• Nenhum resultado encontrado

4. ANÁLISE E RESULTADOS

4.1. Determinantes da Vantagem Competitiva Nacional – Modelo “Diamante” De Porter

4.1.1 Condição dos Fatores

4.1.1.1 Recursos Humanos

Dentre os fatores de produção necessários à indústria de desenvolvimento de jogos digitais, os recursos humanos qualificados são apontados como um dos mais importantes (PERUCIA, 2008, p. 112), no entanto, sua disponibilidade não tem sido suficiente para atender a demanda do mercado (PERUCIA, 2008, p. 112-113). A análise do cluster de games de Pernambuco corrobora esses resultados, pois embora, alguns entrevistados reconheçam na qualificação dos recursos humanos atuantes na indústria um dos pontos fortes do cluster, outros apontam a dificuldade em contratar novos funcionários já qualificados para atuar em empresas de jogos.

Na visão de 04 entrevistados (E3, E4, E5 e E9), a qualificação dos recursos humanos é um dos pontos fortes do cluster, conforme exemplificado nos depoimentos a seguir:

Acho que aqui é um dos locais que um empreendedor escolheria prá montar uma empresa. E, um dos diferenciais são exatamente os recursos humanos. Pernambuco gera hoje cerca de mil profissionais de TI por ano

[...] A gente vem se firmando como um cluster de games no cenário nacional, a qualidade de mão-de-obra de TI, de uma forma geral, é muito boa aqui e existem vários profissionais com essa experiência em empresas de game, então, você fazendo o racional que, talvez fosse um dos melhores locais no Brasil prá se montar uma empresa de game. A gente tá muito bem servido aqui. Tanto é que empresas multinacionais que quiseram montar uma base de escritório no Brasil vieram beber da fonte de profissionais daqui de Pernambuco. (E5); e

Eu acho que a gente tem um grande ativo aqui que é a qualidade dos profissionais, o que aconteceu na Meantime aconteceu na Jynx também, Fred perdeu muita gente boa pra grandes empresas, o próprio C.E.S.A.R, [...] algumas pessoas aqui se destacam mandam currículo e vão embora pra Gameloft trabalhar, então eu acho que a gente tem um grande ativo, que é qualidade dos nossos profissionais, à exceção desse trabalho especifico da Playlore que Maurício tem razão, ele precisa e prá ele é mais complicado. (E3)

Essa opinião reforça resultado de estudo realizado pelo Softex (2005, p.39) sobre a indústria de jogos digitais que identificou nos recursos humanos qualificados a principal vantagem das empresas brasileiras de jogos, na visão dos empresários do setor. Por outro lado, outros 07 entrevistados (E1, E2, E6, E7, E10, E11 e E12) pontuaram a existência de dificuldades em contratar novos profissionais já preparados para atuar no setor. Os depoimentos dos entrevistados E6 e E10 são esclarecedores:

Falta, falta, falta mão-de-obra, a mão-de-obra que existe é boa, é qualificada, mas falta mão-de-obra em certas áreas, tipo você encontra mão-de-obra qualificada, por exemplo, na área de tecnologia, mas sem muita experiência em games, então quando ele entra na empresa ele vai aprender a como trabalhar com games. Você encontra muitos bons artistas, mas a maioria não tem a experiência necessária pra games, ele entra pra ter, game designer a mesma coisa, tem muito bons designers, mas ninguém... Então existe uma carência de bons profissionais formados na área, já formados. As equipes que estão nas empresas são muito boas, mas você sempre percebe que na hora de contratar, de ampliar o quadro, você tem certa dificuldade em buscar. Você acha bons profissionais com muito potencial, mas você vai ter que formar em casa. (E6); e

A gente hoje pra contratar programadores de games, no nível que a gente precisa, é muito difícil. A gente tem uma equipe muito boa hoje aqui. O

pessoal hoje, eles programam, até fazem modificações na ENGINE que a gente usa, que são incorporadas pelo fabricante da ENGINE lá, então é um pessoal que trabalha num nível muito baixo dentro da própria ENGINE [...]. Existem iniciativas esporádicas aqui e ali, mas é muito complicado a gente conseguir programador. Existem algumas empresas que já dão alguma experiência para a pessoa e a gente consegue pegar algumas pessoas que são do mercado, mas mesmo assim, é muito complicado. É muito limitada a oferta. (E10)

Os depoimentos são constatações empresariais decorrentes do fato que, em Pernambuco, ainda são poucos os cursos específicos para a formação de mão-de- obra para a indústria de jogos. Dada a origem do cluster, a partir de iniciativas surgidas do Centro de Informática da UFPE (CIn/UFPE), a maioria dos profissionais atuantes no setor - incluindo boa parte dos sócios e executivos das empresas - é originária do curso de Ciência da Computação e mais recentemente de Design, cursos cujo foco não é formar profissionais para atuar no mercado de jogos especificamente.

