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4. ANÁLISE E RESULTADOS

4.1. Determinantes da Vantagem Competitiva Nacional – Modelo “Diamante” De Porter

4.1.2 Condição da Demanda

A vantagem competitiva de um cluster é também fruto das condições da demanda interna, tanto em seus aspectos quantitativos, quanto em seus aspectos qualitativos. São atributos significativos da demanda interna sua composição, seu tamanho e padrão de crescimento, bem como os mecanismos pelos quais a preferência interna é transmitida aos mercados estrangeiros (PORTER, 1990, p.103).

A demanda brasileira por jogos digitais encontra-se em franca expansão. De 2004 a 2009, o consumo de jogos digitais no Brasil avançou em 117% (taxa superior ao mercado mundial que cresceu 98% no mesmo período), atingindo montante estimado em R$ 356 milhões (PRICEWATERHOUSECOOPERS, 2009, p.389). No entanto, este mercado é potencialmente muito maior, já que, segundo estudo da IDG

Consulting realizado em 2004, a pirataria em jogos no Brasil era de cerca de 94%

(ABRAGAMES, 2004, p.10).

Na presente pesquisa, ao questionarmos os entrevistados sobre a demanda interna, uma das dificuldades citadas para o desenvolvimento do cluster foi a da quase inexistência de um mercado legal de jogos no Brasil, fato citado por 07 entre os 12 entrevistados.

Os altos impostos incidentes sobre jogos são, na opinião dos entrevistados (citado por 05 deles), uma das principais causas da pirataria. Nas palavras de dois entrevistados:

O grande problema do setor da gente é que a gente não tem mercado consumidor de jogos no Brasil, porque só se consome jogo pirata, porque os jogos originais são muito caros, porque eles pagam 100, 150% de imposto, um jogo que custa 30 dólares nos EUA, aqui ele vai custar 100 dólares. (E1); e

A gente tem que, primeiro entender que o mercado de pirataria no Brasil é muito grande porque o imposto no Brasil e a forma de vender jogo aqui é muito ruim. Porque a gente compra um jogo por vinte dólares no Estado Unidos, aqui é 250 reais. Então, se você for comprar jogo no Brasil, você vai pagar 120 dólares num jogo que custa 20. Então é obvio que as pessoas acabem procurando alternativas. (E7)

Outra razão para o alto índice de pirataria apresentada por um dos entrevistados é a cultura de não pagar pelos jogos:

Eu vejo o brasileiro, ele ainda não tem a cultura de possuir nem jogo. É diferente de quem mora fora ainda não é? Não sei se isso vai mudar. Mas é meio que uma barreira cultural. “Pô”, vai baixar um software, a vê aí o crack, vê o serial. A gente escuta isso o tempo todo entendeu? (E2)

Na prática, essas duas razões ajudam a explicar a quase inexistência de um mercado legal de jogos no país. Os altos preços dos jogos, influenciados fortemente pela carga tributária, tornam muitas vezes proibitiva a aquisição de jogos originais, enquanto que, ao mesmo tempo, atua como um incentivo para aquisição de versões piratas. No momento em que a aquisição de jogos piratas torna-se um hábito a cultura de não comprar jogos pode ser instalada, reforçando o ciclo vicioso.

Para interromper esse ciclo vicioso, as empresas do setor reivindicam a redução de impostos sobre jogos de modo a reduzir o preço final a ser cobrado do consumidor. Reconhecendo esse pleito pela redução dos impostos sobre jogos digitais, o deputado Carlito Merrs (PT-SC) apresentou em 2007, um projeto de lei, o 300/07 que estende ao setor de jogos digitais, os benefícios que desoneram produtos de informática (Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991) (CAMPANHA IMPOSTO JUSTO PARA VIDEOGAMES, 2010).

Na visão de Porter (1990, p. 103), a existência de um mercado interno exigente pressiona as empresas locais a inovar mais depressa e obter vantagens competitivas mais sofisticadas, em comparação com rivais estrangeiros. No Brasil, a quase inexistência de um mercado legal tem levado as empresas a buscar nichos menos sensíveis à pirataria, como, por exemplo, o mercado de jogos sérios, jogos voltados para treinamentos empresariais. Nas palavras de entrevistados:

A pirataria é muito alta, o que as empresas fazem é, ou terceirizam pra outras empresas fora, ou vão procurar o mercado corporativo porque aí no mercado corporativo você não tem pirataria porque você tá desenvolvendo produtos customizados e mistos. (E6); e

Nenhuma empresa de jogo brasileira vive do mercado brasileiro, [...] a de jogos sérios, ou GBL (game based learning) essa eu acho que é a única que pode viver, porque é um mundo corporativo, mas prá quem trabalha

com usuário final não pode porque segundo a ABRAGAMES, tem mais de 90% dos jogos comercializados são jogos pirata. (E9)

Em Pernambuco, as empresas têm buscado esses nichos do mercado interno nos quais a pirataria é menor. A Jynx, por exemplo, atua a um bom tempo no desenvolvimento de advergames para internet. Já o consórcio OJE optou por focar sua atuação no desenvolvimento de jogos educacionais.

