CAPÍTULO 02 A DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO POR QUANTIA NO
2.2. A PONTAMENTOS DO ORDENAMENTO ESTRANGEIRO
2.2.1. Modelos públicos judicializados
2.2.1.3. Espanha
A execução espanhola, tratada pela Ley de Enjuiciamiento Civil a partir de seu livro terceiro368, teve um modelo executivo estritamente centralizado e atrelado à coordenação e
atuação do juiz369. Todavia, diagnóstico de que a execução era o tipo de processo civil com
maior lentidão na justiça espanhola370, impulsionou mudanças que culminaram com o
advento da Lei nº 13/2009 e da Lei Orgânica nº 1/2009, que criaram a Nova Oficina Judicial e redistribuíram as funções e responsabilidades dos agentes judiciários371.
Neste contexto, os secretarios judiciales – funcionários públicos com formação jurídica372, pertencentes à administração da justiça – passaram a praticar atos que até então
eram de atribuição do juiz, tais como, no campo da execução, a extinção do feito por acordo, desistência, prescrição ou satisfação do débito373, o decreto de quais medidas executivas
serão adotadas374, ordem para que entidades financeiras, órgãos e registros públicos e
pessoas físicas e jurídicas indicadas pelo exequente forneçam relação de bens ou direitos do
367 GRECO, Leonardo. O processo de execução: volume I. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 66.
368 CADENAS, Manuel Cachón. Apuntes de ejecución procesal civil. Barcelona: Universitat Autònoma de
Barcelona, 2011, p. 8.
369 TREPAT, Cristina Riba. La investigación judicial en la nueva ejecución civil. In: CADENAS, Manuel
Cachón; JUNOY, Joan Picó. (coord.). La ejecución civil: problemas actuales. Barcelona: Atelier Libros Jurídicos, 2008; HESS, Burkhard. Different enforcement structures. In: VAN RHEE, C.H.; UZELAC, Alan (coord.). Enforcement and enforceability – tradition and reform. Antwerp, Oxford, Portland: Intersentia, 2010,
p. 44; GRECO, Leonardo. O processo de execução: volume I. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 103.
370 FUENTE, Maria Consuelo Ruiz de la. El derecho constitucional a la ejecución de sentencias firmes. In:
CADENAS, Manuel Cachón; JUNOY, Joan Picó. (coord.). La ejecución civil: problemas actuales. Barcelona: Atelier Libros Jurídicos, 2008, p. 21.
371 RIBEIRO, Flávia Pereira. A desjudicialização da execução civil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 108-109. 372 KENNETT, Wendy. The enforcement of judgements in Europe. Oxford: Oxford University Press, 2000, p.
79.
373 RIBEIRO, Flávia Pereira. A desjudicialização da execução civil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 109. 374 CADENAS, Manuel Cachón. La ejecución procesal civil. Barcelona: Atelier Libros Juridicos, 2014, p. 62.
executado375, dentre outras, assumindo a maioria dos atos neste tipo de feito376, exceto o
recebimento da inicial e a resolução de eventual oposição do executado, ainda a cargo do juiz377.
Estes atos de incumbência do secretario judicial podem ser decretos – quando define a adoção de uma providência – ou diligências – quando dá impulso ao processo – 378 e todos
eles são recorríveis ao juiz379.
A execução espanhola se faz mediante demanda, sujeita a juízo de admissibilidade380,
e inicia-se com o despacho de admissão da inicial381, dado pelo juiz, como uma ordem geral
de execução, nos termos do item 1 do artigo 551 da Ley de enjuiciamiento civil382.
A ele se segue a possibilidade de o secretário escolher qual a medida executiva mais adequada, podendo, inclusive, exigir do executado uma manifestação sobre os bens que dispõe, conforme item 3 do mesmo dispositivo383. A liberdade de atuação do secretario se
375 CADENAS, Manuel Cachón. Apuntes de ejecución procesal civil. Barcelona: Universitat Autònoma de
Barcelona, 2011, p. 35.
376 Juan F. Garnica Martín indica a existência de uma competência residual ao secretario judicial, sendo dele
a atribuição para praticar todos os atos que não tiverem designação específica a outro agente (Reparto de
funciones entre juez y secretario em la ejucucion. Disponível em <http://www.cej-
mjusticia.es/cej_dode/doc_users/pdf/nueva_oficina_judicial/ejecucion_civil/REPARTO_DE_FUNCIONES.p df>. Acesso em 18 ago. 2015, p. 8).
377 RIBEIRO, Flávia Pereira. A desjudicialização da execução civil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 110. 378 Ibidem, p. 109.
