• Nenhum resultado encontrado

Para Abramo (2005, p.37), “juventude” “é desses termos que parecem óbvios, dessas palavras que se explicam por elas mesmas e assunto do qual todo mundo tem algo a dizer”. É um termo extremamente presente em nosso cotidiano, assim como tem sido tema recorrente na mídia. No entanto, “quando se busca precisar um pouco mais o próprio termo, as dificuldades aparecem”, pois são muitas e variadas as abordagens que ele comporta. As disciplinas das ciências humanas fazem um “tipo de recorte” e, dentro delas, “diferentes correntes teóricas ressaltam dimensões distintas desse complexo ao qual o termo pode se referir”. (ABRAMO 2005, p.38).

A condição juvenil nos dias atuais não permite utilizar o tema por juventude, mas sim juventudes, pois não se pode desconsiderar as diferenças e desigualdades que perpassam esta condição. Torna-se necessário pensar sobre as diferenças nos modos e condições em que as juventudes são vividas. Para Abramo (2005), o tempo que delimita e define as “juventudes” varia em seu conteúdo, duração e significado, tanto social, quanto histórica e culturalmente, sendo que esta etapa nem sempre apareceu como uma “etapa singularmente demarcada”. Segundo a autora,

Tal como foi consolidado no pensamento sociológico a juventude ‘nasce’ na sociedade moderna ocidental (tomando um maior desenvolvimento no século XX), como um tempo a mais de preparação (uma segunda

socialização) para a complexidade de tarefas de produção e a sofisticação

das relações sociais que a sociedade industrial trouxe. Preparação feita em instituições especializadas (a escola), implicando a suspensão do mundo produtivo (e da permissão de reprodução e participação); estas duas situações (ficar livre das obrigações do trabalho e dedicado ao estudo numa instituição escolar), se tornaram os elementos centrais de tal condição juvenil (ABRAMO, 2005, p.41). [grifos nossos]

Segundo a autora, por um determinado período, a visibilidade da juventude no Brasil, pelo menos até meados dos anos de 1960, restringia-se a jovens escolarizados de classe média. Depois, no restante do século XX, a preocupação volta-se para os adolescentes e crianças em situação de risco. A juventude, para além “da adolescência em risco, numa direção, e para além dos setores de classe média, em outra direção, é mais recente, emergindo com mais força de uns dez anos para cá” (ABRAMO, 2005, p.39).

Há referida “segunda etapa de socialização” reflete em um descolamento entre as capacidades físicas de produção e reprodução e a maturidade emocional e social para sua realização. Por esta razão, “a noção moderna de juventude acabou aparecendo como um período de interregno, de transição, de ambiguidade, de tensão potencial”. (ABRAMO 2005, p.41). Para a autora, citando Erikson (1986), seria como uma “moratória”, que compreenderia um adiamento dos deveres e direitos da produção, reprodução e participação, como um tempo legitimado, onde haveria uma dedicação para a formação de um futuro cidadão.

A partir de então, a literatura sociológica sobre juventude oscilou entre uma “tensão”, entre análises que privilegiam o “campo simbólico”, análises que privilegiam uma “construção social” ou, finalmente, análises que focam na “estrutura socioeconômica”. Para a autora, esta questão pode ser resolvida, pela distinção entre

(...) condição (o modo como uma sociedade constitui e atribui significado a esse momento do ciclo da vida, que alcança uma abrangência social maior, referida a uma dimensão histórico geracional) e situação, que revela o modo como tal condição é vivida a partir dos diversos recortes referidos às diferenças sociais – classe, gênero, etnia, etc.(ABRAMO 2005, p.42).

Avaliando pelo menos três pontos de partida para os debates sobre o tema “juventude”, na atualidade, Abramo (2005, p.40) diz que o primeiro deles “é o que foca nas condições e possibilidades da participação dos jovens na conservação ou transformação da sociedade e seus traços dominantes”; um segundo ponto de partida “toma a juventude como contingente demográfico e busca verificar as características que informam a respeito das situações de inclusão e exclusão dos diferentes subgrupos de jovens”; em um terceiro ponto de partida “a postulação dos jovens como sujeitos de direitos, busca examinar o que constitui a singularidade da condição juvenil e quais são os direitos que dela emergem, e que devem ser garantidos por meio de políticas públicas”.

Tomando por base este terceiro “ponto de partida” da questão juvenil, entendendo que os jovens são sujeitos de direitos, singulares em suas “condições juvenis”, fui dialogar com os jovens sobre “o que eles pensam sobre ser jovem”, quais são os “desafios e as vantagens” em ser jovem? Quais são seus sonhos? Como imaginam seu futuro?

