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CAPÍTULO 02 A DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO POR QUANTIA NO

2.2. A PONTAMENTOS DO ORDENAMENTO ESTRANGEIRO

2.2.3. Modelos privados desjudicializados

2.2.3.1. França

A execução de títulos judiciais e extrajudiciais, na França, é regulamentada pelo

Code des procédures civiles d'exécution, que prevê duas figuras essenciais na realização do

processo executivo: o huissier de justice (oficial de justiça) e o juge de l'exécution (juiz de execução).

Os huissiers, previstos nos artigos L122-1 e seguintes do Code des procédures civiles

d'exécution, são profissionais liberais privados, com formação jurídica, remunerados,

conforme o Décret nº 96-1080, de dezembro de 1996, por honorários legalmente fixados e

413 HESS, Burkhard. Different enforcement structures. In: VAN RHEE, C.H.; UZELAC, Alan (coord.). Enforcement and enforceability – tradition and reform. Antwerp, Oxford, Portland: Intersentia, 2010, p. 45-

46. O autor ressalta que, nestes países, a execução é conduzida por agentes liberáis privados, sujeitos a competição entre si. Além disso, coexistem e por vezes concorrem com um sistema judicializado, conduzido por agentes públicos. Em geral, são remunerados por taxas e responsáveis por uma ampla gama de tarefas, desde a documentação até a coleta de débitos. A Holanda, específicamente, passou por reforma no ano de 2001 que provocou substanciais alterações na atuação de seus agentes executivos, tendo sido ampliada a liberdade de suas atuações, permitindo desde a livre iniciativa para o estabelecimento de escritorios de agentes executivos, até a livre fixação de preços com o credor (JONGBLOED, Anthonie. The Dutch Court Bailiffs Act eight years after its introduction. In: VAN RHEE, C.H.; UZELAC, Alan (coord.). Enforcement and

enforceability – tradition and reform. Antwerp, Oxford, Portland: Intersentia, 2010, p. 181). Estas mudanças

trouxeram algumas consequências que a doutrina ressalva, tais como o endurecimento no tratamento com o devedor em razão da competição pela recuperação de créditos e uma sobrecarga no custo arcado pelo devedor, frequentemente sobretaxado como forma de compensação de preços mais baixos praticados com o credor (VAN RHEE, C.H. The history of the ‘hussier de justice’ in the Low Countries. In: VAN RHEE, C.H.; UZELAC, Alan (coord.). Enforcement and enforceability – tradition and reform. Antwerp, Oxford, Portland:

Intersentia, 2010, p. 174).

414 BABUNKSI, Vladimir. Reform of the enforcement procedure in the Republic of Macedonia. In: VAN

RHEE, C.H.; UZELAC, Alan (coord.). Enforcement and enforceability – tradition and reform. Antwerp,

Oxford, Portland: Intersentia, 2010, p. 234. O modelo macedônico vigente decorreu de uma desjudicialização privada na execução, inspirada no modelo holandês. O autor registra que a alteração resultou num salto de 10 para 44 pontos percentuais no que concerne a processos finalizados com sucesso.

por comissões recebidas das partes em função da recuperação do crédito – mediante acordo ou execução forçada415.

A despeito de serem profissionais liberais integrantes da iniciativa privada e remunerados por tarifas pagas pelas partes416, estes agentes de execução são nomeados pelo Garde des Sceaux (Ministério da Justiça)417 e exercem função pública, inclusive com

poderes específicos para tanto, possuindo ampla regulamentação418.

Os huissiers de justice detêm o monopólio da execução forçada de decisões judiciais e outros títulos, bem como da apreensão de bens para conservação, expressamente previstos no artigo L122-1 do Code des procédures civiles d'exécution, dispensada até mesmo a necessidade de obtenção de fórmula executiva perante o judiciário ou tabelionato419.

O exercício de suas funções se dá, necessariamente, em um escritório cuja área de atuação corresponde à competência territorial do Tribunal de Grande Instância (Tribunal de

grande instance) ao qual se acha vinculado420. O profissional pode tanto criar seu próprio

escritório quanto ser contratado por um já existente421, todavia, em qualquer hipótese, será

415 BATISTA SANTOS, Guilherme Luis Quaresma. Contraditório e execução. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2013, p. 190; REETZ DE PAIVA, Daniela. A desjudicialização dos atos executórios. Escola da magistratura

do estado do Rio de Janeiro - Série aperfeiçoamento de magistrados, Curso “Fomento Mercantil – Factoring”, n. 9, Rio de Janeiro, out. 2011, p. 36.