379 CADENAS, Manuel Cachón. La ejecución procesal civil. Barcelona: Atelier Libros Juridicos, 2014, p. 64. 380 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Direito processual civil espanhol. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério
(coord.). Direito processual civil europeu contemporâneo. São Paulo: Lex Editora, 2010, p. 99.
381 Em seu juízo de admissibilidade o juiz apenas verifica os pressupostos processuais, os requisitos para que
o documento levado à execução tenha força executiva e se os atos executivos solicitados pela parte são adequados ao tipo de obrigação titularizada pelo exequente (CADENAS, Manuel Cachón. Apuntes de
ejecución procesal civil. Barcelona: Universitat Autònoma de Barcelona, 2011, p. 24).
382 “Presentada la demanda ejecutiva, el Tribunal, siempre que concurran los presupuestos y requisitos
procesales, el título ejecutivo no adolezca de ninguna irregularidad formal y los actos de ejecución que se solicitan sean conformes con la naturaleza y contenido del título, dictará auto conteniendo la orden general de ejecución y despachando la misma.”.
383 “Dictado el auto por el Juez o Magistrado, el Secretario judicial responsable de la ejecución, en el mismo
día o en el siguiente día hábil a aquél en que hubiera sido dictado el auto despachando ejecución, dictará decreto en el que se contendrán: 1º Las medidas ejecutivas concretas que resultaren procedentes, incluido si fuera posible el embargo de bienes; 2º Las medidas de localización y averiguación de los bienes del ejecutado que procedan, conforme a lo previsto en los artículos 589 y 590 de esta ley; 3º El contenido del requerimiento de pago que deba hacerse al deudor; en los casos en que la ley establezca este requerimiento.”.
estende ainda para a realização de penhoras384, nomeação de peritos avaliadores385,
presidência de leilões386, aprovação ou recusa de arrematações e promoção de acordos entre
as partes.
Apesar de posições doutrinárias defendendo ter havido a desjudicialização da execução espanhola387, a posição não se sustenta, ao menos nas bases aqui delineadas, haja
vista que a maior parte dos atos executivos ainda é praticada dentro do judiciário, quer seja a ordem de execução – dada pelo juiz – quer sejam os demais atos – praticados pelos secretários judiciais388.
Sem prejuízo, há espaço para desjudicializações incidentais, como a possibilidade de venda do bem penhorado por empresa privada especializada, nos termos do artigo 641 da
Ley de enjuiciamiento civil389.
Trata-se de via criada em razão da pouca funcionalidade do leilão judicial até então praticado, muito prejudicado por finalidades fraudulentas almejadas pelas pessoas que atendiam a estes certames390. Pode ser solicitada pelo exequente ou até mesmo pelo
executado e conduz à nomeação, feita pelo secretario judicial, de pessoas físicas ou jurídicas conhecedoras do mercado relativo aos bens penhorados e aptas a operarem nele. Este terceiro
384 CADENAS, Manuel Cachón. Apuntes de ejecución procesal civil. Barcelona: Universitat Autònoma de
Barcelona, 2011, p. 41.
385 Ibidem, p. 73.
386 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Direito processual civil espanhol. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério
(coord.). Direito processual civil europeu contemporâneo. São Paulo: Lex Editora, 2010, p. 101.
387 MARTÍN, Juan F. Garnica. Reparto de funciones entre juez y secretario em la ejecución. Disponível em
<http://www.cej-
mjusticia.es/cej_dode/doc_users/pdf/nueva_oficina_judicial/ejecucion_civil/REPARTO_DE_FUNCIONES.p df>. Acesso em 18 ago. 2015, p. 7.
388 RIBEIRO, Flávia Pereira. A desjudicialização da execução civil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 114. 389 “A petición del ejecutante o del ejecutado con consentimiento del ejecutante y cuando las características del
bien embargado así lo aconsejen, el Secretario judicial responsable de la ejecución podrá acordar, mediante diligencia de ordenación, que el bien lo realice persona especializada y conocedora del mercado en que se compran y venden esos bienes y en quien concurran los requisitos legalmente exigidos para operar en el mercado de que se trate. ”.
390 GURI, Elisabet Cerrato. La ejecución privada por entidade o persona especializada. In: CADENAS, Manuel
Cachón; JUNOY, Joan Picó. (coord.). La ejecución civil: problemas actuales. Barcelona: Atelier Libros Jurídicos, 2008, p. 239.
designado presta uma caução e passa a dispor de prazo de seis meses, prorrogáveis por igual período, para ultimar a alienação. Caso não o faça por culpa sua, perde a caução fornecida391.