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CAPÍTULO II – SOCIEDADE CIVIL: EM BUSCA DE UMA CONCEPÇÃO

2.6 Conclusões parciais

A lógica contemporânea da globalização complexifica os problemas sociais contemporâneos, uma vez que a garantia dos direitos humanos passa a exigir soluções relacionadas ao fluxo econômico, cultural e social. Hoje, conforme expusemos no presente capítulo, as coletividades têm lutado pela manutenção das históricas conquistas dos direitos sociais, porém, com a globalização ocorreu um papel crescente de formas supraestatais de governo conforme trabalhamos no primeiro capítulo.

Uma sociedade civil global inclui todos os agentes sociais que compartilham preocupações e se esforçam para alargar a militância para além dos limites territoriais dos Estados-nação, a fim de resolver questões que não podem ser solucionadas em qualquer outro nível de atuação que não o regional ou global.

Acreditamos que a manifestação contemporânea da sociedade civil, isto é, a sociedade civil globalmente organizada, em muito se assemelha à proposta gramsciniana de sociedade civil responsável e construtivista. Sem dúvida, poucos pensadores continuam tão atuais como Antonio Gramsci. Poucas, para não dizer nenhuma, instituições sociais são capazes de resistir à pressão da mobilização em massa da sociedade civil em torno de questões sensíveis como as referidas.

O pensamento gramsciano revela que uma nova civilização só poderá vir à luz pela participação das massas, livre e democraticamente organizadas. Conforme exposto, torna-se fundamental a ação política, a prática de uma pedagogia democrático- construtivista, a organização de forças populares e o envolvimento ativo de massas

mundiais na difícil tarefa de superar todo tipo de dominação existente nas estruturas econômico-jurídicas e nas relações intersubjetivas e sociais115.

A proposta aqui estudada, de consolidação de uma sociedade civil global legitimadora de interesses e instituições supranacionais, não visa amplificar o fenômeno de debilitação dos poderes do Estado-nação, mas sim, desenhar uma leitura evolutiva da democracia em relação às estruturas locais, regionais e globais. Alertamos, novamente, para o fato de que a concepção da sociedade civil global está surgindo. Trata-se de fenômeno recente, que certamente se transformará ao longo do novo milênio e se caracterizará pelo movimento, pela constante mudança. Sobre este tema, muito resta a se interpretar e compreender. Conceitos fundamentais tidos como consolidados e solidificados dentro de visões de mundo nacionalistas hão de ser repensados, recriados, pois se realizam em universo diferente, exigindo uma nova linguagem e novos paradigmas.

A concepção da sociedade civil global exige a criação do novo direito global exposto no primeiro capítulo da dissertação, capaz de regulamentar uma hegemonia mundial que não subestime indivíduos e suas culturas propriamente ditas, promovendo uma concepção cultural aberta, de integração e avessa a qualquer forma de radicalismo totalitarista opressor. Há que se combater a globalização hegemônica através de mecanismos alternativos, tais como a governança global116.

115 Giovanni Semeraro chama a atenção para o fato de que: “(...) hoje despontam condições mais amplas

para que sujeitos conscientes e ativos, promovendo o autodesenvolvimento individual e coletivo, possam articular forças em torno dum projeto democrático e popular de sociedade, educando-se para respeitar as liberdades, reconhecer as diferenças, não desprezar o dissenso, dialogar com outras culturas, valorizar as inúmeras iniciativas que conduzem à autodeterminação e frustram os monopólios da verdade, a concentração do poder e todas as tentativas de massificação”, G. SEMERARO, Gramsci e a

sociedade civil – cultura e educação para a democracia. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 265.

116 Mencionemos que governança global é o conjunto frágil, incipiente e contestável de acordos, agendas,

leis e arranjos institucionais unidos por Estados, organizações internacionais, organizações não governamentais, movimentos sociais, redes de cidadania, associações profissionais e outros. “Trata-se de

Destacamos que, em uma sociedade civil global, os movimentos sociais se tornam mais robustos nos países periféricos, independentemente dos percalços democráticos ali encontrados e das dificuldades econômicas. Uma sociedade civil global floresce exatamente da conjunção de todos estes movimentos em busca da solução de problemas comuns à humanidade como um conjunto, engajados através da cooperação global.

A seguir veremos como que, de relações livres e conscientes de cidadãos de diferentes nacionalidades, e, portanto, sujeitos sociais que não apresentariam uma identidade cultural imediata, constrói-se um consenso ativo e uma hegemonia de luta em torno de temas como meio ambiente, saúde pública, tráfico de armas, de drogas, direitos humanos, entre outros, gerando uma demanda social mundial pautada na interdependência, pois trata-se de problemas sistêmicos e de soluções indivisíveis. Demonstraremos que o conceito dos direitos humanos inerente à natureza humana (fruto do jusnaturalismo) está superada. Nos dias de hoje, a ótica dos direitos humanos tem de aceitar o respeito à diversidade como cláusula pétrea, dando visibilidade também à diferença, que se traduz em igualdade e em afirmação de direitos. Nesse sentido, os direitos humanos voltam-se para a autodeterminação dos setores subjugados e das massas referidas por Gramsci, para viabilizar que os mesmos se eduquem para se protegerem na crise contemporânea.

Nosso próximo capítulo assumirá como metodologia, portanto, as teses do interculturalismo dos direitos humanos e da cultura dos direitos, defendidas respectivamente, pelo sociólogo português Boaventura de Sousa Santos117 e pelo jurista espanhol Joaquín Herrera Flores118.

uma tentativa de estabilizar sistemas sustentáveis de solução dos assuntos internacionais, uma vez que nenhum governo soberano mundial atualmente existente é capaz de alcançar o mesmo grau de ordem em nível mundial tal como os Estados-nação garantem em seus territórios”. Vd. R. COHEN, P. KENNEDY,

Global Sociology, 2ª Ed., Nova Iorque: NYU Press, 2007, pp. 454-5.

117 Em suas palavras “enquanto forem concebidos como direitos humanos universais em abstracto, os

direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado e, portanto, como uma forma de globalização hegemônica”. B. S. SANTOS, A gramática do tempo – para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006, p. 21.

118 “Torna-se relevante construir uma cultura dos direitos que recorra em seu seio à universalidade das

garantias e o respeito pelo diferente”. J. H. FLORES, Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência, In A. C. WOLKMER (org,), Direitos Humanos e filosofia jurídica na América Latina, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004.

CAPÍTULO III – POR UMA SOCIEDADE CIVIL GLOBAL LIVRE