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CAPÍTULO 01 O MODELO BRASILEIRO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA

1.5. A SOBRECARGA DO P ODER J UDICIÁRIO E A CONTRIBUIÇÃO DOS PROCESSOS

1.5.1.5. Conclusões parciais

Do exposto, pode-se concluir que, no Brasil, o Poder Judiciário é deficitário, necessitando de aportes orçamentários das respectivas esferas federativas para seu sustento. Os tributos, multas e emolumentos cobrados dos litigantes são insuficientes para custear a estrutura necessária à prestação jurisdicional.

Além disso, o material humano é, com enorme diferença, o maior custo que recai sobre o Poder Judiciário, custo este que tem aumentado quantitativa e proporcionalmente em relação ao orçamento total. Em contrapartida, no mesmo período, a informatização, postura que pode reduzir tanto a dependência de recursos humanos quanto as variáveis em torno do tempo do processo, teve queda proporcional.

Nota-se, ainda, um crescimento geral no número de processos que anualmente tramita no Judiciário e nas taxas de congestionamento de quase todos os tipos de processo247,

o que demonstra um sistema com sérias dificuldades para prover uma tutela jurisdicional em tempo razoável.

Na Justiça Estadual, especificamente, as execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais não fiscais e em títulos judiciais não criminais, categorias relevantes para este trabalho, em que pese não serem, quantitativamente, maioria dentre o contingente em trâmite nesta seara do Judiciário – compuseram, em 2013, cerca de 10% do total de processos que tramitaram – e nem possuírem a maior taxa de congestionamento apurada – o que compete às execuções extrajudiciais fiscais –, ainda assim se constituem como grupos com crescimento quantitativo progressivo e elevadas taxas de congestionamento, sempre acima da taxa geral de congestionamento do Poder Judiciário, de modo que podem ser encaradas como agentes protagonistas da sobrecarga geral sofrida pelo Poder Judiciário.

247 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Congestionamento viário e congestionamento judiciário. Revista de Processo, São Paulo, ano 39, v. 236, out. 2014, p. 14.

A análise de um procedimento hipotético de execução por quantia não só confirmou este cenário como demonstrou que, mesmo em uma das mais simples dentre as possíveis configurações do processo executivo, os cartórios judiciais suportam a maior parte da sobrecarga.

Entre o início e o final do procedimento analisado, ao cartório coube a prática de quase todos os atos – cerca de 23, afora os deslocamentos entre filas de trabalho –, com raras e apenas incidentais análises dos autos pelos gabinetes judiciais.

Aliás, sobrelevou a constatação de que o cartório protagoniza os atos executivos atribuídos ao Juízo. Mesmo quando um ato de teor decisório é exigido – e, diga-se, estes atos, em geral, são de menor complexidade na execução quando comparados com os dos processos de conhecimento –, os cuidados de análise, valoração, deliberação e até mesmo minuta da decisão, ficam a cargo do cartório, acionando-se o gabinete judicial apenas em situações mais complexas, a julgo do próprio cartório, ou para conferência e assinatura de atos já previamente elaborados pelos cartórios.

Há, inclusive, consenso entre os membros e servidores do local pesquisado de que os processos executivos demandam muito mais tempo e esforços do cartório do que os processos de conhecimento, a despeito de a execução representar contingente processual cerca de 11% menor.

Quanto aos juízes e seus assessores diretos, notou-se que suas atuações são incidentais. Sem prejuízo de sua relevância – porquanto há questões complexas que demandam deliberações jurídicas mais avançadas e, por isso, necessariamente levadas ao juiz, além, evidentemente, de concentrarem o poder de assinatura e convalidação dos atos – , fato é que, quantitativamente, são muito menos expressivas do que aquelas promovidas no próprio cartório.