O crescimento da indústria de jogos de Pernambuco nos últimos anos - em 2000 existia apenas uma empresa, em 2010 já são 07- também é um dos motivos para esse déficit de profissionais qualificados. Cabe, no entanto, ressaltar os esforços da academia, que, reconhecendo a existência dessa demanda por profissionais especializados, tem se esforçado na criação de novos cursos e disciplinas na área o que provavelmente, a médio prazo, reduzirá esse gap entre demanda e oferta de profissionais qualificados.

Em Recife atualmente apenas quatro instituições oferecem cursos específicos na área de jogos: a UNICAP, a AESO, o SENAC/PE e a Saga, no entanto em diversos outros cursos, notadamente nos de Ciência da Computação e Design são oferecidas disciplinas sobre o tema. O quadro 11 apresenta os principais cursos de jogos de Pernambuco.

Instituição Curso Nível Carga Horária de Jogos UNICAP Jogos Digitais Superior Tecnológico 2010h

AESO Desenvolvimento de Games Pós-Graduação 360h SENAC/PE Desenvolvimento de Games Técnico 240h

Saga Start, Playgame, Sinapse e Infinity Extensão entre 408 e 600h Inove

Informática I-XNA : Desenvolvimento de Jogos com XNA Curso de Curta Duração 40h UFPE Ciência da Computação e Design Disciplinas de Graduação Até 150h QUADRO 11 – PRINCIPAIS CURSOS NA ÁREA DE JOGOS EM PERNAMBUCO

Fonte: UNICAP (2010), AESO (2010), SENAC/PE (2010), Saga (2010), Inove Informática (2010), UFPE (2010)

Cabe mencionar que a primeira disciplina exclusivamente de jogos da América Latina foi criada em 2000 pelo Professor Geber Ramalho como parte do curso de Ciência da Computação da UFPE. A disciplina surgiu a partir de uma demanda da Art Voodoo, primeira empresa de jogos de Pernambuco – que não existe mais -, pois os profissionais contratados por ela em geral não tinham os conhecimentos básicos de desenvolvimento de jogos. Desde seu início a disciplina é ministrada em conjunto com membros das empresas do cluster responsáveis pela parte tecnológica da disciplina.

Os entrevistados vêem com bons olhos o surgimento de cursos específicos de jogos, pois a tendência é que os profissionais formados nesses cursos tenham um conhecimento mais aprofundado sobre o tema, ao contrário de cursos em que jogos ocupam apenas pequena parte da carga horária. O depoimento do entrevistado E3 demonstra esse ponto de vista:

Cara eles vão ajudar muito porque quando eles chegarem aqui, eu não vou ter que explicar pra eles o que é um strike, o que é um flip, um png..., ele vem com essa parte conceitual toda. Em algumas disciplinas lá na federal já diz isso, mas os cursos tecnológicos, são 2 anos, 3 anos, ele vai ver isso mais profundamente, então eles vêm com essa parte conceitual muito bem embasada, tanto é que vem com essa parte de game design também, pra programação eu ainda investiria mais no cara que vem da universidade que fez o curso de informática, que é programação, pro game designer, pro cara abrir a cabeça pra o mundo, pra o tester, ou pra o próprio artista mesmo, um curso desse tecnólogo abre mais a mente, e o cara aprende bem, pra o programador, o cara da engenharia de software, ciência da computação, estudo da programação eu acho que ainda é mais adequado. (E3)

Diante dessa realidade, as empresas têm investido na capacitação interna de seus novos profissionais de forma a complementar a formação obtida na Academia,

fato mencionado por 08 entrevistados (E1, E2, E3, E6, E7, E10, E11 e E12). Algumas empresas também têm atuado fortemente junto às instituições de ensino para aumentar a oferta de cursos e disciplinas na área, conforme exemplificado no depoimento a seguir:

Na área de arte existia uma janela aberta naquele momento, porque não existia uma oferta, mundialmente falando, principalmente nos mercados produtores, da quantidade de artistas que era demandada. Então agente viu que aquilo era uma boa oportunidade, embora o mercado não oferecesse também artistas qualificados para conseguir suprir essa demanda, a gente já fez parcerias desde o início com instituições de educação, então a gente participou da formação de um curso na UNIBRATEC de desenvolvimento de

games, eu fui coordenador desse curso lá, e também do curso de 3D, lá do

curso de CTA, curso de arte, formação técnica de arte que trabalha com a parte de 3D. A gente conversou com o pessoal da AESO também, e na época apareceu aqui a AIS, entrando, montando uma escola de arte, quer dizer, a gente conversou com Alessandro e até hoje a gente tem uma parceria muito boa com o pessoal da AIS, (E10)

Associada à dificuldade em obter novos profissionais qualificados especializados em jogos, está a necessidade de reter os profissionais já treinados e nos quais as empresas investiram tempo e dinheiro em sua formação. Ao longo da história do cluster, diversos profissionais saíram de empresas do estado para atuar em grandes empresas do setor em outras cidades do país e até mesmo em outros países, como a Finlândia, o Canadá e a Argentina, fato visto com preocupação por 08 dos 12 entrevistados.