Para os jovens pesquisados, existem, nos dias atuais, muitos fatores “facilitadores” da condição juvenil, mas por outro lado existe também uma maior “cobrança” por seguirem determinados “padrões de conduta”. Ao mesmo tempo em que possuem tempo livre para estudar, sentem-se cobrados por um desempenho maior e uma “resposta” a esta dedicação, conforme expressam nas suas falas:

Na época do meu pai ele tinha que trabalhar quase doze horas por dia né? E era adolescente né? E tal, e agora a gente tem oportunidade de estudar (Mario)

Só estudar né? (Ana Maria)

Para Dayrell (2007), existe uma nova condição juvenil no Brasil, os jovens que chegam hoje às escolas, principalmente as públicas, apresentam características e práticas sociais, assim como um universo simbólico próprio e muito diferente das gerações anteriores. O autor constata que existe uma dupla dimensão que está presente quando nos referimos à condição juvenil

Refere-se ao modo como uma sociedade constitui e atribui significado a esse momento do ciclo da vida, no contexto de uma dimensão histórico geracional, mas também à sua situação, ou seja, o modo como tal condição é vivida a partir dos diversos recortes referidos às diferenças sociais – classe, gênero, etnia, etc. (DAYRELL, 2007, p. 1108).

A vida do jovem constitui-se no movimento. Para Dayrell (2003, p, 40-41), uma das imagens mais comuns que fazemos em relação à juventude é a questão da transitoriedade. Segundo o autor, vemos o jovem como um “vir a ser”, “negando o que ele vive no presente”, como se suas ações somente tivessem valor para o futuro, na sua passagem para a vida adulta, “(...) tende-se a negar o presente vivido do jovem como espaço válido de formação”. Através do debate reproduzido abaixo, fica clara a cobrança que os jovens sentem pelo que denominam “ser o melhor”, como se o momento vivido por eles hoje fosse somente “a construção de um adulto”, um futuro profissional, e não apenas qualquer profissional, mas sim o melhor naquilo que pretendem fazer:

E o ser jovem de hoje tá bastante focado na parte do ser melhor, porque hoje em dia realmente não adianta você ser meia boca, eu sou meia boca nisso, meia boca nisso, meia boca nisso, você tem que ser realmente bom mesmo de verdade melhor do que todo mundo, para você pensar em se dar bem, só pensar (Clarice)

Mas eu acho que para ser bom hoje em dia, ser mais bom do que o outro hoje em dia, é muito mais difícil que antigamente né? (Lygia)

Porque hoje em dia tá sendo disputado este pouco de eu sou bom (Clarice) Só que é algo que a sociedade de impõe, nem sempre do que tu “estuda” realmente reflete no que tu é... (Mário)

Por exemplo, hoje, tem uma grande variedade de músicos pra você ser um bom músico você tem que se dedicar se você realmente quer ser um bom músico, em alguma coisa tem que se dedicar bastante para aquilo, tem que dedicar tempo (Clarice)

Dayrell (2003) afirma também que normalmente analisamos a questão da juventude arraigada em determinados “modelos”, que são construídos socialmente, e, assim, corremos o risco de analisar de forma negativa esta etapa da vida, “enfatizando as características que lhe faltariam para corresponder a um determinado modelo de ‘ser jovem’”. Para o autor, “desta forma não conseguimos apreender os modos pelos quais os jovens, principalmente das camadas populares, constroem as suas experiências” (DAYRELL 2003, p.41). E um dos maiores “modelos” em que enquadramos os jovens é de que eles não leem, ou de que só têm tempo para o computador e internet, que os livros não teriam mais espaço entre esta geração. Constatei, entretanto, nesta pesquisa, que a leitura está muito presente na vida desses jovens.

