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Ao longo da história, os seres humanos viveram muitas transformações sociais e culturais, que por sua vez afetaram seus comportamentos e a formação de suas identidades. Stuart Hall (2006, p.7), analisando a questão da identidade, lembra que a teoria social vem debatendo amplamente sobre o assunto, pois, segundo o autor, “as velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno”. Desta maneira, as identidades modernas estão sendo ‘descentradas’, ou ainda, “deslocadas ou fragmentadas”. O autor pondera que as sociedades modernas estão se transformando, “fragmentando desta forma as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade”, que, no passado, forneciam ao sujeito, “sólidas localizações como indivíduos sociais”. (HALL, 2006, p. 8-9).

Para desenvolver este tema, Hall (2006) aborda três concepções de identidade, sendo elas: “sujeito do iluminismo”, “sujeito sociológico” e “sujeito pós- moderno”. O sujeito do Iluminismo estava baseado em um indivíduo “centrado”, “unificado”. Acreditava-se que o homem tinha uma “capacidade de razão” e consciência em suas ações, nascia-se com um núcleo interior, que permanecia durante toda a existência do homem, “o centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa” (HALL, 2006, p.11).

Por sua vez, a noção de um “sujeito sociológico” está refletida na complexidade de um mundo moderno e na relação dos indivíduos entre si, ou seja, a “consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto- suficiente”, mas formado na relação com outros sujeitos. (Ibidem). Neste caso, a identidade preenche o espaço entre ‘interior’ e ‘exterior’, entre o mundo do indivíduo e o mundo público. O autor analisa, então, que o fato de projetarmos a ‘nós próprios’ nessas identidades culturais internalizando seus significados e valores, tornando-os ‘parte de nós’, faz com que alinhemos “nossos sentimentos subjetivos com lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural” (HALL, 2006, p. 12). Desta forma, a identidade “costura” o sujeito à estrutura, estabilizando “tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis” (Ibidem).

No entanto, Hall (2006, p.12) alerta para o fato de estar havendo uma mudança nesta ordem. Segundo ele, “o sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado”. O autor afirma, ainda,

Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais ‘lá fora’ e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as ‘necessidades’ objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. (Ibidem)

Esse processo, para o autor, está produzindo o que se denomina de sujeito pós-moderno, conceitualizado como aquele que não tem uma identidade fixa, essencial e permanente. Assim, o “sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu coerente’” (HALL, 2006, p.13). Sendo assim, a identidade unificada, completa, segura e coerente desde o nascimento até a morte de um indivíduo é uma fantasia, “ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural

se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade (...) de identidades possíveis”. (Ibidem).

No momento em que perguntei aos jovens pesquisados “o que é para vocês ser jovem nos dias de hoje?” os mesmos demonstraram estar cientes de que vivem um momento social, histórico e cultural diferente daquele que seus pais viveram, por exemplo, conforme constata-se no diálogo entre eles:

Tá bem mais fácil ser jovem agora né? Eu acho (Ana Maria) Eu acho (Clarice)

Antigamente meu deus, eles tinham que lutar de verdade pra garantir os direitos deles, hoje em dia tá tudo na mão da gente e a gente reclama (Ana Maria)

Tá tudo na moda, tudo fácil (Clarice)

Eu acho que não é tão fácil não, eu acho que pelo fato da gente tá num década avançada já a gente tá exposto a um monte de fatores assim, que as vezes mexe com o psicológico da gente sabe, que definem a nossa personalidade, então é complicado pelo que nos rodeia sabe? Por que existe um monte de coisa lá fora (Mario)

Eu acho que nessa parte do psicológico é, realmente por esta parte, vendo por este ângulo é mais difícil porque, algumas décadas atrás, o bombardeio de informações não era tão grande como o que a gente recebe agora, então, quase uma poluição de quantidade de informação que a gente sabe, que a gente recebe, e que a gente aprende, nossa (Clarice)

Sabe-se que os jovens são os mais expostos ao excesso de informações; no entanto, como alerta Larrosa, para considerar a experiência, é necessário separá-la da informação. Para o autor, “(...) uma sociedade construída sob o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é impossível” (LARROSA 2002b, p.22). O autor faz ainda outros alertas, diz que a experiência está se tornando cada vez mais rara pelo excesso de opinião e pela falta de tempo. Para ele, a obsessão por opinar anula as possibilidades de experiência, fazendo com que nada nos aconteça, ou, ainda, que tudo o que nos passa seja demasiadamente depressa, muitas vezes reduzido a estímulos fugazes e instantâneos. (LARROSA 2002b).

A juventude, na atualidade, está propensa há um mundo em constantes transformações e é afetada por diversos fatores que perpassam o ser jovem hoje. Os jovens estão conectados, vivem e convivem com diferentes realidades, têm amigos reais e virtuais, ouvem muitos ritmos, dançam muitos ritmos, leem diferentes e variados artefatos: livros, revistas, mangás, jornais; não convivem com um só tipo

de gênero textual. Desta forma, estão sujeitos a diversos fatores que contribuem na elaboração de uma identidade juvenil. E entre eles a leitura está presente. Foi possível constatar, enquanto desenvolvia a pesquisa, durante a fala dos jovens, que existe uma cumplicidade entre as leituras que realizam, principalmente entre as jovens, quando uma “recomenda” determinada leitura para a outra. A jovem Clarice afirma prestar muita atenção no que a colega Cora está lendo e comentando. Percebe-se que determinados gêneros têm grande preferência por parte dos jovens, especialmente aqueles que exploram a “fantasia6”, o “fantástico” em literatura.