Finalmente, em termos de tempo de processo, somente em filas de trabalho, ou seja, nas ditas “etapas mortas”, em que nada é feito com o processo, à espera da prática do ato subsequente, são cerca de 177 dias. Isso em um dos cartórios mais ágeis da comarca e com um procedimento hipotético que, na prática, raramente se opera de tal forma fluida e objetiva. Em outros cartórios da comarca, com maiores dificuldades de gestão, ausência ou incapacitação profissional de servidores, dentre outros problemas, uma única fila de trabalho, como a de conclusão, pode demorar até 180 dias. Do mesmo modo, em outros

procedimentos, com mais réus, mais dificuldades para localizar o executado e seu patrimônio, com outros tipos de bens penhorados, incidentes de conhecimento, dentre outros desdobramentos, este tempo tende a se majorar ainda mais.

Estes dados vão ao encontro da doutrina248 e, principalmente, das constatações

registradas no estudo “Análise da Gestão e Funcionamento dos Cartórios Judiciais”, confeccionado em 2007, pelo Ministério da Justiça. Na ocasião, dentre outras informações, apurou-se que, descontados os períodos em que os autos são levados ao juiz para alguma decisão ou retirados em carga para vista e manifestação, eles ficam nos cartórios entre 80% e 95% do tempo total de processamento249. Também consentâneos com a pesquisa a

constatação da ampla utilização da “preparação de decisões” ou “despacho em preto”250,

essenciais na organização da equipe coordenada e controlada pelo juiz251 com vistas ao

funcionamento do cartório e vara judiciais como um todo.

Estes aspectos conjugados confluem para a constatação de que há, de fato, uma crise no Poder Judiciário e que a execução por quantia é um de seus elementos essenciais, principalmente em termos de consumo da estrutura disponível – com especial destaque à intensa utilização do tempo e recursos dos cartórios judiciais – e congestionamento de processos. Nestes termos, uma mudança de modelo processual, de modo a deslocar a

248 STRAPAZZON, Carlos Luiz. Ius imperi e iuris dictio: a natureza política da tutela jurisdicional. In:

GUNTHER, Luiz Eduardo (coord.). Jurisdição: crise, efetividade e plenitude institucional. Curitiba: Juruá, 2009, p. 72

249 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA.Análise da Gestão e Funcionamento dos Cartórios Judiciais. Brasília: Ideal,

2007. Disponível em <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20071227.pdf>. Acesso em 07 set. 2015, p. 23.

250 Derivação da permissão insculpida no artigo 162, §4º da Constituição Federal, consiste na apreciação,

geralmente pelo diretor, escrevente-chefe ou escrevente, dos requerimentos mais simples formulados pelas partes e na elaboração de uma minuta de decisão, que é submetida ao juiz e, se aprovada, por ele assinada (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Análise da Gestão e Funcionamento dos Cartórios Judiciais. Brasília: Ideal,

2007. Disponível em <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20071227.pdf>. Acesso em 07 set. 2015, p. 29).

execução para fora desta estrutura abarbada, ganha força como uma dentre as soluções possíveis252.

Cabe, portanto, uma ampliação no estudo do instituto, analisando-se casos relevantes de desjudicialização da execução por quantia dentro de nosso ordenamento, para além do procedimento do Código de Processo Civil, e também em ordenamentos estrangeiros. De posse de tais informações será possível, finalmente, de modo comparativo, avaliar se esta técnica extrajudicial é juridicamente possível no Brasil, qual o preço a se pagar em termos de segurança jurídica e se é, realmente, funcional para a melhoria do quadro.

252 Dentre as diversas propostas de soluções para a execução, cite-se o sintético, porém abrangente trabalho de

Leonardo Greco, Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual. In: MITIDIERO, Daniel; AMARAL, Guilherme Rizzo (coord.). Processo Civil: estudos em homenagem ao Professor Doutor Carlos

Alberto Alvaro de Oliveira. São Paulo: Editora Atlas, 2012. Na mesma esteira, ABELHA RODRIGUES,

Marcelo; JORGE, Flávio Cheim. Ideias e propostas de agilização da marcha processual. In: CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (org.). Bases científicas para um renovado direito processual. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 771.