É pertinente analisar estes “modelos” de juventude também pelo que disseram os jovens em relação à “cobrança em ser o melhor”. É difícil definir modelos de transição para a vida adulta, pois, como diz Dayrell (2007, p.1113), “as trajetórias tendem a ser individualizadas, conformando os mais diferentes percursos nesta passagem”

É muita cobrança então na opinião de vocês, cobrança por ser melhor? (pesquisadora)

Acho que sim, a gente se impõe isso, mas, o exterior impõe um pouco isso, mas grande parte eu acredito que seja nós mesmos, por que também tá nessa geração o sentimento de superação de se superar, de ser melhor (Clarice)

Quando questionados sobre “quais os maiores desafios que enfrentam como jovens?” volta à discussão a questão da “cobrança”, a competição e a necessidade de ser original. Assim também aparece o “preconceito” sofrido pelo ser jovem no momento de conseguir uma oportunidade de emprego:

Quais são os maiores desafios que os jovens enfrentam? (pesquisadora) Ser original, eu acho que é um grande desafio hoje (Clarice)

Eu vejo bastante preconceito também porque, um exemplo você vai ter o teu primeiro emprego, se você não tiver experiência você não entra mas como você vai ter experiência se você não “teve” teu primeiro emprego, eu acho isso muito complicado (Ana Maria)

Complicado isso de ser original muita coisa se torna moda muito fácil, sei lá os jovens estão tentando imitar, um fica tentando imitar o outro, celebridade (Clarice)

Na verdade é uma busca por personalidade né (Mário) Aí todo mundo fica igual assim mais ou menos (Clarice)

É uma busca por ser diferente que acaba tornando todo mundo igual (Ana Maria)

Normalmente, tem-se a imagem do jovem como alguém “desligado”, “despreocupado”, “desinteressado”. Com os jovens pesquisados, constatou-se que esta imagem nem sempre é verdadeira. Eles estão preocupados com uma série de “responsabilidades” que se avizinham com a chegada da idade adulta. Estão pensando em seus futuros, em suas carreiras profissionais, nesta pressão em “ser o melhor”, “em ser original”. Sabem que não mais existe espaço para um profissional “meia boca”, como definem. Têm pela frente o desafio do primeiro emprego, sentem o preconceito pela falta de experiência, sabem que vão enfrentar muitas dificuldades até conseguirem uma carreira, uma colocação.

Quando a questão é voltada para as “vantagens em ser jovem”, a primeira resposta é a “tecnologia”. Questionados para irem além da questão da tecnologia, surge uma “temeridade” pelo “tempo juvenil”, ao mesmo passo que pensam ter muitos anos pela frente, a ideia de que, de uma hora para outra, este tempo pode simplesmente não existir mais, causa grande desconforto:

É ser jovem, é saber que tu tem muitos anos pela frente ou não né? Tem a oportunidade de construir alguma coisa (Mário)

Mas mesmo assim, mesmo tendo toda essa vida pela frente eu ainda penso que amanhã eu posso morrer e dói muito isso (Ana Maria )

Esta “temeridade pelo tempo juvenil” representa, para Pais (2006), o enfrentamento dos jovens com o futuro, pois sabem que neste futuro deixarão de ser jovens, mas eles não sabem se este futuro está próximo ou longe, nem muito menos, que futuro os espera. Os jovens projetam uma realidade distante da que vivem hoje, onde se sentem “aprisionados” a uma condição/situação que não gostariam de estar vivendo. Quando questionados como imaginam a vida no futuro, surgem as seguintes respostas:

Eu me imagino longe daqui, muito longe (Ana Maria)

Muito longe, acaba tendo mais pressão porque a gente conhece todo mundo aqui, eu acho (Clarice)

É que a gente por estar numa cidade pequena procura muita liberdade né? “Podê” “tá” assim qualquer hora sem se preocupar com o que “tá” fazendo, é algo que nossa sociedade não permite né? Sempre “tá” sendo observado” (Mário)

Em parte, o desejo de estudar em outras cidades e em outros Estados, como alguns manifestaram, pode estar relacionado à possibilidade de sair deste lugar em que se encontram. Dessa maneira, pode-se constatar, conforme o diálogo entre eles, que a escolha pelo curso profissionalizante não representa “o fim da carreira escolar”, querem e ambicionam continuar os estudos, fazer um curso superior e inclusive seguir uma carreira acadêmica, como manifestam os jovens Mário e Clarice:

Eu acho que eu vou alcançar a minha realização profissional e como ser humano no momento em que eu conseguir adequar o meu trabalho com algo que ajude a humanidade e que me sege satisfatório em todos os sentidos né? (Mário)

Com estrutura, com mais estrutura psicológica do que eu tenho agora, com mais experiência de vida, com uma casa e um carro de preferência, com meus estudos concluídos, faculdade, pós, mestrado, doutorado, PHD, e aí com uma vida tranquila (Clarice)

Portanto, pensando nas falas acima, parece oportuno questionar qual o papel do Ensino Médio em relação às juventudes em nossos dias. É apenas mais uma

etapa da escolarização ou a última? Assim, aprofunda-se a questão no subcapítulo seguinte.

Documentos relacionados