética verdadeiramente completa não poderia prescindir:

...nada dele [do agente] lhe é estranho ou indiferente, ou mais ainda, o que não interessa em nada a sua ação não é conhecido por ele; nada nele lhe escapa, se se pode dizer, à héxis e à stérēsis. Tudo o que faz e tudo o que não faz contribui para lhe constituir; tudo, assim, entra no sistema de seu organismo dialético. E porque as determinações da lógica abstrata são um estrato da atividade espontaneamente orientada em nós pela natureza ou uma expressão de nossas tendências originais projetadas no espelho do pensamento reflexo, uma dialética verdadeiramente completa não saberia se restringir ao formalismo lógico (Principe élémentaire, p. 380).

Sem dúvida, a abstração confere às noções lógicas certa necessidade. Mas essa é de caráter extrínseco e transcendente ao concreto.133 Para dar conta do real nós precisamos de uma lógica diversa e, assim, do exercício de uma dialética que consiga ir até ela:

...nós precisamos de uma lógica real que contenha o que a lógica formal exclui como se não existisse, de uma ciência que reencontra, por meio da reflexão, o nexus de todos os estados e de todos os erros mesmos, a lei intrínseca, a norma imanente que torna inteligível todos os desenvolvimentos opostos da vida, e os julga absolutamente, compreendendo mesmo o que ela não saberia perdoar. Há uma lógica da desordem. [...] lógica universal que abraça todas as singularidades e as aproximações da casuística, todas as complicações que preparam a colaboração da natureza e da liberdade; lógica infinitamente imparcial e exata, já que é a lei duplamente interior à vida espontânea e à atividade voluntária, norma sui; lógica luminosa, já que, através das obscuridades de nosso destino presente, tende apenas a exprimir a relação do que podemos e devemos com o que nós queremos e fazemos, para esclarecer antecipadamente a justiça final de nossa sorte; lógica que somente merece propriamente este nome tout court, porque a ciência que parcialmente a usurpou é dela apenas um resíduo parcial e um aspecto isolado (Principe élémentaire, p. 381).

133 De fato, se assim não fosse, não existiriam, por exemplo, sofismas ou paralogismos. Os sofismas e os

paralogismos são, apesar de sua condição, pensamentos e pensamentos viventes. Desse modo, não são contradições do pensamento válido, porque do contrário nem mesmo poderiam existir, já que a contradição não se dá na realidade e é impossível que se dê.

Enfim, a stérēsis é o princípio elementar e material dessa diversa lógica. “Elementar” porque a stérēsis é a expressão do seu fundamento mais originário. Todas as leis lógicas, sobre as quais teremos oportunidade de nos determos a seguir, que expressam os modos segundo os quais nossa ação se dá à consciência, são derivações desse princípio ou lei fundamental. “Material” porque a stérēsis não é só uma ideia ou noção puramente formal. Ela é uma privação, mas uma privação que opera segundo uma lógica do terceiro incluso, expressando não uma ausência inteiramente negativa, mas uma síntese do que se preferiu e do que se preteriu em uma constituição auto-ontológica do agente. Em suma, como já afirmamos, a privação aqui é positiva, porque a héxis resultante da ação não se constitui somente a partir da energia da opção escolhida, mas também da força de todas as outras opções não atuadas, que transformam mesmo a escolhida. Em outras palavras, porque sem a noção de privação positiva, a mudança da héxis ou a ação não poderia ser adequadamente explicada. Com efeito, ela não é uma passagem em um substrato de uma forma da qual ele é privado completamente a outra forma, essa sim positiva, mas uma passagem de uma privação positiva à outra.

Procuraremos, a seguir, explicitar as leis formais e científicas derivadas desse princípio e que pretendem expressar os modos em que a ação moral é dada.

3.3.2. As Leis do Processo Lógico da Vida

No texto de Principe élémentaire, Blondel proporá algumas leis ligadas à lógica da vida e derivadas de seu princípio elementar. Essas não devem, porém, ser entendidas como condições a priori ou axiomas iniciais a partir dos quais a lógica é construída da forma como se pode imaginar que a lógica reflexiva seria construída a partir das noções lógicas fundamentais, como o princípio de contradição. Diversamente, as leis da lógica da vida não são condições dessa mesma lógica, mas suas consequências, deduzidas — por uma dedução prática, como explicamos na introdução (nota 40) — a partir do complexo orgânico que é a ação, descoberta como governada pela stérēsis, que, ademais, também não é uma condição da ação, mas a expressão inteligível do modo fundamental como ela se dá. É a partir da ação vivente que essas leis e seu princípio elementar se constituem e são compreendidos como descrições gerais da dinâmica do viver e expressões da lógica da stérēsis.

Isso significa que, como expressões inteligíveis do modo de dar-se da ação moral, essas leis poderiam ser elencadas de modo diverso de como o fez Blondel ou fazemos aqui. Não

importa seu número, se elas se reduzem umas às outras, se comportam subdivisões ou se poderiam ser aproximadas de modo diverso. O importante é mostrar que são expressões inteligíveis e, portanto, esquemáticas ou simplificativas do modo necessário de dar-se do agir moral. São elas: 1) lei do alogismo inicial e do polilogismo espontâneo; 2) lei da solidariedade das forças discordantes; 3) lei das compensações; 4) lei da reintegração final ou da perda total.

1) Lei do alogismo inicial e do polilogismo espontâneo

Blondel afirma que a vida real se apresenta para nós inicialmente sob a forma de uma aparente anomia, desordem ou anarquia a que se pode chamar de alogismo inicial. Antes de