Ao invés de focarem em nichos específicos do mercado nacional, algumas empresas têm escolhido internacionalizar-se, casos da Playlore e da Daccord, cujas receitas advém boa parte de clientes no exterior.

Outra dificuldade para as empresas brasileiras comercializarem seus produtos no país é a falta de informação sobre a demanda nacional por jogos digitais, fato citado por 04 dos 12 entrevistados. Nas palavras de dois deles: “A gente não sabe o que o consumidor brasileiro, o que ele compra a gente realmente não sabe” (E1); e

Mas como se conhece o mercado interno, eu diria que ainda não se conhece o mercado interno, tá começando a descobrir esse mercado. Isso ainda é um problema porque ainda tem pouca informação. (E8).

Ao contrário de outros mercados mais desenvolvidos, ainda são poucas as pesquisas sobre o consumidor brasileiro de jogos fato que é corroborado por outras pesquisas com empresas de jogos. Em pesquisa realizada com 22 empresários do setor de jogos, Perucia (2008, p.113) identificou que as informações sobre o mercado nacional tinham um impacto médio-alto ou alto nos negócios (63,7%), no entanto, a grande maioria dos respondentes (72,7%) considerava que havia poucas informações disponíveis sobre o mercado brasileiro.

Pesquisa da Pricewaterhousecoopers (2009, p. 390-393) apresenta dados sobre a composição da demanda nacional por jogos digitais. A demanda por jogos no Brasil, assim como no resto do mundo, está concentrada no segmento de jogos para consoles, responsáveis por 53% do mercado em 2009, no entanto, diferentemente dos dados globais, o segundo maior segmento para jogos no Brasil, é o de jogos para dispositivos móveis (celulares e smartphones), que representou 29% da demanda nacional em 2009 (PRICEWATERHOUSECOOPERS, 2009, p. 391).

A maior participação dos segmentos de jogos para consoles e para dispositivos móveis no mercado brasileiro (82% no total em 2009), indicaria uma maior atenção das empresas desenvolvedoras nacionais para esses segmentos, haja visto que, segundo, Porter (1990, p. 104), “as empresas de um país provavelmente terão vantagem competitiva em segmentos globais que representam uma parcela grande ou muito visível da demanda interna, mas uma parcela menos significativa em outros países”.

Pesquisa realizada pela ABRAGAMES em 2008 confirma em parte essa tendência tendo em vista a concentração do faturamento das empresas no segmento de consoles, notadamente, os da nova geração. O segmento de jogos para dispositivos móveis, embora em crescimento, ainda aparece com pouco destaque, representando aproximadamente 15% do mercado nacional, atrás dos consoles e internet. As razões para uma participação ainda pequena do segmento de dispositivos móveis no faturamento das empresas brasileiras foram apresentadas anteriormente.

Diferentemente dos dados nacionais, no cluster de jogos digitais de Pernambuco, se destacam as empresas focadas no desenvolvimento de jogos para dispositivos móveis (03 das 07 empresas entrevistadas) e internet (03 empresas também). A sétima empresa.atua no segmento de consoles.

A participação relevante do segmento de jogos para dispositivos móveis na demanda brasileira demonstra ser uma tendência, como se pode verificar na Figura 3 apresentada a seguir para o período de 2004 a 2013.

GRÁFICO 2 – EVOLUÇÃO DA DEMANDA NACIONAL POR SEGMENTO – 2004 A 2013 (ESTIMATIVA)

Fonte: Construído a partir de Pricewaterhousecoopers (2009, p. 390-393)

Em 2004, o segmento de jogos para dispositivos móveis no Brasil representava apenas 12% da demanda, no entanto, nos anos seguintes foi o segmento que mais cresceu. A expectativa é que o segmento de jogos para dispositivos móveis atinja em 2013, 31% da demanda nacional que equivalerá a R$ 158 milhões de reais (PRICEWATERHOUSECOOPERS, 2009, p. 391).

