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2.3 Juventudes e suas relações com o Ensino Médio

2.3.2 A educação profissional

Historicamente, a rede federal de educação profissional, científica e tecnológica começou em 1909 com 19 escolas de Aprendizes e Artífices que, mais tarde, deram origem aos centros federais de educação profissional e tecnológica (Cefets). No seu início, era vista como instrumento de política voltado para as “classes desprovidas”.

Kuenzer (2009, p.27) diz que, estas escolas, “obedeciam a uma finalidade moral de repressão: educar, pelo trabalho, os órfãos, pobres e desvalidos da sorte, retirando-os da rua”, ou seja, para a autora, as primeiras iniciativas de ensino profissionalizante no país, tem a perspectiva da formação do caráter pelo trabalho.

Segundo a autora, a partir destas iniciativas, surgem outras destinadas a formar trabalhadores. No nível primário, o curso rural e o curso profissional, com quatro anos de duração cada um, e no nível ginasial, os cursos: normal, técnico comercial e técnico agrícola. Inicialmente estes cursos voltados para as camadas populares, uma vez que para as elites, havia a opção do curso primário seguido pelo secundário propedêutico, com possibilidade do ensino superior dividido em ramos profissionais.

Na rede estatal de ensino, foram criadas, primeiro, as escolas profissionais, para somente nos anos de 1940, ser criado o Ensino Médio. Para Kuenzer (2009, p.26) “essas redes sempre estiveram de alguma forma (des) articuladas, uma vez que a dualidade estrutural sempre responde a demandas de inclusão/exclusão”, para a autora, não há como entender o Ensino Médio no Brasil sem fazer uma relação com o ensino profissional.

Havia uma clara separação entre aqueles que iriam desempenhar funções intelectuais, daqueles que desempenhariam funções instrumentais, e desta forma, a formação específica para cada um. Segundo Kuenzer (2009, p.27), para estas duas “funções do sistema produtivo correspondiam trajetórias educacionais e escolas diferenciadas”. Para a elite, a “formação acadêmica intelectualizada”; para os trabalhadores, a “formação profissional em instituições especializadas ou no próprio trabalho”.

No governo de Getúlio Vargas, no ano de 1942, são criados, “para as elites”, os cursos médios de 2º ciclo, chamados de científico e clássico, com a finalidade maior de preparar os alunos para o ensino superior. Para os “trabalhadores instrumentais” as opções de cursos de nível médio do 2º ciclo eram: o agrotécnico, o comercial técnico, o industrial técnico e o normal, nenhum destes dava acesso ao ensino superior.

Ainda no ano de 1942, é criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, e em 1946 o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC, dois sistemas de ensino privado, que junto ao sistema estatal, vem completar a formação profissional. Neste ano, também, as escolas de Aprendizes e Artífices transforma-se em escolas técnicas. Para Kuenzer (2009, p.28-29) “a dualidade estrutural, portanto, configura-se como a grande categoria explicativa da constituição do Ensino Médio e profissional no Brasil”. Desta forma legitimam-se caminhos distintos de formação: “um para os que serão preparados pela escola para exercer funções de dirigentes; outro, para os que, (...) serão preparados para o mundo do trabalho”.

Somente em 1961, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4.024/61) ocorre a integração do ensino profissional ao sistema regular de ensino, estabelecendo-se, desta forma, a equivalência entre os cursos profissionalizantes e os propedêuticos, com a finalidade de prosseguimento nos estudos. Porém, em 1971, a Lei nº 5.692/71 transformou em obrigatória a

profissionalização no Ensino Médio, desta maneira criando trajetória escolar igual para todos.

Para Abramovay e Castro (2003, p.154), a trajetória do Ensino Médio no Brasil, e da mesma forma os debates acadêmicos sobre seus impasses, “demonstra que a relação escola e trabalho foi sempre crucial para a definição da identidade pedagógica deste nível de ensino”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1971 pregava que a educação básica do educando deveria se dar no nível do 1º grau (atual Ensino Fundamental), sendo que o ensino de 2º grau (atual Ensino Médio) deveria deter-se à formação que se traduzia na sondagem das aptidões e na preparação inicial para o trabalho.

Ainda segundo as autoras, o objetivo da referida Lei era a transformação do Ensino Médio em ensino profissionalizante, como uma maneira de encaminhar os educandos para a profissionalização técnica, desta forma, não gerando excedentes para as vagas disponíveis na educação superior. As mesmas analisam que esta diretriz foi marcante na oscilação entre as vocações propedêuticas e profissionalizantes desta etapa do ensino.

Esta generalização da profissionalização no Ensino Médio cai por terra antes mesmo de ser implementada, pois, através do parecer nº76/1975, restabeleceu-se a modalidade de educação geral, que foi posteriormente confirmada pela Lei nº7. 044/1982.

Essa legislação apenas normatizou um novo arranjo conservador que já vinha ocorrendo na prática das escolas, reafirmando a organicidade da concepção de Ensino Médio ao projeto dos já incluídos nos benefícios da produção e do consumo de bens materiais e culturais: entrar na Universidade. (...) Desta forma, retoma-se ao modelo anterior a 1971: escolas propedêuticas para as elites e profissionalizantes para os trabalhadores. (KUENZER, 2009, p.30).

Este modelo de ensino, com determinadas variações ao longo da história, segundo Kuenzer (2009), atendeu as demandas do mundo do trabalho dentro das concepções do taylorismo-fordismo que, em sua pedagogia, atendia à clara divisão social e técnica do trabalho: o trabalho intelectual para a elite e instrumental para as classes desfavorecidas. Desta forma, a qualificação profissional para os trabalhadores instrumentais não previa o desenvolvimento de competências intelectuais e o domínio de conhecimentos técnicos- científicos.