Autores que refletem a questão da identidade juvenil, como Dayrell e Gomes (s/d, p.11), dizem que constituímos nossa identidade a partir das relações que estabelecemos com o mundo, no contexto familiar, nas experiências que vivemos, de acordo com os valores e as normas que organizam o nosso mundo, ao longo dos tempos. Para eles, a identidade está “centrada nos indivíduos, que vêm adquirindo a capacidade autônoma de definir-se como tais, construindo sua identidade como algo que não está dado”. (DAYRELL E GOMES s/d, p.11).

Na juventude, existe uma busca por “pertencer”, há grande necessidade de estar relacionado, ligado a um grupo, ter afinidades, gostos em comum, e constata- se que a leitura também exerce este papel “relacional” entre os jovens, eles também constroem afinidades literárias. A identidade é vivenciada, assim, “como uma ação e não tanto como uma situação”, cabendo ao indivíduo a construção de sua consistência e de seu reconhecimento como tal, entendendo os limites postos pelo ambiente e através das relações sociais. Desta maneira, construir a identidade é, acima de tudo, um “processo relacional”, equivale dizer que um “indivíduo só toma consciência de si na relação com o outro” (DAYRELL E GOMES, s/d, p.11). E esse “outro” que referem os autores não é necessariamente outro sujeito, pode ser, por exemplo, tanto um texto, um livro, um filme, uma música, ou outro artefato cultural a que os jovens tenham acesso.

Quanto maiores as possibilidades de os jovens interagirem socialmente, maior será o seu aprendizado. Para Dayrell e Gomes (s/d, p.9) “o jovem torna-se capaz de refletir sobre a dimensão individual e social e de se ver como um indivíduo que dela participa, recebendo e exercendo influências”. Quando esta fase da vida é vivida em sua plenitude, gera um adulto responsável, um cidadão atuante,

6 Gênero que se refere ao que é criado na imaginação, ao que não existe na realidade. Todo texto fantástico tem elementos inverossímeis, imaginários distante da realidade dos homens.

desenvolvido em todas as suas potencialidades. Conforme abordo, principalmente no terceiro capítulo desta dissertação, a leitura é grande instrumento de aprendizagem para os jovens, pois afirmam “implementar” sua personalidade através do que estão lendo. Desta forma, a identidade é construída através de um processo de aprendizagem, a qual implica o “amadurecimento da capacidade de integrar o passado, o presente e o futuro e também articular a unidade e a continuidade de uma biografia individual” (DAYRELL E GOMES, s/d, p.12). Esta aprendizagem ocorre muito pelo grande acesso às informações, ao estímulo e às oportunidades a que os jovens estão expostos, inclusive pelas leituras que realizam em seu cotidiano. Observa-se isso na resposta que o jovem Mário deu ao questionamento: “qual a relação das leituras que vocês realizam com o aprendizado e o conhecimento?”

É uma relação totalmente direta e ligada ao aprendizado. Ler imprime na mente as palavras certas sobre os mais diversos assuntos. Ler é automaticamente aprender e conhecer, em forma de decodificação da linguagem escrita e racionalização do conteúdo apreendido (Mário)

Se viver plenamente a juventude é experimentar possibilidades de novas vivências, emoções e sensações que despertam um conhecimento sobre si e sobre o mundo, a forma como é possibilitada ao jovem esta interação com este mundo muda de acordo com as especificidades e contextos em que estes estão inseridos. Dayrell e Gomes (s/d, p.8) afirmam que “a vivência, desde a adolescência, tende a ser caracterizada por experimentações em todas as dimensões da vida subjetiva e social, possibilitando novas experiências”. Estas vivências trazem tanto o conhecimento sobre si mesmos como do mundo em que vivem, sendo esta fase o momento de maior exercício de interação social. No entanto, os autores alertam que não existe um padrão nesta vivência, mudando de acordo com as especificidades de cada um. Portanto, ao mesmo tempo em que vivem uma série de transformações, biológicas e psicológicas, os jovens vivem também todo um contexto social de pressão por uma busca de maior responsabilidade, pela autonomia, pela independência.

Ler, para os jovens pesquisados, é uma busca de conhecimento e aprendizado, mas é, também, uma busca pela construção de uma “identidade juvenil”. Há uma identificação do que leem com a fase da vida que estão vivendo,

especialmente quando afirmam “ler para vida”, uma leitura diferente da “leitura para a escola”, como são classificadas as preferências na hora de escolher o que ler. Esta “classificação” da leitura será abordada no terceiro capítulo desta dissertação.

Na sequência deste capítulo, a condição juvenil, principalmente sob a perspectiva dos jovens pesquisados, o que pensam e sentem em relação a ser jovem nos dias de hoje, quais os desafios e vantagens que esta etapa da vida representa para eles.

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