Embora as perspectivas de crescimento para o segmento de jogos para dispositivos móveis sejam muito boas, algumas barreiras se impõem a esse crescimento, como, por exemplo, a dificuldade da população em geral ter conhecimento sobre como acessar esses conteúdos, fato citado por 02 entrevistados:

No Brasil a gente tem 86% das pessoas que utilizam celular pré-pago, essas pessoas não estão [...] tem até a tecnologia habilitada no celular, mas eles não são consumidores habilitados de fato pra utilizar jogos no celular. (E3); e

As operadoras, não investem em ensinar as pessoas como baixar os conteúdos e aí adeus, não adianta ter não sei quantos milhões de celular. Vou contar uma história de uma pesquisa de André Neves na periferia do Recife, o cara troca de aparelho com o amigo porque gosta do jogo do outro, pega os chips, troca os chips, e eu fico com o teu aparelho e você fica

com o meu porque eu gosto do jogo que tá no teu celular, porque eu não sei o que existe. Vê que negocio doido danado esse (sic). (E9)

A esse respeito Junqueira (2009) enfatiza a opinião de um executivo da indústria: “a maioria dos usuários não sabe como baixar os jogos – alguns não sabem sequer da existência deles”. Essa observação é reforçada por um dos entrevistados:

É uma desgraça total você, eu costumo perguntar nas minhas palestras, quantas pessoas aqui já jogaram no seu celular? Quantas sabem que é possível comprar jogo de celular? Menos. Quantas sabem como fazer e quantas já fizeram, não dá 5%. É muito complicado os acessos e quando você acessa so tem o nome do jogo você não sabe do que é que se trata, você não pode fazer um try-and-buy e você não pode nada. (E9)

Uma das reclamações das empresas desenvolvedoras que as desencoraja a comercializar jogos para dispositivos móveis no país é a divisão com a operadora da receita obtida a partir da venda dos jogos, conforme pode ser verificado no depoimento de um dos entrevistados:

Ai o Huguinho aqui quer cobrar de você 60% de revenue share, prá você receber 40% aqui no Brasil, se você for o cara com muita marca, muito nome no mercado você negocia 50/50, só que o seguinte, vamos supor que você venda um jogo a R$10,00, o tempo de baixar o jogo vai dar R$16,00, a operadora já tá ganhando 6+5= R$11,00 você tá ganhando R$ 4,00 [...], ai não é viável, aqui, o Brasil com mais de 100 milhões de celulares, não há um mercado, nenhuma empresa de jogos móveis consegue viver só do Brasil, porque os caras cobram uma revenue share absurda. (E9).

A relação das empresas desenvolvedoras de jogos com as operadoras de telefonia será discutida em detalhes no item 4.4. Indústrias Correlatas e de Apoio.

Um fato que deve ser mencionado é que apesar das empresas terem focado nos segmentos mais importantes da demanda nacional, boa parte do faturamento do setor é obtido através da exportação e não em vendas para o mercado interno. Dentre as razões para internacionalizar-se as empresas apontam a busca por economias de escala e por um mercado atrativo (LEMOS et al, 2008, p.12). Em 2008 a estimativa foi de que 43% da produção nacional de jogos foi destinada ao mercado externo (ABRAGAMES, 2008, p.3) e a tendência é de que esse número

cresça, já que as empresas nacionais têm demonstrado bastante interesse em vender seus jogos no mercado externo.

No início do ano, o Brasil teve participação recorde na Game Connection (São Francisco/EUA), uma das principais feiras de negócio na área de games, com a participação de 14 empresas nacionais de 6 estados diferentes (São Paulo, Pernambuco, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais e Espírito Santo) (UOL JOGOS, 2010). Pernambuco foi o estado com a segunda maior delegação brasileira na Game

Connection com 3 empresas, a Daccord/Musigames, a Jynx e a Playlore. (UOL

JOGOS, 2010).

A participação em feiras, principalmente as internacionais, foi considerada importante por 08 dos 12 entrevistados. As principais razões para isso são as seguintes: networking (citada por 06 entrevistados), obtenção de informações sobre o mercado e tecnologias utilizadas (citada por 05 entrevistados); reuniões com potenciais clientes e parceiros (citada por 04 entrevistados) e construção de marca (citada por 02 entrevistados).

