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Os órgãos atuantes na execução

CAPÍTULO 02 A DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO POR QUANTIA NO

2.2. A PONTAMENTOS DO ORDENAMENTO ESTRANGEIRO

2.2.3. Modelos privados desjudicializados

2.2.3.2. Portugal

2.2.3.2.1. Os órgãos atuantes na execução

Na execução portuguesa funcionam, simultânea e harmonicamente, três órgãos: os agentes executivos, os juízes de execução e a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, a seguir discriminados.

2.2.3.2.1.1. Agente de execução

Já a partir do Decreto-Lei nº 38/2003, os solicitadores, profissionais liberais com formação jurídica, com estatuto e fiscalização atrelados a uma Câmara de Solicitadores446 e

que até então só tinham atribuições jurídicas menores, passaram a desempenhar o papel de agentes de execução, realizando todas as diligências desta espécie de processo, como

445 BATISTA SANTOS, Guilherme Luis Quaresma. Contraditório e execução. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2013, p. 197.

446 GOMES, Manuel Tomé. Balanço da reforma da acção executiva. Sub Judice: justiça e sociedade, Coimbra,

citações, notificações, publicações, penhoras, vendas e pagamentos447, liberando não só os

juízes como também as secretarias judiciais448

A transferência, contudo, não foi bem-sucedida, principalmente no que concerne à atribuição das funções aos solicitadores, dadas as escassas formação técnica e experiência destes profissionais com a execução449. Diante desse quadro, a partir do Decreto-Lei nº

226/2008 passou a ser possível também aos advogados atuarem como agentes de execução, desde que devidamente habilitados450.

A atividade dos agentes de execução, hoje, está regulamentada pela Portaria nº 282/2013 do Ministério da Justiça e pelo Novo Código de Processo Civil português. O artigo 719º deste último diploma prevê, expressamente, atribuição destes profissionais para efetuarem todas as diligências de execução, incluindo as citações, notificações e publicações consultas de bases de dados, penhoras e seus registros, liquidações e pagamentos.

Estes agentes são escolhidos pelo exequente a partir de uma lista disponibilizada pela Câmara de Solicitadores451 e acionados a partir de um requerimento eletrônico, sendo livres

tanto a anuência do agente452 quanto a sua posterior destituição pelo exequente453, havendo,

nesta última, necessidade de fundamentação, porém sem que essas razões sejam apreciadas

447 RIBEIRO, Flávia Pereira. A desjudicialização da execução civil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 130. 448 LEBRE DE FREITAS, José. Penhora e oposição do executado. Themis – Revista da Faculdade de Direito da UNL, Coimbra, ano V, nº 09, mar. 2004, p. 11.

449 ALEMÃO, Ivan. A reforma da execução em Portugal. Disponível em

<http://jus.com.br/revista/texto/10000/reforma-da-execucao-em-portugal>. Acesso em 09 out. 2012.

450 BATISTA SANTOS, Guilherme Luis Quaresma. Contraditório e execução. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2013, p. 194-196.

451 Trata-se de associação de Direito Público representativa dos solicitadores portugueses (Disponível em

<http://solicitador.net/apresentacao/camara-dos-solicitadores/missao/>. Acesso em 22 ago. 2015).

452 O artigo 720, item 8 do NCPCp prevê que “A designação do agente de execução fica sem efeito se ele

declarar que não a aceita por meios eletrónicos, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. ”.

453 Conforme artigo 720º, item 4 do NCPCp, “sem prejuízo da sua destituição pelo órgão com competência

disciplinar, o agente de execução pode ser substituído pelo exequente, devendo este expor o motivo da substituição; a destituição ou substituição produzem efeitos na data da comunicação ao agente de execução, efetuada nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. ”.

por qualquer pessoa454. Além disso, não têm subordinação hierárquica em relação ao juiz455

e a remuneração consiste em honorários pagos pelas partes pelos serviços prestados, bem como no reembolso das despesas realizadas e comprovadas456. Todas estas características

acentuam seu caráter privado.

De outra sorte, a indicar aspectos públicos de sua atividade, os agentes de execução, detêm status de auxiliares da justiça457 e devem respeito ao Estatuto dos Solicitadores,

podendo, em caso de descumprimento, sofrer sanções disciplinares tanto da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça quanto do respectivo órgão de classe458.

Em função desta mescla, não há consenso na doutrina e jurisprudência portuguesas acerca da natureza jurídica do agente executivo. Há quem entenda que é puramente privada, em função das primeiras características, e há quem entenda que é híbrida, em razão das segundas.

