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artigo 26.º da Lei da Droga foi ponderada, tendo apenas sido aplicada numa (Caso 2).

8. Conclusões e regime legal perspetivado no plano de iure constituendo

Em jeito de conclusão, dir-se-á que do estudo efetuado resulta a existência em Portugal de um verdadeiro Direito Penal da Droga (com regras substantivas e processuais próprias) que, ao contrário do Código Penal e Código de Processo Penal, concebe o Direito Penal como prevenção geral de intimidação, enquanto que estes dois diplomas basilares, o estruturam com base na prevenção geral positiva, de onde decorre que não pode ser aplicada qualquer pena que exceda a medida da culpa do agente (cfr. artigo 40.º do Código Penal).

E que, muito embora a legislação da droga (atual e anterior) se refira – nomeadamente, nos respetivos preâmbulos – à necessidade de a repressão penal ser combinada com medidas de prevenção e tratamento, a verdade é que estas são relegadas para um plano tão secundário que acabam por não ter grande expressão prática.

Ora, tendo o legislador pretendido distinguir, por um lado, as condutas muito graves dos grandes traficantes (artigo 24.º), das condutas graves dos traficantes (artigo 21.º), das

condutas menos graves dos pequenos traficantes (artigo 25.º), e, ainda das condutas com uma

culpa diminuída, em função da toxicodependência, do traficante-consumidor (artigo 26.º), por

outro lado, estabelecendo previsões em cada um destes artigos que, para além das críticas que lhes foram apontadas ao longo do presente trabalho no capítulo próprio, designadamente, face à duvidosa constitucionalidade das respetivas soluções, impedem, do ponto de vista prático, que os arguidos que deveriam ser acusados e condenados pelo tráfico do artigo 25.º ou como

traficantes-consumidores, acabem condenados por tráfico do artigo 21.º.

Estas contradições entre o Direito Penal da Droga e o restante Direito Penal; entre a intenção manifestada pelo legislador de prevenir e tratar, mas punir de tal forma avassaladora que aquela intenção não é passível de ser posta em prática e entre o pretender distinguir os tipos penais não os redigindo de forma apropriada a que essa diferenciação possa ocorrer de forma mais eficaz, deveriam, segundo, Eduardo Maia Costa, ser resolvidas nos tribunais recorrendo a interpretação e integração de tais normativos dentro do espírito do sistema, a título de exemplo, interpretando a finalidade exclusiva de sustentação do auto-consumo constante da previsão do artigo 26.º como abrangendo, para além do auto-consumo, o necessário a despesas com a sua alimentação e outras necessidades básicas de sobrevivência do traficante- consumidor.

Não podemos concordar com esta posição do autor, porquanto entendemos que após 25 alterações legislativas que a Lei da Droga já sofreu desde que foi publicada, se o legislador ainda não procedeu à supressão desse requisito de exclusividade, que, aliás, já vinha do diploma que antecedeu a Lei atual, é porque quer dar um sinal claro de que as suas opções de política criminal são as que temos.

Ademais quando A Estratégia Nacional de Luta contra a Droga (de 1999) enunciou a intenção de “redefinir a figura do traficante-consumidor, nomeadamente tendo em conta os casos em que este não destina, em exclusivo, o produto da droga traficada ao alimentar da sua toxicodependência, mas reserva uma parte para satisfazer necessidades básicas de

PUNIBILIDADE DO CONSUMIDOR-TRAFICANTE E DO TRAFICANTE-CONSUMIDOR DE ESTUPEFACIENTES

1. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

subsistência”.28 E quando, o Governo chegou a apresentar uma proposta legislativa nesse

sentido29, que substituía a expressão “finalidade exclusiva” por “finalidade principal”, que não

chegou sequer a ser votada na Assembleia da República.

Assim, entendemos que não compete aos magistrados contrariar a política criminal de modelo proibicionista que tem vindo a ser seguida em Portugal nestas matérias, estando, aqueles, pelo contrário, obrigados ao rigoroso cumprimento da Lei, devendo ser o legislador a comprometer- se com as mudanças que quer (ou não) ver verificadas na política criminal que prossegue nesta matéria.

Tal modelo proibicionista sofreu um forte abalo com a descriminalização do consumo ocorrida em 2001, porém, parcial, visto que o consumo, acima de certos limites, continua a ser criminalizado, como se viu, sendo certo que trata-se da única conduta auto-lesiva criminalmente punida em Portugal (a tentativa de suicídio, por exemplo, não é punida), acrescendo que tal criminalização levanta as questões de constitucionalidade referidas logo na introdução do presente trabalho, sendo chocante, do nosso ponto de vista, admitir como possível a existência de pessoas a cumprir penas de prisão por consumo, o que a nossa Lei ainda permite.

A Lei que temos é igualmente potenciadora de que os grandes alvos da ação policial sejam os pequenos traficantes e os traficantes-consumidores – que, muitas vezes acabam acusados e condenados pelo tráfico do artigo 21.º – sendo que os autênticos traficantes poucas vezes aparecem a ser julgados e condenados.

Assim, em nossa opinião, os tipos legais dos artigos 21.º, 24.º, 25.º e 26.º, teriam de ser reescritos de forma a que ficasse claramente definido qual deles aplicar a cada um dos agentes a operar no mundo da droga.

O artigo 25.º respeitante ao tráfico de menor gravidade, ao invés de conceitos em aberto, deveria definir com toda a clareza quais as circunstâncias que podem/devem relevar para se optar por punir pelo crime privilegiado nele previsto. Se assim acontecesse, seguramente, não existiria uma diferença estatística tão elevada entre as condenações por tráfico do artigo 21.º e do artigo 25.º, respetivamente, 82% e 17% em 2017, por exemplo, como se expôs supra.

Por outro lado, é nosso entendimento, que aos traficantes-consumidores (artigo 26.º) não deveriam ser aplicadas penas de prisão, mas antes, soluções alternativas que passassem pelo tratamento e ressocialização fora do espaço prisional, impondo-se uma alteração legislativa no sentido da supressão do requisito de que o dinheiro do tráfico reverta exclusivamente a favor do auto-consumo, permitindo-se que o traficante-consumidor despendesse parte desse valor na satisfação de necessidades básicas à sua sobrevivência, devendo ser, ainda, eliminado o limite quantitativo imposto à droga detida.

O mesmo se diga, neste último ponto, relativamente à contra-ordenação de consumo que não

28Ponto n.º 33, d), Diário da República, I série-B, de 26.5.1999, p. 2998. 29Proposta de Lei n.º 33/VIII, de 15.6.2000.

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deveria, a nosso ver, ter qualquer limite, a fim de que todo o consumo fosse reconduzido a contra-ordenação, operando, assim, uma verdadeira e efetiva descriminalização, o que, face à experiência de 2001, podemos presumir que não faria aumentar o consumo, mas, potencialmente, diminuir, como ocorreu, então.

Tais alterações legislativas trariam o benefício de permitir que os recursos humanos dos órgãos de polícia criminal atualmente alocados ao ataque ao tráfico de rua pudessem ser libertados para perseguir o grande tráfico.

Se nada for feito no sentido da alteração legislativa que se impõe, continuaremos a ter apenas um aparente bom resultado no combate ao tráfico (porque muitos dos condenados por tal crime não são verdadeiros traficantes mas preenchem as estatísticas como tal) e continuaremos a ter as prisões portuguesas cheias de agentes do crime de culpa diminuta padecendo de doença grave, ao invés de agentes do crime de culpa grave, como deveria ser o caso.

IV. Hiperligações e referências bibliográficas