Porém, com mudanças ocorridas no mundo do trabalho, em função principalmente da globalização da economia, o modelo taylorista-fordista deixa de ter um caráter dominante.

À luz dos novos paradigmas, com base no modelo japonês de organização e gestão do trabalho, a linha de montagem vai sendo substituída pelas células de produção, o trabalho individual pelo trabalho em equipe, o supervisor desaparece e o engenheiro desce ao chão da fábrica, o antigo processo de qualidade dá lugar ao controle internalizado, feito pelo próprio trabalhador. (KUENZER, 2009, p.32)

Neste modelo, segundo a autora, as palavras de ordem são qualidade e competitividade. Surge assim, necessidade de novas capacidades técnicas e intelectuais, dentre elas, a capacidade de comunicação, que exigia o domínio de códigos e linguagens, a incorporação da língua estrangeira, além da língua portuguesa, e outras formas, como as trazidas pela semiótica, “a autonomia intelectual”, “a autonomia moral”, além das capacidades, de “comprometer-se com o trabalho através da responsabilidade, da crítica e da criatividade”. (KUENZER, 2009, p.32).

Desta forma, para atender as novas demandas geradas pelos efeitos da globalização da economia, chega-se à constatação que não mais é possível formar trabalhadores sem pelo menos onze anos de educação escolar. O Ensino Médio perde sua característica de intermediação entre a educação geral e a superior para constituir-se na última etapa da educação básica. Passa a ser meta, respaldada pela legislação vigente, atingir toda a população de 15 e 16 anos. (KUENZER, 2009).

Neste sentido, as novas determinações, do mundo produtivo e do social, apresentam desafios a serem enfrentados pelo Ensino Médio. Para a autora, possuem dois sentidos:

A sua democratização, devendo ser estabelecidas metas claras neste sentido, a orientar a ação política do Estado em todas as instâncias (federal, estadual e municipal), particularmente no tocante a investimentos; a formulação de outra concepção, que articule formação científica e sócio histórica à formação tecnológica, para superar a ruptura historicamente determinada entre uma escola que ensine a pensar [...] e uma escola que

ensine a fazer, através da memorização de procedimentos e do

desenvolvimento de habilidades psicofísicas. (KUENZER 2009, p.34) [grifos nossos]

A partir do ano de 1996 passa a vigorar a Lei de Diretrizes e Bases – LDB nº 9394/1996 que revoga a Lei nº 5.692/1971. Com esta Lei, o Ensino Médio passa a ter uma identidade própria, e se configura assim como a etapa conclusiva da educação básica, tendo a possibilidade de articulação com a educação profissional e tecnológica.

No governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, a implantação da reforma da educação profissional determinada pela LDB consolidou-se através do Programa de Reforma da Educação Profissional – PROEP, que abrangia tanto o financiamento, a construção, reforma, ampliação, aquisição de equipamentos, materiais pedagógicos como a capacitação de docentes, e a implementação de laboratórios, entre outras ações. Este programa decorreu do Acordo de Empréstimo assinado entre o Ministério da Educação e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) com vigência prevista até maio de 2007.

Segundo Gribowski (2010), o Ministério da Educação, naquele momento, definiu o mecanismo de implantação do programa nas escolas sob sua responsabilidade e limitou a expansão de novas unidades que estavam sob a gestão do governo federal. As diretrizes para a educação profissional no nível nacional foram definidas pelo Conselho Nacional de Educação através do Parecer CNE/CEB nº 17/97 de 03/12/1997, que assim como as Diretrizes Curriculares Nacionais pelo Parecer CNE/CEB nº 16/99 de 05/10/99, consolidaram a etapa de implementação da nova política de educação profissional no governo Fernando Henrique Cardoso.

Em dezembro de 2008, 31 centros federais de educação tecnológica (Cefets), 75 unidades descentralizadas de ensino (Uneds), 39 escolas agrotécnicas, 7 escolas técnicas federais e 8 escolas vinculadas a universidades transformaram-se nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

Na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a rede federal passou por uma grande expansão e qualificação em número de unidades criadas, número de cursos disponibilizados, contratação de professores, como também em expressivo número de matriculados nestes cursos. O atual governo, através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC, tem o objetivo de expandir e democratizar a oferta de cursos técnicos de Nível Médio, buscando alcançar um atendimento direto a mais de 8 milhões de estudantes até 2014, em todo o país.

Os jovens pesquisados estão inseridos nesse contexto, pois frequentam cursos profissionalizantes graças a essa expansão, mas todas as indicações apresentadas nas entrevistas revelam que o aspecto da profissionalização do Ensino Médio como preocupação imediata com a busca do mercado de trabalho não aparece, pois todos manifestam o desejo de continuar os estudos em nível superior. Essa constatação denota que as mudanças na legislação e na concepção de uma finalidade de Ensino Médio voltada para a formação do cidadão e não apenas de um trabalhador atendem mais essa parcela da juventude que a simples formação técnica para a inserção no mundo do trabalho na condição de técnico de nível médio.

O capítulo que segue dedica-se a analisar de que forma as experiências de leituras dos jovens estão relacionadas com a suas identidades juvenis, com a subjetividade destes jovens leitores, e qual a relação dessas práticas de leitura com o que denominaremos uma leitura para “formação escolar” e uma leitura de “formação para a vida”.

3 AS EXPERIÊNCIAS DE LEITURA COMO FORMAÇÃO DE IDENTIDADES

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