Essa divergência repercute, principalmente, no campo da responsabilidade pelos ilícitos praticados pelos agentes de execução, ora alocada no campo da responsabilidade civil, ora no da responsabilidade administrativa, com o Estado respondendo pela ação de seus agentes459.

454 LEBRE DE FREITAS, José. A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013. 6 ed. Coimbra:

Coimbra Editora, 2014, p. 33.

455 BRESOLIN, Humberto Bara. Execução extrajudicial imobiliária: aspectos práticos. São Paulo: Atlas,

2013, p. 56.

456 Assim na literalidade do artigo 43º da Portaria nº 282/2013 do Ministério da Justiça.

457 LEBRE DE FREITAS, José. A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013. 6 ed. Coimbra:

Coimbra Editora, 2014, p. 34.

458 v. item abaixo sobre a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ).

459 José Lebre de Freitas desenvolve a questão com maior minúcia, pontuando os entendimentos emanados das

cortes de segunda e terceira instâncias, bem como da doutrina local, para um e para outro entendimento (A

ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013. 6 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 33-35).

O autor, em específico, é adepto da teoria híbrida, por considerar que a caracterização do agente executivo como puramente privado implica na quebra de seu dever de imparcialidade.

Nos locais onde não há agente executivo ou não lhe for possível a nomeação, o exequente pode requerer que as diligências sejam realizadas por oficial de justiça, o qual é nomeado conforme as regras de distribuição460.

Atuam com ampla liberdade, tanto na condução e prática de atos executivos, tais como penhora e expropriação de bens do executado, atuando como depositário, requisitando força policial, dentre outras providências, quanto exercendo cognição – ainda que, em geral, superficial –, podendo, por exemplo, deferir requerimento de herdeiro para levantamento de penhora – artigo 827º, item 2 do Código de Processo Civil português – e reduzir eventual penhora excessiva – artigo 861º-A do Código de Processo Civil português461.

2.2.3.2.1.2. Juiz de execução

O juiz de execução português se assemelha muito ao juiz de execução francês. Foi introduzido naquele ordenamento pelo Decreto-Lei nº 38/2003462, tendo sofrido sua última

alteração pelo Decreto-Lei nº 226/2008, mantida, em essência, no artigo 723º do NCPCp. Neste cenário, foi reduzida a atuação do juiz executivo para hipóteses em que houver efetivo conflito ou questão relevante463, deixando de promover, via de regra, atos de direção

460 v. item abaixo sobre o procedimento executivo português.

461 GARSON, Samy. A desjudicialização da execução hipotecária como meio alternativo de recuperação de créditos. 156 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídico-Processuais)-Faculdade de Direito, Universidade

de Coimbra, Coimbra, 2006, p. 35.

462 MENDES, Armindo Ribeiro. Forças e fraquezas do modelo português de acção executiva no limiar do século XXI – que modelo para o futuro? Supremo Tribunal de Justiça, 27 de maio de 2010, Disponível em

<http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquiprocessocivil_ribeiromendes.pdf>. Acesso em 05 mai. 2014.

463 BATISTA SANTOS, Guilherme Luis Quaresma. Contraditório e execução. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

do processo464, tais como determinação de penhora ou venda ou mesmo a extinção do feito

executivo, atos que anteriormente lhe competiam465.

Exerce, hoje, em suma, poderes de tutela e controle do processo466: no exercício da

tutela, lhe é possibilitada a intervenção para a solução de eventuais litígios decorrentes da ação executiva467; no exercício do controle, atua proferindo eventual despacho liminar,

decidindo eventuais questões suscitadas pelas partes, terceiros intervenientes ou pelo agente de execução468, protegendo direitos fundamentais469, assegurando a realização da

execução470 e, principalmente, julgando, sem possibilidade de recurso, reclamações de atos

e impugnações de decisões do agente de execução471.

A provocação injustificada do juiz para o exercício de seu poder de controle é passível de multa destinada ao requerente472, extensível inclusive ao agente executivo, se for

o caso.

464 Compreendido o poder de direção como a possibilidade de praticar atos que dão impulso à execução

(GOUVEIA, Maria França. Poder geral de controlo. Sub Judice: justiça e sociedade, Coimbra, nº 29, out./dez. 2004, p. 21).

465 LEBRE DE FREITAS, José. A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013. 6 ed. Coimbra:

Coimbra Editora, 2014, p. 31.

