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CAPÍTULO III – POR UMA SOCIEDADE CIVIL GLOBAL LIVRE DE

4.4 Agendas social e cultural da ONU, “novos temas” e funcionalismo

4.4.1 A era das conferências

Conforme já mencionado, a última década do século XX constituiu um período de intensa mobilização dos foros diplomáticos parlamentares, tanto para enfrentar ameaças iminentes e localizadas à paz, quanto para debater e apontar soluções aos problemas comuns à humanidade independente de aspectos políticos – denominados “novos temas globais”. O fortalecimento da sociedade civil, em todas as suas instâncias, produziu uma série de conferências multilaterais no campo social da ONU195.

As Grandes Conferências procuraram abordar os múltiplos fatores dos respectivos temas em suas interconexões, inserindo o local no nacional e este no internacional, com a atenção para as condições físicas e humanas do espaço em que se concretizam196. Quase todas apresentam algumas características em comum: (i) a vasta maioria delas foi realizada em países diversos dos países mais desenvolvidos; (ii) quase todas elas apresentam um caráter publicitário global – isto é, a transparência é princípio marcante em todos os debates, viabilizando amplo acesso a quem interessasse, uma vez que as conferências não foram realizadas “atrás de portas fechadas”; (iii) as conferências globais sempre objetivaram uma continuidade de trabalhos após suas

195 In J.A. L. ALVES. Op. Cit., p. 31. 196 Idem, p. 34.

realizações. Conforme já dito, grande parte delas encerrou seus trabalhos com uma declaração solene, e muitas acabaram por se tornar em novas e diversas convenções da ONU, novas instituições e seus respectivos instrumentos de monitoramento197.

As conferências da década 1990 estruturaram uma dinâmica de cooperação internacional até então nunca vista dentro do sistema das Nações Unidas. Viabilizaram um “solidarismo coercitivo”198, no sentido de que os Estados inicialmente não cooperativos logo se sentiriam constrangidos a fazê-lo.

Verificamos que tal fenômeno, dentro de uma expectativa funcionalista, iniciou-se com reuniões sobre temas de caráter originalmente mais técnicos e econômicos. Conferências como a Cúpula Mundial sobre a Criança de 1990, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – conhecida como ECO 92 – e a Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena (1993) iniciaram, porém, os encontros multilaterais em torno da temática social.

197 De acordo com documento do Alto Comissionário para Direitos Humanos da ONU, Training Manual

on Human Rights Monitoring, monitoramento é definido como “’(...) a broad term describing the active

collection, verification and immediate use of information to address human rights problems. Human rights monitoring includes gathering information about incidents, observing events (elections, trials, demonstrations, etc.), visiting sites such as places of detention and refugee camps, discussions with Government authorities to obtain information and to pursue remedies and other immediate follow-up. The term includes evaluative activities at the UN headquarters or operation’s central office as well as first hand fact-gathering and other work in the field. In addition, monitoring has a temporal quality in that it generally takes place over a protracted period of time”. In UNITED NATIONS PUBLICATION,

Training Manual on Human Rights Monitoring, 2001. Disponível em:

<http://www.ohchr.org/Documents/Publications/training7Introen.pdf>. Acesso em 01.mai.2008. Em

outras palavras, trata-se da prática de descrever o estado da arte dos direitos humanos para que se avalie a eficácia dos tratados que os protegem. Segundo Maia Gelman, as formas de monitoramento “se dividem

em mecanismos convencionais (conventional ou treaty monitoring bodies) e extraconvencionais (special procedures)”. “Os mecanismos extraconvencionais foram os primeiros a se constituírem; têm um forte

caráter seletivo e são válidos em relação a todos os Estados-partes da ONU. Os mecanismos convencionais teriam um caráter menos seletivos, porém valem apenas para aqueles Estados que ratificam os tratados do sistema global”. Vd., M. GELMAN. Direitos Humanos – a sociedade civil no

monitoramento. Curitiba: Juruá, 2007, p. 198.

José Augusto Lindgren Alves destaca que o reconhecimento de uma verdadeira “agenda social da ONU”, de natureza interdisciplinar, deu-se a partir da Conferência de Cairo, em 1994. Seu estudo nos leva a concluir que:

“o fenômeno das conferências fez com que os Estados reconhecessem o dever de prestar contas à comunidade internacional sobre suas atuações domésticas nesses temas que antes consideravam de sua competência soberana irrestrita. Legitimaram, portanto, não somente o tratamento internacional dos temas globais, mas também seu monitoramento pela ONU”199.

Os Estados foram os principais atores do sistema de conferências da ONU. Os maiores interessados, uma vez que as recomendações tratam e dirigem aos mesmos, foram os integrantes de organizações não governamentais e movimentos sociais, destacando-se, outrossim, as manifestações da sociedade civil em geral. As conferências, ao redigirem suas declarações, plataformas e programas exerceram, paralelamente, um significativo papel de guia para definição dos temas e anseios mundiais contemporâneos.

Muitos dos críticos da era das conferências defendem que as cartas e documentos produzidos são textos de difícil acesso popular, verdadeiros manuais de utopia que não apresentam soluções para as questões de ampla magnitude através do consenso da cooperação mundial. Acreditamos que, independente do tecnicismo

existente nos extensos documentos, as conferências se revelaram como manifestação de esperança em resolver a exclusão e opressão do sistema econômico em vigor, como instrumentos de construção e debate de temas ultra-estatais, dos quais destacamos os direitos humanos.

É neste estado da arte que se encontra na ONU, a partir de 1990, atores internacionais relativamente distintos, muitas vezes antagônicos, mas com interesses em comum. Destaca-se nesse universo: suas diversas agências e organismos; Estados-partes e a sociedade civil global engajada na defesa e construção dos direitos humanos globais. É exatamente para tal fenômeno que as teorias das relações internacionais denominadas neo-realismo, neo-institucionalismo, construtivismo, neofuncionalismo e o já mencionado cosmopolitismo tentam apresentar explicações. Vejamos a relação entre estas teses e a Organização das Nações Unidas.