A saída desses profissionais para grandes empresas do setor, na opinião de 05 entrevistados (E3, E4, E5, E8, E9), evidencia a qualidade dos profissionais do

cluster, conforme exemplificado no depoimento a seguir:

Pra você vê como a gente tem talentos nessa área de mobilidade, a Meantime de 2005 a 2007, 15 Meantimers, saíram daqui pra trabalhar em empresas de fora do país, não é pra trabalhar no Rio Grande do Sul ou São Paulo não, 15 certo? Foram pra Finlândia, foram pro Canadá, Inglaterra, EUA e Argentina, então você vê, quando essas pessoas vão pra lá, elas começam trabalhando nos cargos de designer, nos cargos de game designer, de programador e eles vão crescendo, hoje é um líder de

tecnologia, é um lead de designer, de lead game designer, de alguma coisa. (E3)

A perda de talentos pode ser assim ilustrada com Dois exemplos de profissionais expatriados que assumiram posições de destaque em grandes empresas estrangeiras de jogos: Scylla Costa, ex-sócio da Jynx que hoje é gerente de projetos da Bioware, empresa canadense adquirida pela Electronic Arts - EA e Jefferson Valadares, outro ex-sócio da Jynx, que atualmente é diretor da Playfish - outra empresa adquirida pela EA.

Profissionais experientes no setor de jogos são considerados fatores de produção adiantados – exigem razoável investimento em sua criação - e especializados – tem aplicação restrita em outras indústrias - conforme classificação de Porter (1990 p.93-95).

Fatores de produção com essas características são, na visão de Porter (1990, p.95), fontes mais sustentáveis de vantagem competitiva, no entanto, no caso de recursos humanos, a sua mobilidade, afeta negativamente a sustentabilidade da vantagem local na medida em que estes recursos podem ser atraídos para outros

clusters do Brasil e do Mundo. Diante dessa realidade, o cluster deve procurar

maneiras para reter esses profissionais que, na visão dos entrevistados, passa pelo crescimento do cluster como um todo, conforme atesta o depoimento seguinte:

Quanto mais as empresas estiverem num nível melhor, mais rentável... maior, mais a gente vai poder oferecer melhores condições de trabalho pras pessoas que trabalham com a gente, eles vão tá mais motivados e aí a gente vai conseguir oferecer...então pra mim o que falta é a gente ser maior, pra conseguir motivar mais e reter o pessoal aqui pra que ele não queira ir pra o Canadá ou prá os EUA ou prá Inglaterra. (E1)

Embora enxerguem com preocupação a saída de profissionais do cluster, os entrevistados reconhecem algumas vantagens importantes como, por exemplo, a possibilidade de estabelecer parcerias e relacionamentos com grandes empresas do setor (citada por 03 entrevistados) e de ser reconhecido como pólo importante de desenvolvimento de jogos (citado por 01 entrevistado). Essas conexões poderiam viabilizar na opinião de 04 entrevistados a vinda de profissionais estrangeiros

experientes para um período de intercâmbio no Brasil com o intuito de transferir conhecimentos para as empresas locais.

Em Pernambuco, temas relacionados a jogos também têm sido explorados em cursos de pós-graduação stricto sensu (Mestrado e Doutorado), nas áreas de Ciência da Computação e Design da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE e as empresas têm se beneficiado disso. O primeiro produto da Daccord, por exemplo, surgiu da dissertação de Mestrado de Giordano Cabral.

Esse capital humano qualificado tem sido incorporado pelas empresas do

cluster. É bastante comum a presença de mestres e doutores no corpo técnico das

empresas do cluster, conforme atesta o depoimento a seguir:

Na Manifesto a gente tem Felipe Brayer, Júlia e Lula, que é Luiz Barbosa, os três estão trabalhando já dentro da Manifesto e implantando metodologia em design que a gente desenvolveu aqui no laboratório e na Manifesto. Na Jynx tem Rodrigo Mazur e Arthur Aécio que estão implementando metodologia em design que a gente implementou aqui no laboratório, foram alunos da gente também aqui. Na OJE a gente tem todo o processo de Bruno Oliveira que foi aluno nosso de mestrado, implantou na OJE o processo de concepção nosso, dentro do universo da gente. Na Meantime, Diego Credidio que foi meu aluno de mestrado, com metodologia de design aplicada aos desenvolvimentos de jogos da Meantime. Então, todas essas empresas de Pernambuco na verdade de alguma forma o design delas é resultado do que a gente faz aqui no laboratório. (E8)

Embora exerça papel importante na formação de capital humano para a indústria, a atuação da Academia não se restringe a esse papel. As Universidades e Faculdades têm atuado fortemente junto às empresas para o desenvolvimento do

cluster, seja através da pesquisa acadêmica, seja através da geração de inovação

junto às empresas. A participação da Academia no cluster será analisada no subitem Recursos de Conhecimento a seguir.