466 Assim sintetizado por José Lebre de Freitas, em interpretação da exposição de motivos do Decreto-Lei nº

226/2008 (Refoma da acção executiva - Parecer OA, 28 de março de 2008, Disponível em <http://www.inverbis.pt/2007-2011/advogados/reforma-accao-executiva-parecer-oa.html>. Acesso em 05 mai. 2014), posteriormente revisto e atualizado pelo autor com as alterações do Novo Código português (A

ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013. 6 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p.30). 467 A exemplo do artigo 723, item 1, alínea ‘b’ do NCPCp, “sem prejuízo de outras intervenções que a lei

especificamente lhe atribui, compete ao juiz: [...] b) Julgar a oposição à execução e à penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação. ”.

468 As duas hipóteses textualmente previstas, respectivamente, nas alíneas ‘a’ e ‘d’ do artigo 723, item 1 do

CNPCp.

469 Como nas restrições à penhora estabelecidas no artigo 738 do NCPCp, notadamente a hipótese do item 6,

que prevê que “ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excecionalmente e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá –los de penhora. ”.

470 Como quando promove um pequeno incidente de cognição processual para divisão de imóvel cujo valor

integral exceda o demasiadamente o valor do débito, previsão constante do artigo 759 do NCPCp.

471 Hipótese textualmente prevista na alínea ‘c’ do artigo 723, item 1 do NCPCp. O juiz, porém, não tem poder

para destituir o agente executivo (LEBRE DE FREITAS, José. A ação executiva à luz do Código de Processo

Civil de 2013. 6 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p.32). 472 Prevista no artigo 723º, item 2 do NCPCp.

Em que pese ter previsão específica na legislação, a dificuldade de estruturação do Judiciário português fez com que poucos juízos de execução fossem criados473, de modo que,

hoje, as funções previstas para este profissional são realizadas por juízes de competência genérica.474

2.2.3.2.1.3. Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ)

Diante de críticas acerca da ausência de mecanismos eficazes de controle dos solicitadores de execução quando passaram a exercer a função de agentes executivos475, o

Decreto-Lei nº 226/2008, regulamentado pelo Decreto-Lei nº 169/2009, criou a Comissão para Eficácia das Execuções (CPEE). Tratava-se de comissão independente, encarregada de formar e disciplinar os agentes de execução, tendo poderes para até mesmo excluir determinado agente de conduta inadequada476.

Com a edição da Lei nº 77/2013, esta comissão foi extinta477 e suas atividades foram

absorvidas pela Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), entidade administrativa independente, dotada de personalidade jurídica, autonomias administrativa e financeira próprias.

Esta nova Comissão tem, essencialmente, as mesmas funções da extinta: cuida de supervisionar, regulamentar, apreciar reclamações, instruir e aplicar medidas disciplinares e, eventualmente, destituir auxiliares de justiça – categoria de profissionais que contempla o agente executivo.

473 LEBRE DE FREITAS, José. Penhora e oposição do executado. Themis – Revista da Faculdade de Direito da UNL, Coimbra, ano V, nº 09, mar. 2004, p. 11.

474 RIBEIRO, Flávia Pereira. A desjudicialização da execução civil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 136. 475 CAMPOS, Isabel Menéres. As questões não resolvidas da reforma da acção executiva. Sub Judice: justiça e sociedade, Coimbra, nº 29, out./dez. 2004, p. 60.

476 RIBEIRO, Flávia Pereira. A desjudicialização da execução civil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 136. 477 Lei nº 77/2013, artigo 36º, 3: “É extinta a Comissão para a Eficácia das Execuções, permanecendo esta em

Exerce estas funções, basicamente, por meio de duas subcomissões: a Comissão de Fiscalização dos Auxiliares da Justiça – composta por pessoas de “reconhecida idoneidade, independência e experiência em matéria de fiscalização de entidades públicas” e que tem por competência planejar, propor e executar atividades fiscalizatórias dos agentes executivos, como a realização de auditorias financeiras e identificação de indícios de infrações destes profissionais478 – e a Comissão de Disciplina dos Auxiliares de Justiça –

constituída por pessoas “com reconhecida idoneidade, independência e experiência em matéria disciplinar ou contraordenacional”, atua em equipes de três colaboradores, devendo um deles ter experiência como auxiliar de justiça na área da pessoa processada, sendo competente para instaurar, instruir e julgar processos disciplinares contra auxiliares de justiça, inclusive aplicando-lhes as respectivas sanções479.

Da simples exposição de suas funções, pode-se concluir que a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça não atua propriamente no processo executivo, mas presta serviço auxiliar, essencial para a segurança jurídica de um modelo executivo que conta com um agente executivo fora do Poder Judiciário.