416 CHARDON, Mathieu. Enforcement in France: an overview of legislation and practice. In: VAN RHEE,

C.H.; UZELAC, Alan (coord.). Enforcement and enforceability – tradition and reform. Antwerp, Oxford,

Portland: Intersentia, 2010, p. 153.

417 A nomeação se dá após treinamento e aprovação em processo seletivo restrito a graduados em Direito

(REETZ DE PAIVA, Daniela. A desjudicialização dos atos executórios. Escola da magistratura do estado do

Rio de Janeiro - Série aperfeiçoamento de magistrados, Curso “Fomento Mercantil – Factoring”, n. 9, Rio de

Janeiro, out. 2011, p. 35; CHARDON, Mathieu. Enforcement in France: an overview of legislation and practice. In: VAN RHEE, C.H.; UZELAC, Alan (coord.). Enforcement and enforceability – tradition and reform. Antwerp, Oxford, Portland: Intersentia, 2010, p. 154)

418 HENDERSON, Keith; SHAH, Angana; ELENA, Sandra; AUTHEMAN, Violaine. Regional Best Practices: enforcement of court judgments, lessons learned from Latin America. Washington: IFES, 2004. Disponível em

< http://pdf.usaid.gov/pdf_docs/PBAAB593.pdf>. Acesso em 30 ago. 2015, p. 23.

419 REETZ DE PAIVA, Daniela. A desjudicialização dos atos executórios. Escola da magistratura do estado do Rio de Janeiro - Série aperfeiçoamento de magistrados, Curso “Fomento Mercantil – Factoring”, n. 9, Rio

de Janeiro, out. 2011, p. 35.

420 GRECO, Leonardo. O processo de execução: volume I. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 86. 421 RIBEIRO, Flávia Pereira. A desjudicialização da execução civil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 105.

pessoalmente responsável pelos atos que praticar, não lhe sendo facultada a responsabilidade limitada da pessoa jurídica à qual se acha vinculado422.

Já o juge de l'exécution é profissional especializado integrante do correlato Tribunal

de grande instance, e tem um poder geral de controle formal sobre o processo executivo,

cabendo a ele apreciar e decidir, em síntese, sobre eventuais defeitos do título executório, medidas desnecessárias ou abusivas e fixar responsabilidades pelos excessos423, tudo nos

termos dos artigos L213-6 do Code de l'organisation judiciaire (Código de Organização Judiciária) e L121-1 e L121-2 do Code des procédures civiles d'exécution.

Pelo procedimento previsto nos artigos L211-1 e seguintes do Code des procédures

civiles d'exécution, nas hipóteses em que a penhora recai só sobre bens móveis ou quantias

em dinheiro, os huissiers podem realizar a execução toda, desde a notificação inicial, passando pela penhora e alienação pública, até a satisfação, sem qualquer acionamento do Judiciário, exceto na eventualidade de oposição de embargos424. Têm liberdade inclusive

para, dentre outras variáveis, proporem plano de pagamento, celebrarem acordos, escolherem o método executivo mais adequado e requererem reforço policial425.

Já quando a penhora recai sobre bens imóveis, há um procedimento especial previsto nos artigos 311-1 e seguintes do Code des procédures civiles d'exécution em que os huissiers atuam conjuntamente com o juge de l'exécution competente para o feito, este responsável pela penhora e venda dos bens e aquele pelo cumprimento das ordens do magistrado426.

Estes profissionais, a despeito de usufruírem de ampla liberdade para o exercício de suas funções, estão submetidos à vigilância disciplinar da correlata associação

422 KENNETT, Wendy. The enforcement of judgements in Europe. Oxford: Oxford University Press, 2000, p.

78.

423 CHARDON, Mathieu. Training judicial officers in France. In: VAN RHEE, C.H.; UZELAC, Alan (coord.). Enforcement and enforceability – tradition and reform. Antwerp, Oxford, Portland: Intersentia, 2010, p. 155. 424 RIBEIRO, Flávia Pereira. A desjudicialização da execução civil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 103. 425 Ibidem, p. 104.

426 BATISTA SANTOS, Guilherme Luis Quaresma. Contraditório e execução. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

profissional427, além do Ministério Público, na condição de fiscal dos processos executivos,

nos termos dos artigos 121-5 e 121-6 do Code des procédures civiles d'exécution.