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Concorrência interna e comportamentos oportunistas

5. ANÁLISE DOS DADOS

5.5. Relações sociais

5.5.2. Concorrência interna e comportamentos oportunistas

Ao analisar se aconteceram situações em que houve divergências entre os grupos de artesãos ou entre os grupos e a cadeia de forma oportunística, chegou-se à categoria analítica de concorrência interna e comportamentos oportunistas.

Foi possível perceber que um dos principais desconfortos que pode ocorrer na relação da Rede Asta com os grupos produtivos é referente à produção em rede do produto desenvolvido por um grupo em questão. Ao compartilhar a produção de determinado produto, a Rede Asta deve assegurar que o grupo que o desenvolveu autorize a reprodução, bem como evitar que cópias dos produtos sejam feitas por outros grupos sem a autorização de quem os desenvolveu e da Rede Asta. A seguir, a fala de Miriam exemplifica como essa questão é uma preocupação para a Rede Asta:

O que acaba, muitas vezes, gerando desconforto, é...(por isso que a gente toma muito cuidado) é a ideia de que o produto é meu; o produto, eu que apresentei, quer dizer, então, para que não haja problemas de cópia. Então a gente se, realmente, vai fazer aquele produto e é uma quantidade maior, a gente pede permissão para desenvolver, porque ele não tem essa capacidade produtiva. Foi o que aconteceu nessas 10 mil peças que a gente vendeu (MIRIAM, [informação oral]).

Uma outra situação que foi relatada durante a coleta de dados foi relacionada a um potencial desconforto com os resultados obtidos pelos grupos produtivos. Como durante os eventos todos os resultados são compartilhados, um grupo tem conhecimento do que todos os outros venderam e atingiram durante o período, o que faz com que alguns artesãos questionem se resultados inferiores são decorrentes de uma menor atenção da Rede Asta. Apesar disso, a Rede Asta apresenta quais grupos estão tendo bons e maus resultados para estimular que os artesãos procurem a organização em busca de suporte. As falas a seguir de Miriam e Alice apresentam essas questões:

Para que eles vejam os grupos que estão evoluindo, a gente coloca uma tabela dizendo os grupos que estão evoluindo na renda e uns grupos que estão decrescendo, para que, justamente, eles nos solicitem.(MIRIAM, [informação oral).

E aí eles foram olhando... eles conhecem todos os grupos. Aí foram olhando uma a um e falando assim: “Poxa! Aquele grupo tem um produto muito parecido com o meu. E ele vendeu muito mais do que eu. Por que será? Será que é porque ele tá mais próximo da sede da Asta e, por isso, a Asta dá mais atenção para ele?” Então, começou a rolar esses

ciuminhos, assim, essas coisas de... que a gente precisa ter atenção... e isso despertou na

gente uma necessidade de ficar muito atento e de não e não correr nessa falta de atenção, nem erro. É mais uma falta de atenção de dar mais atenção para um e menos para outro, sem motivo específico (ALICE, [informação oral]

Esse olhar comparativo entre os grupos de artesãos também estimula uma certa competição interna. Ao verem que outros grupos parecidos têm um resultado melhor do que o seu grupo, os artesãos passam a se questionar mais sobre o que podem fazer para melhorar, o que é visto de forma positiva pela Rede Asta, conforme a fala a seguir de Alice:

E a gente percebeu, também, nessa última reunião, que a gente tá começando a acontecer um movimento de competição interna.[...] E eu, de uma certa forma, considero boa essa competição interna. Significa que os grupos estão tendo um olhar de negócio. “Po, por que ele vendeu mais e eu não? Caramba, o que é que falta para mim? O que eu tenho que fazer para melhorar?” Entende? Isso desperta neles uma necessidade de ser melhor. Eu acho que isso é bom do ponto de vista de negócios (ALICE, [informação oral]).

Por fim, foi possível identificar uma situação em que a relação pessoal entre os artesãos originou um comportamento oportunista entre eles, no qual durante uma viagem proporcionada pela Rede Asta, uma artesã emprestou dinheiro para outra e nunca foi paga de volta. A Rede Asta questionou se deveria intervir nesta situação, e percebeu que ambas se relacionavam pessoalmente por conta da atuação da organização, o que fez com que a Rede Asta decidisse por proibir que um artesão deva dinheiro para outro dentro da rede. As falas a seguir de Alice descrevem essa situação:

[...] numa dessas viagens, uma artesã pediu dinheiro emprestado para outra para comprar um sapato e nunca mais pagou. E essa artesã que emprestou o dinheiro, é ultra pobre, sabe? Ela precisa do dinheiro; ela fez bondade, porque ela é muito boazinha. E aí, ela contou para a gente, ema uma dessas conversas aí, meio que sem querer contar. E a gente percebeu: “Puxa vida!”, a gente tem um papel importante nisso, né? A gente formou os grupos para viajarem junto, sabe? Eles fazem parte da mesma rede, que poderia ter uma chancela de credibilidade, mas a gente não pode deixar um artesão deve para o outro. E aí a gente ficou pensando muito sobre isso “Caramba, será que a gente tem legitimidade para influenciar na relação entre eles?” E a gente percebeu que eles só estão se relacionando por causa da gente.

O artesão, dentro da rede, não pode dever dinheiro para outro artesão, sob pena pode ser expulso da rede (ALICE, [informação oral]).

A síntese da concorrência interna e comportamentos oportunistas é: a) um dos principais desconfortos que pode ocorrer na relação da Rede Asta com os grupos produtivos é referente à produção em rede do produto desenvolvido por um grupo em questão; b) a Rede Asta deve assegurar que o grupo que desenvolveu um produto autorize a sua reprodução, bem como evitar que cópias dos produtos sejam feitas por outros grupos sem a autorização de quem os desenvolveu e da Rede Asta; c) alguns artesãos questionam se resultados inferiores atingidos pelos seus grupos são decorrentes de uma menor atenção da Rede Asta; d) o olhar comparativo entre os grupos de artesãos também estimula uma certa competição interna, vista como positiva pela Rede Asta pois os grupos buscam maneiras de melhorar seus resultados; e) as relações pessoais proporcionadas

pela Rede Asta podem originar comportamentos oportunistas entre os artesãos, como no caso de empréstimos financeiros, o que fez com que a Rede Asta proibisse que um artesão deva dinheiro para outro artesão da rede.

Não foi possível estabelecer uma comparação direta entre a concorrência interna e comportamentos oportunistas com os princípios e características do comércio justo. Ainda assim, como o comércio justo visa proporcionar uma relação comercial de longo prazo baseada no diálogo e no respeito (WILLS, 2006), a Rede Asta deve se preocupar, como de fato o faz, para evitar que suas ações e de outros grupos na rede sejam vistas como oportunistas, especialmente relacionadas à produção em rede de um produto específico.

Assim como apontado na comparação teórica realizada, a definição e os princípios do comércio justo não apresentam muitos indícios sobre como se dão as relações sociais em suas iniciativas, o que faz com que não seja possível traçar um paralelo claro entre a causa e os achados de concorrência interna e comportamentos oportunistas. Apesar disso, é possível citar que o comércio justo é uma relação comercial baseada na transparência, no diálogo e no respeito segundo a definição da FINE (WILLS, 2006), o que possibilita um paralelo entre essas características e a atuação da Rede Asta para prevenir os comportamentos oportunistas na rede.

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