Deve-se reconhecer o papel do governo no aumento das exportações de

softwares de jogos digitais através do programa ABRAGAMES-APEX-SOFTEX, que

elevaram as exportações de menos de R$ 1 milhão em 2005 para R$ 5,4 milhões em 2008 (ABRAGAMES, 2008).

Porter (1990, p. 106) argumenta que a demanda interna é particularmente importante quando ela é formada por compradores sofisticados e exigentes e que antecipam necessidade de consumidores de outros países. No caso brasileiro, a pirataria e a dificuldade de acesso aos jogos digitais reduziram de forma significativa o mercado consumidor legal para jogos. No caso específico dos jogos para dispositivos móveis, o Brasil ocupa a quinta posição no ranking mundial de acessos à tecnologia celular com cerca de 175 milhões de aparelhos, ficando atrás apenas da China, Estados Unidos, Índia e Rússia, no entanto, ainda são poucos os usuários de aparelhos celulares que jogam o que se constitui num desafio para as empresas nacionais.

Podem-se apontar algumas circunstâncias peculiares do mercado nacional de jogos para dispositivos móveis como, por exemplo, o baixo poder aquisitivo (90%

dos usuários possuem planos pré-pagos), o acesso a celulares menos sofisticados (apenas 40% dos celulares acessam a internet) (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2007, p.219-220), além da falta de informação sobre como consumir esse conteúdo.

As condições locais adversas citadas anteriormente, embora sejam barreiras importantes à comercialização, podem ser oportunidades para desenvolver modelos de negócio mais adequados para países emergentes que compartilham problemas similares. Um dos entrevistados inclusive citou essa busca por modelos de comercialização de jogos adequados às classes C, D e E, que segundo dados da FECOMERCIO/SP, em 2012, representarão 30% do PIB Brasileiro (NOGUEIRA, 2010). O entrevistado E3 afirma:

Então a gente tem que habilitar, a gente tem que criar serviços ou produtos que gerem receita recorrente pras empresas e aí é classe A, B, C e D eu tô falando classe C e D porque é uma classe emergente que tá ávida por isso, o cara tá usando o computador ali há 3 anos, 4 anos e ta usando a internet também há mais ou menos isso, então você sabe que é uma classe que consome muito, que consome bastante, então eu acho que a gente tem que ter uma estratégia voltada pra isso. (E3)

E completa:

Eu vejo isso da seguinte forma, a gente brinca aqui, que depois que esse negócio for lançado aqui no Brasil, o próximo milionário que vai sair daqui do C.E.S.A.R, é um cara que vai com uma mala pra Índia e lançar esse modelo lá dentro, certo. (E3)

Tendo considerado os aspectos acima, retoma-se a questão norteadora 2: QUESTÃO

NORTEADORA (2)

Qual é e como a demanda interna pode contribuir para a competitividade futura do cluster de games de Pernambuco?

A demanda interna por jogos digitais embora ainda bastante reduzida se comparada a outros países pelas razões discutidas acima, oferece um grande potencial de crescimento principalmente se as empresas do cluster conseguirem habilitar as classes C, D e E para o consumo de jogos, notadamente no segmento de dispositivos móveis, o segmento de maior crescimento.

A experiência de comercialização de jogos para essas classes emergentes no Brasil possibilitaria às empresas nacionais, especificamente do cluster de Pernambuco, comercializarem seus produtos em nações emergentes que possuem alguns problemas em comum e que muitas vezes não estão sendo atendidas pelos grandes players internacionais

Para se beneficiar dessa demanda interna é essencial conhecê-la e por isso mais ações de pesquisa de mercado são necessárias. Mais do que dimensionar o mercado a ser atingido, as pesquisas devem focar no conhecimento dos hábitos de consumo da população no que tange a jogos digitais.

Outro ponto importante levantado pelos entrevistados refere-se à redução dos impostos que incidem sobre os jogos digitais de modo a propiciar a redução do preço final cobrado ao consumidor. Além de possibilitar a ampliação do mercado consumidor essa medida seria importante para atrair grandes players internacionais para o mercado nacional, algo essencial para o aumento da competitividade das empresas brasileiras de desenvolvimento de jogos.

A ampliação do mercado interno será um grande estímulo para o surgimento e crescimento das empresas do cluster de Pernambuco, no entanto, é algo que deverá acontecer no longo prazo. No atual momento é importante buscar novos nichos menos sensíveis à pirataria, como, por exemplo, o segmento de jogos sérios (jogos para treinamento, simulações,...) e a busca por mercados internacionais onde as empresas poderão adquirir competências para utilizá-las internamente.